O fim do milagre económico alemão?

A maior economia da Europa diminuiu inesperadamente no segundo trimestre. Governo procura formas de combater a crise no investimento.

Fotogaleria

O grande golpe ocorreu na quinta-feira, quando o Departamento Federal de Estatística revelou que o Produto Interno Bruto (PIB) tinha baixado 0,2% no segundo trimestre. "A euforia a que assistimos, a percepção de que a economia alemã está em expansão simplesmente não tem razão de ser" disse Marcel Fratzscher, director do instituto económico DIW em Berlim. Então por que é que a economia alemã ficou subitamente enferma? Os meios e comunicação social alemães atribuíram boa parte da culpa ao impasse com a Rússia acerca da Ucrânia. Mas esse conflito pode só afectar drasticamente a economia no terceiro trimestre. Só no mês passado é que a Europa atingiu Moscovo com sanções económicas, levando a uma resposta “olho por olho” por parte do presidente russo Vladimir Putin. Na realidade, economistas e alguns responsáveis governamentais reconhecem que há razões mais profundas para a recente reviravolta. E têm pouco a ver com o aumento das tensões geopolíticas na Europa de leste ou no Médio Oriente.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O grande golpe ocorreu na quinta-feira, quando o Departamento Federal de Estatística revelou que o Produto Interno Bruto (PIB) tinha baixado 0,2% no segundo trimestre. "A euforia a que assistimos, a percepção de que a economia alemã está em expansão simplesmente não tem razão de ser" disse Marcel Fratzscher, director do instituto económico DIW em Berlim. Então por que é que a economia alemã ficou subitamente enferma? Os meios e comunicação social alemães atribuíram boa parte da culpa ao impasse com a Rússia acerca da Ucrânia. Mas esse conflito pode só afectar drasticamente a economia no terceiro trimestre. Só no mês passado é que a Europa atingiu Moscovo com sanções económicas, levando a uma resposta “olho por olho” por parte do presidente russo Vladimir Putin. Na realidade, economistas e alguns responsáveis governamentais reconhecem que há razões mais profundas para a recente reviravolta. E têm pouco a ver com o aumento das tensões geopolíticas na Europa de leste ou no Médio Oriente.

Os problemas começam em casa, onde a saída repentina da chanceler Angela Merkel da energia nuclear, após o desastre de Fukushima no Japão e com a agressiva estratégia de investimento nas renováveis, intimidou a indústria alemã. Uma revisão recente da complexa lei das energias renováveis pouco fez para aliviar a incerteza em relação à política energética futura ou para atenuar os receios sobre a competitividade da energia alemã. "Em particular, as indústrias com uso intensivo de energia perderam a confiança no futuro da Alemanha como localização de empresas," disse Thomas Mayer, um antigo economista chefe do Deutsche Bank agora à frente do Instituto de Investigação Flossbach von Storch com sede em Colónia. "Penso que esta é uma questão importantíssima que vai ser um peso para a indústria alemã nos próximos anos."

Recuo na reforma
Piorando ainda mais a disposição das empresas tivemos um recuo nas reformas económicas que o predecessor de Merkel, Gerhard Schroeder, introduziu há uma década, e que muita gente acredita ter contribuído para a grande diminuição do desemprego na Alemanha e para uma melhoria no crescimento que começou em 2006 – ano em que a própria Alemanha acolheu (mas não conseguiu ganhar) o Campeonato do Mundo. Desde que subiu ao poder em Dezembro do ano passado que o governo alemão de coligação esquerda-direita tem vindo a implementar uma redução na idade da reforma para alguns trabalhadores e ganhou a aprovação do Parlamento para um salário mínimo nacional de 8,50 euros por hora.

O ponto seguinte da agenda é uma maior restrição no trabalho temporário. A reforma das pensões que permite aos trabalhadores com muitos anos de desconto aposentarem-se quatro anos antes, aos 63, arrisca-se a agravar a escassez de trabalhadores qualificados em alguns sectores da economia. A agência de rating Moody's já disse que isso abalou a sustentabilidade do sistema de pensões alemão.

