Por que os muitos ricos não estão a dar as suas fortunas aos filhos
A geração dos baby boomers está a mudar os critérios de atribuição das heranças, sobretudo das grandes heranças nos EUA. Filhos e netos são desafiados a abdicar das gigantescas fortunas.
Sting revelou recentemente que a maioria dos seus 300 milhões de dólares não vai para os seus seis filhos adultos. “Não quero deixar-lhes uma herança que seja uma prisão na vida deles”, disse o músico ao Daily Mail em Junho. “Têm de trabalhar. Todos os meus filhos sabem isso e raramente me pedem o que seja, o que eu, de facto, respeito e aprecio”.
Philip Seymour Hoffman, que morreu de uma overdose de heroína em Fevereiro, deixou directivas específicas no seu testamento, que foi divulgado este mês: o seu filho deve crescer numa grande cidade americana e “ser exposto à cultura, artes e arquitectura” que tiver à sua volta.
O testamento foi feito antes de nascerem os seus dois filhos mais novos, mas o actor não quis deliberadamente dar-lhes os seus 35 milhões de dólares por não querer que se tornassem “herdeiros de fortunas”. (Eles ficam bem; todo o património imobiliário foi para a mãe dos seus filhos, companheira de longa data.)
A questão à volta dos “ricos herdeiros” – que os anglo-saxónicos chamam trustafarians, referindo-se à ‘tribo’ de meninos ricos mimados com mais dinheiro do que juízo – é que não farão escolhas inteligentes, não viverão de forma saudável nem terão vidas produtivas se tiverem acesso sem restrições a uma grande herança. A celebridade Nigela Lawson declarou que não tem qualquer intenção de deixar uma grande fortuna aos seus herdeiros: “Estou determinada a que os meus filhos não tenham segurança financeira. Não precisar de ganhar dinheiro arruina as pessoas”.
Este é um assunto com o qual as famílias ricas há muito se debatem. Mas o drama está a acontecer em particular com milhões de herdeiros da geração nascida logo a seguir ao fim da II Guerra Mundial e conhecida por baby boomers. Os herdeiros de hoje estão a ser desafiados a abdicar de 30 biliões de dólares nos próximos 30 anos – a maior transferência de riqueza na história dos EUA, de acordo com a consultora Accenture. O que costumava ser no passado um assunto privado de família tornou-se uma discussão pública sobre riqueza, privilégios e responsabilidade pessoal. Quem fica com a fortuna? Devem ser os herdeiros? Ou ficam melhor sem ela?
Bill e Melinda Gates deixam a cada um dos seus três filhos 10 milhões de dólares: uns trocos comparados com a fortuna de 76 mil milhões de dólares acumulada pelos dois.
A cada um dos três filhos, Buffett deu uma fundação com dois mil milhões de dólares. E o resto do dinheiro vai para beneficiência, tal como acontece com Gates e outros tantos bilionários que se comprometeram a empregar as suas fortunas em acções que tornem o mundo melhor.
Segundo Buffett, na sua frase famosa, o montante ideal de riqueza para deixar aos filhos é “o dinheiro suficiente para os fazer sentir que podem fazer qualquer coisa e não o suficiente que dê para sentirem que podem fazer nada”.
O assunto mais discutido
“Provavelmente este é o assunto que mais discutimos”, diz um americano que se tornou multimilionário. O homem de negócios e a sua mulher, que têm hoje centenas de milhões de dólares, cresceram em famílias modestas da classe média e queriam ter um plano financeiro que cuidasse dos filhos – mas não os estragasse –, caso o casal morresse subitamente.
“Sentíamo-nos horrorizados com o que pudesse acontecer se eles passassem a controlar uma grande quantidade de dinheiro, ainda jovens”, diz. “Quanto mais pensávamos nisso, mais nos sentíamos desconfortáveis”.
Inspirados pelo exemplo de Buffett, criaram um fundo testamentário (trust fund) para cada um dos seus filhos, hoje estudantes universitários. Cada um tem 2,5 milhões de dólares controlados por gestores nomeados. Podem usar o dinheiro apenas em educação, em saúde, na compra de uma casa ou para se lançarem num negócio. O dinheiro não gasto continuará a ser investido e a crescer.
As condições manter-se-ão até que cada um dos miúdos atinja os 40 anos; depois disso, o dinheiro é inteiramente deles e poderão fazer com ele o que quiserem. Enquanto andarem pelos 20 e os 30 anos, os fundos ajudam-nos a lançarem-se na vida; aos 40, os pais assumem que estarão suficientemente maduros para usarem a fortuna de forma sensata e que cuidarão dela como rede de segurança.
O resto da fortuna multimilionária vai para uma fundação, a qual acabará por ser administrada pelos filhos – e terá de ser exclusivamente usada para fins filantrópicos. Os filhos estão a par da divisão de fortunas e dos planos.
