Quatro detidos no encontro junto ao Vasco da Gama, em Lisboa, ouvidos em tribunal

Quatro jovens detidos e cinco polícias feridos em desacatos em Lisboa.

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Os jovens entraram no centro comercial Vasco da Gama, gerando confusão Reuters/Arquivo

Segundo a PSP, centenas de adolescentes estariam reunidos num encontro chamado meet, os ânimos ter-se-ão exaltado e a polícia interveio.

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Segundo a PSP, centenas de adolescentes estariam reunidos num encontro chamado meet, os ânimos ter-se-ão exaltado e a polícia interveio.

Uma pesquisa no Facebook permite perceber que em algumas das páginas dos organizadores e frequentadores desses encontros, há mensagens de protesto contra o racismo. Estes encontros chamam-se meets, palavra inglesa, e são organizados nas redes sociais.

De acordo com o que fonte do Comando Metropolitano de Lisboa (Cometlis) da PSP disse à Lusa, um grupo com cerca de 600 jovens ter-se-á começado a reunir, por volta das 16h30, no Parque das Nações – 400 ter-se-ão concentrado sob a pala do Pavilhão de Portugal e perto de 200 em frente ao centro comercial.

Algum tempo depois, os jovens que estavam junto ao centro comercial  – e ainda segundo a versão da PSP avançada à Lusa – terão começado a correr em várias direcções e a entrar para o estabelecimento, gerando o pânico nas pessoas. “A determinada altura foi feito um varrimento pela polícia que, com um dispositivo de perto de 40 efectivos, conseguiu afastar os jovens do interior do centro”, indicou a fonte do Cometlis.

Na sequência da actuação das forças policiais, quatro jovens foram detidos e cinco polícias sofreram ferimentos ligeiros. A situação normalizou às 21h00, acrescentou a mesma fonte.

A maioria dos jovens terá - segundo o que disse o comissário Rui Costa, da PSP, ao PÚBLICO - entre 16 e 18 anos. Haverá, no entanto, adolescentes mais novos e outros com 20 anos.

Os encontros (chamados meets) são convocados através do Facebook. Não é a primeira vez que se realizam e há mais agendados. Nas páginas dos criadores dos eventos, há referências a questões raciais.

Numa pesquisa no Facebook, a página deste meet de quarta-feira já não estará disponível. No entanto, há páginas de meets anteriores. Os criadores dos eventos têm, nas suas próprias páginas do Facebook (e não nas páginas dos meets), algumas mensagens de protesto contra o racismo. Um dos jovens que foi ao último encontro colocou um vídeo no Facebook acusando a polícia de racismo. Na publicação, pode ler-se: "Racismo.. Já senti constrangimento da parte de outras pessoas em interacções comigo, mas nunca racismo de maneira tão descarada. Ainda tenho um segundo vídeo (mas na parte da frente do Centro Vasco da Gama) em que um dos agentes vê que eu estou a gravar enquanto falo com o mesmo e literalmente tenta (porque não conseguiu) tirar-me o telefone. Questionei se ele achava que tinha direito para o fazer e virou costas...Ridículo..."

Diferentes versões
A PSP tem uma versão, os jovens terão outra. Na Internet, já se terão queixado de que a polícia não tratou de forma idêntica os jovens brancos e negros. O PÚBLICO tentou entrar em contacto com alguns destes jovens, mas ainda não obteve resposta. A PSP rejeita as acusações: “A polícia não faz distinções entre jovens brancos, negros nem amarelos. O objectivo é estabelecer a ordem”, garantiu o comissário Rui Costa ao PÚBLICO.

De acordo com este responsável, “não é a primeira vez” que este tipo de encontros acontece: “Mas é a primeira vez com estas repercussões.” Terá havido “um grande grau de desordem” que “não foi maior graças à intervenção da PSP”. Segundo relatou, a polícia ficou “atenta a partir do momento em que se começou a juntar um invulgar grupo de jovens” na zona. “Reforçámos o policiamento nas artérias [em volta]. Um fluxo invulgar de pessoas preocupa-nos, é uma atitude preventiva”, justifica.