O efeito inesperado destas políticas traduziu-se no desencorajamento das empresas em investir no país. O investimento empresarial em maquinaria e equipamento, por exemplo, atingiu a menor percentagem de sempre, 6,2% do PIB no ano passado, como salienta Elga Bartsch da Morgan Stanley. Isto apesar de uma forte dinâmica de procura interna, das baixas taxas de juro dos empréstimos e do sentimento de optimismo ainda presente.

O problema tem sido a descida acentuada do investimento público. Um estudo levado a cabo no mês passado pela Câmara do Comércio e Indústria (DIHK) disse que a Alemanha estava a sofrer uma quebra no investimento global que chegava aos 3% do PIB, ou 80 mil milhões de euros por ano. Nos cerca de 17% do PIB, os níveis de investimento total por ano na Alemanha estão abaixo dos de outros países industrializados, cuja média é de cerca de 21%. No país vizinho do Sul da Alemanha, a Áustria, por exemplo, o nível é de 27%. Apontando para estes números, o presidente da DIHK, Eric Schweitzer, compara o actual estado de espírito na Alemanha ao do Titanic: "Estão todos em festa e ninguém se apercebe da ameaça iminente do iceberg." Os responsáveis governamentais admitem também, em privado, a sua preocupação.

O ministro da Economia tem estado a estudar formas de combater o problema do investimento na Alemanha e o ministro Sigmar Gabriel convidou especialistas estrangeiros para discutir a questão mais para o final do mês. Depois de os sociais-democratas (SPD) terem conseguido fazer passar a legislação do salário mínimo e da idade da reforma, Gabriel esforça-se por mostrar à comunidade empresarial que está a ouvir. No início deste mês passou quase uma semana a visitar pequenas e médias empresas no leste da Alemanha. "Houve períodos, por exemplo no final da década de 1990, em que a Alemanha perdeu a sua vantagem económica", disse um responsável do governo que pediu anonimato dada a sensibilidade do debate sobre o crescimento. "Será que nos aproximamos de mais um desses períodos? Há quem esteja preocupado com essa possibilidade."

Rússia muda o jogo
A Alemanha continua a estar bem em comparação com parceiros europeus como a Itália, cuja economia contraiu também 0,2% no segundo trimestre, e com a Franç,a que admitiu no final da semana passada não conseguir cumprir os seus objectivos para este ano em relação ao défice, dada a estagnação da sua economia. Parte do enfraquecimento da Alemanha neste segundo trimestre pode ser explicada por efeitos meteorológicos: o inverno rigoroso levou as empresas de construção civil a um investimento bastante maior nos três meses do ano, o que se reflectiu no segundo trimestre. O desemprego alemão, com uma taxa de 6,7%, está quase tão baixo como na pós-unificação e os salários estão a aumentar, estimulando a procura que retirou à transacções comerciais o lugar de principal pilar do crescimento.

Ao contrário do que acontece noutros parceiros europeus, as finanças alemãs estão também em excelente forma. Dados revelados na quinta-feira mostraram que a dívida pública total – governos federal e estatal, autarquias locais e sistema de segurança social em conjunto - diminuiu no ano passado pela primeira vez depois da guerra. O orçamento do Governo para 2015 não inclui novas necessidades líquidas de financiamento pela primeira vez desde 1969. "Não parecemos estar à beira do precipício," disse Andreas Woergoetter, chefe do departamento económico da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), com sede em Paris.

No entanto, economistas como, por exemplo, Fratzscher da DIW, crêem que a economia vai continuar a contrair no terceiro trimestre colocando a Alemanha em recessão, e aumentando as preocupações sobre uma recuperação europeia mais alargada. Woergoetter diz que seria loucura menosprezar o impacto a longo prazo do conflito com a Rússia que acredita poder ser muito maior do que os laços comerciais bilaterais – a Rússia apenas constitui 3% do total de exportações alemãs - poderiam fazer pensar. "Seja o que for que advenha desta crise há uma alteração das regras do jogo porque a cooperação económica entre a Alemanha e a Rússia ficou gravemente prejudicada," disse. "A Rússia era um mercado extremamente lucrativo. Era uma oportunidade de investimento insubstituível e neste momento os planos estratégicos de muitas empresas terão de ser repensados. Também isso vai contribuir para a incerteza na Alemanha".

PÚBLICO/Reuters