Tratamento experimental para o ébola é fabricado em planta do tabaco
Ainda é cedo para dizer se o fármaco à base de anticorpos humanos, usado excepcionalmente em seis doentes, é eficaz a eliminar o vírus do corpo. Mas o seu uso veio divulgar como as plantas podem servir comno fábricas de novos medicamentos.
Além da Mapp Pharmaceutical, a empresa alemã Icon Genetics, a canadiana PlantForm ou a norte-americana IBio estão a trabalhar na produção de anticorpos humanos, proteínas para medicamentos e vacinas, utilizando plantas de crescimento rápido. A estes anticorpos fabricados em plantas chamou-se “planticorpos”, ou plantibodies, termo inglês inventado pela comunidade científica.
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Além da Mapp Pharmaceutical, a empresa alemã Icon Genetics, a canadiana PlantForm ou a norte-americana IBio estão a trabalhar na produção de anticorpos humanos, proteínas para medicamentos e vacinas, utilizando plantas de crescimento rápido. A estes anticorpos fabricados em plantas chamou-se “planticorpos”, ou plantibodies, termo inglês inventado pela comunidade científica.
Os anticorpos são moléculas produzidas pelo sistema imunitário em resposta a um invasor específico, para bloquear o caminho dessa presença que o organismo considera como estranha e que pode ser potencialmente perigosa. No mercado norte-americano, existem cerca de 30 fármacos baseados em anticorpos humanos – incluindo o Avastin e o Rituxan, dois sucessos de vendas da Roche Holding AG. Todos esses anticorpos são produzidos por células de mamíferos, frequentemente de hamsters, cultivadas em grandes cubas de aço inoxidável.
“A tecnologia actualmente em uso está muito bem implantada e é extremamente eficiente. As grandes empresas fizeram esses investimentos e adoptaram esses sistemas”, comenta Michael Kamarck, um consultor em biotecnologia e antigo responsável da Merck, referindo-se ao cultivo de células de mamíferos. “Mas para uma pequena empresa de biotecnologia que tenha uma grande ideia pode fazer sentido utilizar a planta do tabaco para produzir rapidamente anticorpos destinados a testes.”
Até agora, o único fármaco bem-sucedido derivado de plantas foi desenvolvido pela empresa israelita Protalix Biotherapeutics e comercializado pela Pfizer. Aprovado nos Estados Unidos para uma doença genética rara, o Elelyso é uma enzima produzida por cenouras geneticamente modificadas. Só que as células de cenoura não são produzidas nas cenouras: reproduzem-se em sacos de plástico descartáveis.
Depois de terem gasto centenas de milhões de dólares nas linhas de produção actuais, as grandes empresas farmacêuticas ainda não abraçaram a nova técnica. Os peritos dizem que os grandes fabricantes de medicamentos precisam de provas de que o processo pode vir a ter a aprovação das autoridades de regulação, que até ao momento ainda não autorizaram nenhum fármaco biotecnológico completamente produzido em plantas. “Penso que esse interesse irá surgir”, considera Victor Klimyuk, director de operações da Icon Genetics. “As grandes empresas farmacêuticas costumam ser muito conservadoras nos seus investimentos.”
Em 2010, a Bayer AG juntou-se à Icon Genetics para lançar um ensaio em seres humanos, em fase inicial, de uma vacina contra o cancro produzida na planta do tabaco. Mas a Bayer abandonou entretanto esse projecto; e recusou-se agora comentar essa decisão. Segundo Victor Klimyuk, a Icon Genetics está à procura de um parceiro para avançar para outros ensaios clínicos da vacina. “A nossa tecnologia pode complementar as técnicas de fabrico padronizadas”, diz. “Pode funcionar melhor quando é necessário produzir vacinas de forma rápida ou flexível durante uma epidemia.”
A Pfizer, por email, respondeu que não estava centrada na produção de fármacos em plantas. A Gilead Sciences e a Amgen, duas das maiores empresas de biotecnologia a nível mundial em termos de receitas, disseram não ter informação sobre o assunto. A Genentech, o braço biotecnológico da Roche, disse que não fabrica proteínas a partir de plantas.
“O desenvolvimento de novos fármacos é um negócio muito caro e arriscado”, comenta Qiang Chen, da Universidade Estadual do Arizona, nos EUA, que estuda o uso de anticorpos fabricados em plantas para combater o vírus do Nilo Ocidental.
ZMapp desde o início do ano
Mas quem está envolvido no fabrico de anticorpos humanos em plantas diz que o seu trabalho já percorreu um longo caminho em direcção a uma produção viável. “Há 15 anos, várias empresas procuravam fazê-lo, mas nenhuma foi particularmente bem-sucedida”, conta Don Stewart, presidente executivo da PlantForm. “As culturas não eram assim tão impressionantes e o tempo de desenvolvimento era muito longo.”
Don Stewart estima agora que o custo de produção de algumas proteínas para medicamentos utilizando as plantas será 1/10 do custo da biotecnologia convencional. Isso poderá ajudar países pobres como a Libéria, entre os mais atingidos pelo actual surto do vírus do ébola, bem como países desenvolvidos onde os custos do sistema de saúde estão a ultrapassar o ritmo do crescimento económico. “Pode ter uma aplicação vasta”, considera. “O custo dos medicamentos é um fardo pesado para os sistemas de saúde do mundo desenvolvido, particularmente os medicamentos para oncologia e doenças crónicas.”
Foi com o surto do ébola na Libéria que o medicamento experimental da Mapp Pharmaceutical, o ZMapp, acabou por ser dado excepcionalmente aos seis doentes. O ZMapp é um cocktail de anticorpos humanos, cuja combinação só foi identificada em Janeiro deste ano, segundo a empresa. Por isso, a sua eficácia só foi testada em macacos e não se sabe ainda como funciona.
Ora os anticorpos do ZMapp são produzidos por uma planta do tabaco – a Nicotiana benthamiana, que é capaz de fabricar moléculas estranhas à própria planta. Para tal, a Mapp Pharmaceutical diz que estabeleceu duas parcerias importantes: com a Icon Genetics, que modificou geneticamente a planta do tabaco de forma a produzir medicamentos, e com a fábrica Kentucky BioProcessing, do fabricante de cigarros Reynolds American, onde as plantas transgénicas com os três anticorpos estão a ser cultivadas.
O processo envolve a introdução na planta do tabaco dos genes que comandam o fabrico dos anticorpos, que são sintetizados no interior das folhas. Ao fim de várias semanas de crescimento, as folhas são colhidas e moídas para extrair os anticorpos. Por ser um trabalho recente e pelo tempo que demora a produzir as plantas suficientes, poucas doses do ZMapp tinham sido fabricadas quando se decidiu aplicá-las em seres humanos.
“É importante referir que o uso de emergência de um medicamento experimental é altamente invulgar”, diz a empresa no seu “site”, acrescentando que o processo iniciou uma discussão sobre as implicações éticas e médicas do uso deste tipo de tratamentos. Já após o uso em três dos seis doentes, a Organização Mundial da Saúde considerou que na luta contra o ébola o uso de tratamentos e vacinas experimentais era ético.
Entre os riscos eventuais do uso de anticorpos humanos vindos de plantas está a presença de compostos alergénicos ou tóxicos, além de ser preciso garantir que estes vegetais transgénicos não se propaguem para fora dos laboratórios.
Com PÚBLICO