Resgates de países europeus financiam operações de jihadistas em todo o mundo
Franceses e alemães são mais raptados do que norte-americanos ou britânicos, algo que só o negócio do resgate pode explicar.
Os primeiros raptos – de jornalistas, funcionários ou voluntários de ONG, turistas – aconteceram há demasiado tempo para a data ter importância. Relevante é que, nos últimos anos, percebendo o dinheiro em jogo, grupos associados à Al-Qaeda têm vindo a desistir de exigências impossíveis (a queda do Governo da Argélia, por exemplo) e optado por pedir resgates.
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Os primeiros raptos – de jornalistas, funcionários ou voluntários de ONG, turistas – aconteceram há demasiado tempo para a data ter importância. Relevante é que, nos últimos anos, percebendo o dinheiro em jogo, grupos associados à Al-Qaeda têm vindo a desistir de exigências impossíveis (a queda do Governo da Argélia, por exemplo) e optado por pedir resgates.
Só o negócio dos resgates pode explicar que nos últimos cinco anos um terço dos raptados por grupos que se reclamam jihadistas globais sejam franceses, 20% venham de países relativamente pequenos (Áustria ou Suíça) e apenas 5% (três) sejam norte-americanos, de acordo com a mesma investigação do Times.
O jornal entrevistou dezenas de ex-reféns, diplomatas e membros de governos ocidentais, assim como políticos de países africanos ou árabes que actuam como intermediários na troca. “É evidente que a Al-Qaeda os seleciona segundo a nacionalidade”, diz Jean-Paul Rouiller, director do Centro de Formação e Análise de Terrorismo, de Genebra. “Os reféns são um investimento e ninguém investe sem saber que vai lucrar.”
O jornalista James Foley podia ter mais valor político do que monetário para o ISIS (Estado Islâmico do Iraque e do Levante), que entretanto se faz chamar Estado Islâmico. Mas os sequestradores do repórter (ou quem o tinha – os raptores costumam ser subcontratados) também sabiam que as possibilidades de conseguirem dinheiro eram escassas.
“O sequestro para obter um resgate já é a principal fonte de financiamento do terrorismo. Cada transação promove outra”, avisava, em 2012, David S. Cohen, secretário adjunto do Departamento do Tesouro dos EUA. O negócio tem pouco mais de dez anos e os seus ganhos têm substituído os donativos de multimilionários, a fonte de rendimento da Al-Qaeda inicialmente criada pelo saudita Osama bin Laden e pelo egípcio Ayman al-Zawahiri em 1988, numa localidade paquistanesa junto à fronteira afegã.
Zawahiri é hoje o líder do que resta do grupo inicial – o mesmo que rejeitou o ISIS e declarou que eram outros os seus representantes na Síria. O que a investigação do Times mostra é que raptos no Iémen (Al-Qaeda na Península Arábica), no Mali (Al-Qaeda no Magrebe Islâmico) ou Somália (milícias Shabab) são importantes a ponto de serem coordenados a partir do Paquistão e realizados com o mesmo protocolo.
Segundo os EUA, foi a Alemanha que pagou o primeiro resgate, em 2003, no Mali (os valores costumam surgir nos orçamentos nacionais como ajuda ao desenvolvimento). “O perigo não é só alimentarem o movimento terrorista mas tornarem todos os nossos cidadãos vulneráveis”, disse ao jornal de Nova Iorque Vicki Huddleston, ex-secretária adjunta da Defesa para Assuntos Africanos (embaixadora no Mali em 2003).
Esta quarta-feira, os jornalistas franceses Didier François e Nicolas Hénin revelaram ter conhecido Foley no cativeiro sírio. François foi capturado com o norte-americano e com ele permaneceu até ser libertado, em Abril. Foley, dizem, tinha “tratamento especial” por causa da nacionalidade. Segundo a revista alemã Focus, a França pagou em Abril 13,5 milhões de euros por quatro jornalistas, incluindo François. Paris desmente.