Cotação do petróleo mantém-se estável, apesar dos conflitos no norte de África e no Médio Oriente

Reforço da produção nos Estados Unidos é uma das razões que explicam a acalmia no mercado.

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O que mudou, de então para cá, capaz de influenciar tão decisivamente a cotação de uma das principais matérias-primas que fazem parte do nosso dia-a-dia? Não há uma razão fundamental que explique tudo o que se passa actualmente com a cotação do petróleo. Mas há um conjunto de elementos que ajudam a perceber por que é que, apesar dos conflitos que afectam alguns dos principais produtores mundiais e que continuam sem solução à vista, o preço do crude se mantém praticamente estabilizado há tanto tempo, insensível aos riscos que afligem o mundo.

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O que mudou, de então para cá, capaz de influenciar tão decisivamente a cotação de uma das principais matérias-primas que fazem parte do nosso dia-a-dia? Não há uma razão fundamental que explique tudo o que se passa actualmente com a cotação do petróleo. Mas há um conjunto de elementos que ajudam a perceber por que é que, apesar dos conflitos que afectam alguns dos principais produtores mundiais e que continuam sem solução à vista, o preço do crude se mantém praticamente estabilizado há tanto tempo, insensível aos riscos que afligem o mundo.

A alteração radical da política energética dos Estados Unidos é um dos motivos que ajudam a explicar esta acalmia no mercado petrolífero. Em meados de 2008, com a actividade económica em máximos a potenciar a procura de ouro negro e o programa nuclear do Irão a impor receios quanto à manutenção dos níveis de produção, a cotação do petróleo chegou a uns preocupantes 140 dólares.

Nessa altura, assustado com a possibilidade de a escalada das cotações não ter fim, o então presidente norte-americano George W. Bush decidiu rasgar a moratória que impedia a extracção de petróleo na plataforma continental externa, decisão que o Congresso ratificaria poucas semanas mais tarde. O remédio surtiu um efectivo efeito e, no espaço de um ano, o preço do crude desceu dos 140 dólares para um mínimo de 39. A partir daí, encetou um ciclo de recuperação que terminou em 2011, ano a partir do qual as cotações estabilizaram entre os 90 e os 110 dólares.

Desde sempre que a política petrolífera norte-americana foi muito centrada em manter um nível elevado de reservas estratégicas internas, o que implicava um nível significativo de compras ao estrangeiro. A partir do susto de 2008, as aquisições fora de portas começaram a reduzir-se, de tal forma que, em Maio passado, segundo dados apurados pela agência Bloomberg, a maior economia do mundo estava a comprar 7,17 milhões de barris por dia, 26% abaixo do que comprava em Maio de 2008.

Ao reduzirem as suas compras, os Estados Unidos acabaram por retirar pressão do mercado petrolífero e influenciaram as cotações. Mas a estabilização dos preços do petróleo tem outras explicações e uma delas tem a ver com a alterações dos fluxos de investimento do chamado capital especulativo.

Refúgio dos fundos
Quando a crise do subprime estalou e obrigou a uma intervenção de grande escala da administração norte-americana junto dos maiores bancos (que ameaçavam bancarrota), muitos fundos de investimento deixaram de investir em acções e derivados financeiros e procuraram refúgio no mercado das matérias-primas, muito mais seguro do que as escaldantes praças financeiras, onde a volatilidade imperava. Agora, com a recuperação das bolsas mundiais e a economia norte-americana a dar sinais de consolidação da retoma, estes investidores voltaram-se para os mercados tradicionais, retirando igualmente pressão da área petrolífera.

“Os bancos, e, em especial, os três maiores dos Estados Unidos (Goldman Sachs, Morgan Stanley e JP Morgan), abandonaram o mercado do crude, venderam as suas unidades de trading ou então, pura e simplesmente, fecharam-nas” afirma Daniel Dicker, um analista do mercado energético, salientando que isso teve implicações na cotação. Tony Twine, economista sénior da Econometrix, defende que em Maio de 2011, quando o petróleo atingiu os 127 dólares por barril, o valor correcto atendendo à relação entre a oferta e a procura seria de 85 dólares. “Os riscos geo-políticos relacionados com a situação no norte de África e no Médio Oriente representava uns 15 dólares e os restantes 27 dólares tinham a ver com fenómenos especulativos”.

A estabilização do mercado é, ainda, resultado da atitude pró-activa que a Arábia Saudita, o maior exportador mundial, sempre tem mantido. Os dirigentes do reino têm funcionado um pouco como os guardiões da estabilidade dos preços, através de uma gestão regular dos seus níveis de produção. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos têm vindo a aumentar de forma substancial a extracção do chamado shale gas, o gás natural que é extraído do xisto argiloso, cuja produção praticamente duplicou nos últimos cinco anos, para 450 milhões de metros cúbicos em 2013.

Inflação baixa
A estabilização da cotação do petróleo nos últimos três anos constitui uma boa notícia para os consumidores, porque retira pressão sobre o preço dos combustíveis e outras fontes energéticas, sobre as quais actua directamente. E, numa análise mais abrangente, não há praticamente produto cujo preço não seja influenciado pelo valor do ouro negro, nem que seja sobre os custos do seu transporte.

Mas o quadro de subida de cotações, que em tempos foi mantendo a inflação em torno dos 2%, alterou-se e está agora a contribuir para um risco cada vez mais sério de deflação, especialmente nos países da zona euro. A inflação anual no espaço da moeda única caiu para 0,4% em Julho (-0,7% em Portugal), o nível mais baixo desde Outubro de 2009. A inflação mensal foi de -0,7% (-0,6% em Portugal).