Avisaram Adélia para não abrir a porta ao ex-marido. Agora está entre a vida e a morte

Há mulheres que chegam a visitar na cadeia maridos que estão presos por as terem agredido. Deputada Elza Pais defende mais prisão preventiva para os suspeitos de violência doméstica, como forma de reduzir risco de homicídio.

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Rui Gaudêncio

Ocorrido em Braga, o caso parece ser exemplar do ponto de vista do comportamento das mulheres vítimas de agressão – feito muitas vezes de avanços e recuos por parte das queixosas, que tão depressa chamam a polícia para lhes acudir, como a seguir encobrem os companheiros. Chegam a procurá-los na cadeia, ao abrigo do regime de visitas íntimas concedido aos cônjugues, quando eles cumprem pena por as terem maltratado, revelava um recente relatório da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa.

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Ocorrido em Braga, o caso parece ser exemplar do ponto de vista do comportamento das mulheres vítimas de agressão – feito muitas vezes de avanços e recuos por parte das queixosas, que tão depressa chamam a polícia para lhes acudir, como a seguir encobrem os companheiros. Chegam a procurá-los na cadeia, ao abrigo do regime de visitas íntimas concedido aos cônjugues, quando eles cumprem pena por as terem maltratado, revelava um recente relatório da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa.

“Têm de ser protegidas de si próprias”, observa a ex-secretária de Estado da Igualdade e deputada socialista Elza Pais, que não se conforma com as quatro dezenas de homicídios conjugais que ocorrem todos os anos em Portugal. Preveni-los, defende, passa pelos magistrados usarem mais vezes a prisão preventiva como forma de afastarem os agressores do objecto da sua obsessão. E também pela criação de casas de abrigo para este tipo de criminosos, “onde poderiam ser sujeitos a programas de tratamento para a prevenção da reincidência”. Para esta especialista, “não faz sentido que sejam as vítimas que têm de ir para casas de abrigo para se protegerem dos agressores, que continuam impávidos e serenos a residir na casa de residência da família”.

Funcionária administrativa do Hospital de Braga, Adélia apresentou nos últimos anos pelo menos cinco queixas na PSP contra o companheiro, um empregado de balcão que entretanto ficou desempregado. Da penúltima vez, há uma escassa semana, foi parar à unidade hospitalar onde trabalhava, depois de ele lhe ter arremessado um objecto à cabeça.

Casos arquivados
Em 2011, as autoridades pediram ao Ministério Público que o proibisse de contactar com ela. Tinha, então, paradeiro desconhecido. Chegou a ser julgado pelas agressões, mas foi absolvido. Se é raro as queixas de violência doméstica chegarem a julgamento, mais raro ainda é resultarem em condenação dos agressores. Outra especialista, Carina Quaresma, da Direcção-Geral da Administração Interna, explica, num estudo que efectuou sobre o fenómeno, como à falta de provas se junta com alguma frequência a desistência da queixa. É que, embora a violência doméstica esteja entre os crimes que não admitem desistência, acontece por vezes o crime ser reclassificado pelas autoridades como ofensa à integridade física, que já a permite. “Os dados apontam que a esmagadora maioria dos casos de violência doméstica tendem a ser efectivamente arquivados”, refere o trabalho de Carina Quaresma.

A polícia aconselhou Adélia a não abrir a porta se o ex-marido lhe aparecesse em casa. Mas ele continuou a rondá-la e a tentar fazer-lhe mal, uma das vezes fora de portas, mas na maior parte do tempo indo ao apartamento da Rua dos Congregados, onde havia morado com ela e uma filha durante mais de década e meia. “Cada vez que lá íamos, encontrávamo-lo lá dentro porque ela o tinha deixado entrar”, descreve fonte policial. “Ela corria com ele e ele voltava lá outra vez”, confirma um vizinho.

A dependência emocional das vítimas, que chega a ser comparada à utilização de drogas, faz com que avaliem mal o perigo que correm – por vezes de vida. Em Novembro a PSP deverá começar a fazer de forma generalizada um inquérito que lhe permitirá aferir o nível de risco em cada caso de violência doméstica, consoante as respostas dadas pela vítima. Se o risco for considerado elevado, serão alertadas as autoridades judiciais para que ponham em prática eventuais medidas de coacção, como a pulseira electrónica.

Quanto à prisão preventiva, Elza Pais explica que a lei também a permite. Basta aos magistrados equipararem a violência doméstica, cuja moldura penal não autorizaria à partida a utilização deste mecanismo de prevenção, à criminalidade violenta – um expediente já validado em 2010 pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

Segundo a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, neste momento estão presas preventivamente por violência doméstica 85 pessoas, cumprindo pena por este crime outras 374. Parte delas cometeu também outros crimes.

“Fundos  estruturais estão a acabar”
A deputada socialista Elza Pais está preocupada com o que poderá suceder no final deste ano aos programas de organizações não governamentais de apoio às vítimas de violência doméstica e à promoção da igualdade de género. “Os fundos estruturais acabam em Dezembro e ninguém sabe o que se passará a seguir”, observa. São estes programas, explica, que podem quebrar o ciclo de violência em que muitas mulheres estão imersas e que as levam a perdoar vezes de mais os seus agressores. A emancipação é comparada por vezes à libertação de uma droga – algo que os próprios dificilmente conseguem fazer sozinhos. Carina Quaresma, da Direcção-Geral da Administração Interna, é outra estudiosa do fenómeno que defende o recurso a instituição de apoio às vítimas logo na fase inicial das agressões como forma de aumentar a auto-estima das mulheres e de alterar os seus comportamentos de risco.