“Eles estão realmente entusiasmados com isso”, diz o pai. “Querem viver por eles próprios”. Uma grande herança, acredita, pode ser uma armadilha na vida de filhos de pais ricos. “Não quero que um dia olhem ao espelho e perguntem ‘quem sou eu?’”
Jamie Johnson passou a sua vida à volta de gente muito, muito rica. Em 2000, quando fez 21 anos, o herdeiro da Johnson & Johnson recebeu um grande montante de dinheiro – as estimativas apontam para 600 milhões de dólares - de um fundo de herança testamentária. Cada um dos seus cinco irmãos recebeu uma quantia semelhante, sem restrições de uso. O seu documentário de 2003 Nascido Rico era um estudo sobre o dinheiro da sua família e outros amigos super-ricos.
“Quando gente imensamente rica diz ‘não vou deixar nada aos meus filhos’ não é verdade”, afirma. Mesmo quando as crianças não têm acesso imediato ao dinheiro, elas andam nas melhores escolas, vivem nas melhores casas e têm os melhores contactos e oportunidades. “Apenas as famílias ricas podem fazer isto. Estas são todas formas diferentes de transferir riqueza e influência”.
Se ter assim tanto dinheiro é bom ou mau para as crianças herdeiras de grandes fortunas, isso depende da forma como as famílias as preparam, depende das suas personalidades e de como conseguem lidar com a pressão de uma grande riqueza e o medo de serem deserdadas. Por cada ‘estrela’ de festas como Paris Hilton, há uma Ivanka Trump, que se licenciou em Wharton e tem apostado o dinheiro da família numa carreira próspera. Johnson usou a sua herança para se lançar numa carreira de realizador de cinema e para viver, considerando todas as coisas, uma vida relativamente normal em Nova Iorque. “No meu caso, acabou por se tornar num grande benefício”, declara.
Às vezes, os pais ricos impõem condições bem exigentes ao comportamento dos seus filhos e ameaçam-nos com a "des-herança". Tori Spelling – que deve muito ao seu papel de Donna Martin na série televisiva dos anos 1990, Beverly Hills 90210 – terá herdado, por morte do pai, apenas 800 mil dólares de uma fortuna avaliada em 600 milhões de dólares. As tensões sobre dinheiro têm sido constantes entre a actriz e a sua mãe, que controla os bens. Numa entrevista ao New York Times este ano, Candy Spelling explicou que a sua filha “iria fechar uma loja e deitar à rua 50 mil a 60 mil dólares. Nunca fiz nada disso. Está maluca”.
A maioria dos pais quer proteger os seus filhos dos excessos sombrios do dinheiro – drogas, tribunais, parasitas, inseguranças – e preservar a fortuna da família para as gerações futuras. Isso normalmente não funciona: a primeira geração faz o dinheiro, a segunda gasta a maior parte dele e a terceira estoira com o resto. Um velho ditado americano diz em tradução literal que é “de mangas de camisa a mangas de camisa em três gerações” (Shirt sleeves to shirt sleeves in three generations). Em português, seria próximo do “quem não tem arranja, quem tem esbanja”.
Veja-se, por exemplo, os Vanderbilts. Quando morreu em 1925, Reginald Vanderbilt tinha estoirado mais de sete milhões de dólares (94 milhões aos preços actuais) da riqueza que o avô tinha conquistado nos caminhos-de-ferro e no transporte marítimo. Mas restava ainda um fundo testamentário de cinco milhões de dólares para as suas duas filhas pequenas. Uma delas era Galoria Vanderbilt que fez a sua própria fortuna de 200 milhões de dólares em design e decoração.
Gloria tinha dito ao seu filho, Anderson Cooper, que não receberia dela nem um cêntimo. “A minha mãe deixou muito claro que não haveria herança”, declarou na Primavera passada a Howard Stern, estrela da rádio e televisão nos EUA. Anderson está bem assim: dinheiro não ganho, diz, é uma maldição. “Quem é o herdeiro que depois de ter recebido um monte de dinheiro fez alguma coisa da sua própria vida?”, perguntava a Stern, que ganha 11 milhões de dólares por ano. “Se desde miúdo tivesse sentido que tinha um pote de dinheiro à minha espera, não sei se teria sido uma pessoa tão motivada”.
O que fazer?
Tradicionalmente, os ricos davam todo o seu dinheiro aos filhos e netos, esperando o melhor para eles. Mas a geração de baby boomers, sublinha o director da Accenture Bob Gach, tem mais anos de vida e esforça-se por equilibrar as suas necessidades pessoais de reforma com os seus interesses de beneficiência e com o bem-estar dos seus herdeiros.
“Há uma confluência interessante de demografia, longevidade e acumulação de activos”, explica Gach. Com uma carreira de sucesso, o próprio Gach pretende deixar uma parte da sua fortuna ao filho de 20 anos, outra parte à alma mater e outra parte às suas causas favoritas. “Quero que o meu filho tenha o benefício disso, mas não sinto que tenha de lhe deixar todo o dinheiro”.
