A romaria

Sim, existe outro mundo, um mais tradicional, mais fechado sobre si mesmo, ou seja, o das romarias

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Kyller Costa Gorgônio/ Flickr

Nem tudo no Verão se resume a festivais. Sim, existe outro mundo, um mais tradicional, mais fechado sobre si mesmo, ou seja, o das romarias, cujo enlace vai desde a atmosfera popular — vista com espanto pelos citadinos que, a certa altura, se acham sempre especiais, quase numa espécie de superioridade civilizacional “simpática” —, das barraquinhas dos churros e das farturas, da roupa a dois euros, dos brinquedos, dos balões que esvoaçam e acabam sempre por embater nas nossas tolas, das conquistas de adolescentes pelos olhares, das famílias locais, dos tapetes, das bandas que animam os finais das noites (normalmente com nomes que se destacam) e, como cereja no topo do bolo, do “fogo”.

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Nem tudo no Verão se resume a festivais. Sim, existe outro mundo, um mais tradicional, mais fechado sobre si mesmo, ou seja, o das romarias, cujo enlace vai desde a atmosfera popular — vista com espanto pelos citadinos que, a certa altura, se acham sempre especiais, quase numa espécie de superioridade civilizacional “simpática” —, das barraquinhas dos churros e das farturas, da roupa a dois euros, dos brinquedos, dos balões que esvoaçam e acabam sempre por embater nas nossas tolas, das conquistas de adolescentes pelos olhares, das famílias locais, dos tapetes, das bandas que animam os finais das noites (normalmente com nomes que se destacam) e, como cereja no topo do bolo, do “fogo”.

A romaria é uma festa religiosa em que todos podem ter contacto em variadas localidades, com diferentes santos e divindades à cabeça, porém a que o cronista vivenciou foi em Angeiras, em Lavra, no concelho de Matosinhos. O dia de procissão, num Domingo (junta o útil ao agradável), começa sobre o olhar atento de Nossa Senhora de Fátima e, como consequência, não será de estranhar que, desde muito cedo e religiosamente, os locais preparem os tapetes para serem calcados, recalcados, re-recalcados, amachucados, pelos intervenientes da procissão.

A questão dos tapetes tem a sua complexidade social. Os mais conservadores fazem os seus tapetes com folhas de cedro, pétalas de belas flores, usando, inclusive, os moldes mais antigos. Os “meio-inovadores/meio-conservadores” usam o serrim colorido ou o sal, com desenhos mais alegóricos ao mar e à vinha, deslocando-se, assim, da temática dita mais religiosa. Por fim, neste processo de artífice, existem os mais ousados — o vizinho do tapete conservador talvez vá dizer desleixado ou preguiçoso, ou então talvez nada disto — que usam bocados de trapos. Diga-se que a qualidade é garantida, porém a autenticidade talvez seja, passe a redundância, menos autêntica.

A procissão passa e também no seu desenrolar há processos. No início, como num ciclo orgânico, estão as crianças, algumas felizes, outras contrariadas (pois queriam ver “Disney Channel” e os papás obrigaram-nas a cumprir o seu papel). No fim, estão as devotas, descalças, vestidas de Nossa Senhora. Também aqui há um papel a cumprir, a de mais sofredora. No fim dos fins, está o padre, também ousado, que dita a missa pelo microfone ligado a um moderno sistema tecnológico. O acólito, como bom cumpridor, segura nesse aparelho com orgulho, de cabeça bem levantada para os demais. Ele é um cumpridor.

No que concerne aos observadores, bom, também aqui há regras, na medida em que é impensável que alguém se ponha à frente de quem foi guardar o seu lugar mais cedo. Por sua vez, Já perto do areal da praia, ai de quem salte sobre os tapetes para chegar mais perto sobre os barcos, decorados, com os pescadores (que esperam a bênção). Esta gracinha pode custar uma represália, um comentário desagradável ou um sorriso cínico.

Em conclusão, neste meio não se fala do banco mau ou do banco bom, nem dos Costas, nem dos Seguros, nem do Banco de Portugal. Aqui vive-se cada segundo, com regras é verdade, no entanto com outra intensidade. Na verdade, isto não é de todos, é só de alguns, e mesmo de alguns só de alguns será. No céu, rebentam os foguetes.