A matemática do Irão
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A Fields não distingue um grande matemático mas aquele que faz uma “descoberta excepcional”. A Fields não se ganha com técnica mas com inventividade, diz o francês Cédric Villani, premiado em 2010. Mas sem técnica, não se vai a lado nenhum. “A imaginação e o rigor são duas das três qualidades essenciais de um matemático. A terceira é a tenacidade.” De resto, como os poetas, os matemáticos dizem-se sujeitos a “iluminações”.
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A Fields não distingue um grande matemático mas aquele que faz uma “descoberta excepcional”. A Fields não se ganha com técnica mas com inventividade, diz o francês Cédric Villani, premiado em 2010. Mas sem técnica, não se vai a lado nenhum. “A imaginação e o rigor são duas das três qualidades essenciais de um matemático. A terceira é a tenacidade.” De resto, como os poetas, os matemáticos dizem-se sujeitos a “iluminações”.
Todas estas marcas estão patentes em Maryam, cuja genialidade e originalidade são reconhecidas pela comunidade matemática. Por trás de cada descoberta há um percurso e é este o que aqui interessa focar.
O ayatollah e as mulheres
Veio do Irão. Fez o doutoramento em Harvard, ensinou em Princeton e mudou para Stanford, onde vive com o marido e a filha de três anos. Observou numa entrevista: “Gostaria de dizer que o sistema de educação iraniano não é o que as pessoas aqui podem imaginar. Quando estive em Harvard, tinha de explicar incessantemente que, enquanto mulher, tinha o direito de frequentar a universidade.”
Afirma Nasin Azadi, colaborador do Libération em Teerão: “Ela é um puro produto do sistema educativo iraniano. (...) Foi educada no Liceu Farzanegan de Teerão, que depende da ‘Organização para o desenvolvimento dos talentos brilhantes’, cujo objectivo é descobrir alunos sobredotados ou, pelo menos, os melhores através de concursos nacionais.”
Os escolhidos fazem os seus estudos em estabelecimentos específicos com programas muito mais exigentes. Maryam frequentou depois a Universidade Sharif de Teerão, onde só entra uma ínfima minoria dos candidatos num concurso ultra-exigente e onde a qualidade do ensino é muito elevada.
Para estimular os estudantes o Irão promove competições entre universidades. Em 1985, aderiu às Olimpíadas Internacionais de Matemática, para jovens. Foi aí que Maryam anunciou o seu talento: medalha de ouro em 1994 e 1995. Em 1998, o Irão foi o primeiro classificado, batendo os Estados Unidos.
O sistema de ensino combina duas vertentes, o ensino de massas e o ensino de elite. Tal como combina escola pública com escola privada. Foi a resposta a duas necessidades diferentes: a democratização do ensino e a formação de quadros de alta qualificação.
Depois da Revolução Islâmica de 1979, o ayatollah Khomeini ordenou a “islamização do ensino”. Não se tratava de um mero regresso ao passado mas da tentativa de combinar o ensino religioso com o ensino científico moderno — mas sem “as perversões da cultura ocidental”. Milhares de professores foram demitidos e os programas reescritos. E houve uma medida ideológica de grande impacto: a abolição do ensino misto nos níveis secundário e médio.
Qual foi o efeito? Alargar exponencialmente a entrada das mulheres no ensino. As famílias conservadoras passaram a deixar as filhas fazer cursos. Em 1978, as mulheres representavam 37% da população do secundário e 29% da universitária. Em 2004, elas representavam 57% da universidade e uma taxa mais alta nos ramos científicos.
Prevê-se que dentro de dois ou três anos, as mulheres obtenham 70% dos diplomas universitários. Elas dão-se bem com os concursos e com a competição. Que transformações sociais, económicas e de mentalidade anuncia isto? Os ultraconservadores reagiram e, na era de Ahmadinejad, quiseram impor quotas máximas para as mulheres e reservar aos homens o acesso a muitos cursos. Várias universidades o fizeram. Permanece a disputa sobre as turmas mistas. Não há uniformidade.
As autoridades gostam que os seus “génios” façam o doutoramento nas mais prestigiadas universidades ocidentais — caso de Maryam, que foi para Harvard trabalhar sob orientação de Curtis McMullen, um Fields Medal. Aceitam que eles aí fiquem a ensinar, na expectativa de que, mais tarde, voltem ao Irão. Muitos bolseiros assinam contratos de regresso. Hoje, 76% dos seus “matemáticos olímpicos” ensinam nos EUA ou na Grã-Bretanha. Teerão está agora a braços com um brain drain: segundo o Banco Mundial, entre 2009 e 2013, 300 mil jovens iranianos decidiram ir trabalhar para o estrangeiro.
Sem resolver o conflito do nuclear e pôr fim às sanções, o Presidente Hassan Rouhani terá dificuldade em inverter o movimento e em tirar partido das elites que o país forma. É o círculo vicioso em que o regime se encontra encerrado.
A mais rentável ciência
Porquê o relevo dado à matemática que levou, por exemplo, a espalhar pelo país “casas da matemática” para elevar a formação dos estudantes e professores?
Por um lado, a República Islâmica queria demonstrar as suas capacidades científicas à escala internacional. Por outro, as matemáticas não são uma disciplina entre outras. “Mudam o mundo”, escreve o investigador francês Idriss Aberkane. “Se são fontes de beleza e deslumbramento, são mais prosaicamente uma excepcional fonte de desenvolvimento económico. Sem experiências nem materiais dispendiosos, utilizando o espírito, um papel e um lápis, o matemático muda silenciosamente o mundo e gera acessoriamente milhões de milhões de dólares em valor económico in futurum.”
O Irão recebeu o prémio do seu investimento. E Maryam Mirzakhani devolveu com dividendos a dívida para com o Irão, que ela faz sempre questão em sublinhar.
Rouhani escreveu-lhe na quarta-feira. “Hoje, os iranianos podem sentir-se orgulhosos de que a primeira mulher que jamais ganhou a Medalha Fields seja sua compatriota. Sim! O mais competente deve ocupar a mais alta posição e deve ser o mais respeitado. Todos os iranianos, onde quer que estejam no mundo, são valores da nossa terra, e eu, como representante da nação iraniana, louvo as suas realizações científicas. Espero que a sua vida seja sempre plena de felicidade e sucesso.”
Maryam quebrou uma barreira histórica.