Depois, muitos dos jovens terão dispersado e os que permaneceram terão, segundo o comissário, iniciado “a desordem”, correndo em direcção ao centro comercial. “Aí deixou de ser uma atitude preventiva e quisemos impedir que se instalasse o caos.” Para este comissário, o encontro não terá motivações políticas: “Não vi cartazes nem ouvi palavras de ordem.”

Os quatro detidos são duas raparigas que, segundo a PSP, terão feito um roubo e dois rapazes que, de acordo com a mesma fonte, terão agredido polícias. Estão a ser ouvidos em tribunal.

Uma vez que estão marcados outros encontros semelhantes, a PSP vai “analisar a frio” o que se passou e pondera definir “estratégias para que este tipo de desordem não ocorra”.

Lembram-se do “arrastão”?
Para já faltam dados. Luís Fernandes, psicólogo, especialista em comportamentos desviantes, questiona-se se haverá aqui algum efeito de mimetismo ou influência relacionado com o que se tem passado nos Estados Unidos, depois de um jovem de Ferguson ter sido morto a tiro pela polícia, o que deu origem a muitos protestos. Ressalva, antes de mais, que os adolescentes, “sejam brancos, negros ou mulatos precisam de visibilidade e de se afirmar e o meet pode ser apenas isso, uma manifestação de afirmação em que o pretexto pode ser a raça ou outra coisa qualquer”.

E prossegue: “Aparentemente é só um encontro, isso não tem que ser politizado, nós depois é o que o politizamos nas análises que se fazem. O racismo é uma coisa muito espontânea em que há um nós e um eles. Na base, o racismo não é político, é uma reacção de grupos contra grupos em que o factor é a cor da pele, mas podia igualmente ser uma forma de vestir.” Para o psicólogo, “se calhar, isso não é mais do que uma reunião de adolescentes em que há um factor de união e de identificação que é a cor da pele ou a origem”.

Luís Fernandes recorda, de resto, “o Verão de 2005, quando uma data de putos entrou pela praia de Carcavelos adentro e se falou logo em arrastão”. Quando se foi ver à lupa o que se tinha passado, “concluiu-se que não tinha havido arrastão nenhum”. E a própria PSP “‘matou’ em comunicado, um mês depois, o arrastão que ela própria disse que tinha havido”.

O poder da Internet
O psiquiatra Diogo Guerreiro, que trabalha temas ligados à adolescência, ressalva que não conhece os contornos do caso, mas admite que, num encontro entre 600 adolescentes, possa haver algum “contágio a nível social”. Isto é, se um ou dois começarem desacatos ou tiverem uma atitude agressiva, os outros, se forem “influenciáveis”, podem ir na “onda”. “Há adolescentes mais susceptíveis, a adolescência é uma fase em que é mais difícil controlar os impulsos.”

Para este psiquiatra, que é assistente na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, não há dúvida de que a Internet está a mudar — “já mudou” — a forma como os jovens convivem e “interagem”.

“Antigamente nas férias ligavam para casa uns dos outros para combinar irem à praia e, no máximo, reuniam 20 amigos. Hoje juntam-se centenas. Isto tem consequências que ainda não conseguimos explicar muito bem. Mas também não vamos diabolizar a Internet nem as redes sociais, porque também têm coisas positivas.”

O pediatra Mário Cordeiro põe o foco naquilo que acontece “sempre que um grupo se reúne, sobretudo de uma forma pouco organizada e aleatória”: há uma “perda de identidade individual” que leva a que as pessoas “aceitem mais facilmente comportamentos que, individualmente, não teriam”. O anonimato, a desresponsabilização individual pode levar à exteriorização “do que de pior há em nós, designadamente a provocação, o insulto, o desrespeito e a violência”.

“O anonimato e o sentido de grupo ‘desorganizado’ facilita muito comportamentos mais desestruturados, embora esteja em crer que, no meio das várias centenas que ‘acham graça’ ir a correr para uma manifestação qualquer (o que, já de si, é sinal de imaturidade e de passar um atestado de menoridade intelectual a si próprios), há pequenos grupos que sabem bem o que fazem e têm uma agenda muito bem definida... é isso que os jovens têm de pensar: se querem ser as cobaias e os fantoches de outros que nem sequer conhecem.”