Em 2012, a Accenture divulgou um relatório sobre os 12 biliões de dólares que os baby boomers estão a receber actualmente dos seus pais e os cerca de 30 biliões de dólares que deixarão aos seus herdeiros e a instituições. Este grupo, claro, é o dos sortudos – saíram incólumes da recessão, continuam a trabalhar ou aposentaram-se com economias substanciais.
Os boomers são diferentes das outras gerações: mais propensos a dar dinheiro enquanto estão vivos, mais preocupados em que os seus filhos adultos consigam e mantenham os seus empregos. Os activos em excesso vão geralmente para fundos com benefícios fiscais, e podem ser liberais ou restritivos.
“Algumas pessoas dizem ‘trabalhei muito para ganhar este dinheiro e não quero que o meu filho o use para viver numa ilha das Caraíbas – quero que seja uma rede de segurança’”, diz Nancy Fax, uma especialista em fundos e imobiliário, de Behesda, no estado de Maryland. “E algumas pessoas dizem ‘não quero estar a controlar depois de morto’. Mas há realmente boas razões para deixar um legado de forma consciente – formas que promovam a produtividade e estilos de vida saudáveis”.
Muitos fundos testamentários estão estruturados para distribuir as heranças em determinadas idades. Uma prática comum é dar um terço da fortuna aos 25, outro terço aos 30 e o resto aos 35. Algumas heranças são configuradas como “fundos de incentivo”, com condições que requerem que o herdeiro tire um curso universitário, se case ou tenha um emprego durante um determinado número de anos antes de o dinheiro ser desbloqueado. Fax não gosta de nenhuma das soluções: o futuro é difícil de prever e os fundos de incentivo estão cheios de brechas. “Isso é controlo e muito, muito difícil de definir”.
Outra questão: muitas pessoas não gostam de falar de dinheiro porque não querem que os seus filhos saibam quanto é que eles na verdade valem ou quanto podem herdar. Apesar de os filhos adultos nos Estados Unidos não terem direitos legais sobre o dinheiro dos pais, é raro que fiquem sem nada. Mas também não significa que fiquem com tudo.
Fax tem um cliente que “ama muito os seus filhos e está activamente à procura de maneiras para deixar o seu dinheiro para beneficiência”, diz. O empresário, que enriqueceu com o seu trabalho, deu aos filhos uma grande educação, dinheiro e uma parte do negócio. “Ele sente-se abençoado e sente que os seus filhos são abençoados. E acredita que o dinheiro a mais devia ir para boas obras”.
É do género de Bill Gates. O homem mais rico do mundo não divulgará a quantia exacta que cada um dos seus três filhos vai receber, mas disse ao jornal Daily Mail em 2011 que será “uma minúscula porção da [sua] riqueza”. Eles terão uma educação “incrível”, cuidados de saúde e estima-se que 10 milhões de dólares de património, o que os coloca seguramente nos um por cento mais ricos – mas não chega nem de perto nem de longe aos biliões que os pais conseguiram.
Para isso, vão ter de encontrar o seu próprio império global, disse Gates: “Vão ter de escolher um emprego que gostem e ir trabalhar”.
Exclusivo The Washington Post
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Sting revelou recentemente que a maioria dos seus 300 milhões de dólares não vai para os seus seis filhos adultos. “Não quero deixar-lhes uma herança que seja uma prisão na vida deles”, disse o músico ao Daily Mail em Junho. “Têm de trabalhar. Todos os meus filhos sabem isso e raramente me pedem o que seja, o que eu, de facto, respeito e aprecio”.
Philip Seymour Hoffman, que morreu de uma overdose de heroína em Fevereiro, deixou directivas específicas no seu testamento, que foi divulgado este mês: o seu filho deve crescer numa grande cidade americana e “ser exposto à cultura, artes e arquitectura” que tiver à sua volta.
O testamento foi feito antes de nascerem os seus dois filhos mais novos, mas o actor não quis deliberadamente dar-lhes os seus 35 milhões de dólares por não querer que se tornassem “herdeiros de fortunas”. (Eles ficam bem; todo o património imobiliário foi para a mãe dos seus filhos, companheira de longa data.)
A questão à volta dos “ricos herdeiros” – que os anglo-saxónicos chamam trustafarians, referindo-se à ‘tribo’ de meninos ricos mimados com mais dinheiro do que juízo – é que não farão escolhas inteligentes, não viverão de forma saudável nem terão vidas produtivas se tiverem acesso sem restrições a uma grande herança. A celebridade Nigela Lawson declarou que não tem qualquer intenção de deixar uma grande fortuna aos seus herdeiros: “Estou determinada a que os meus filhos não tenham segurança financeira. Não precisar de ganhar dinheiro arruina as pessoas”.
Este é um assunto com o qual as famílias ricas há muito se debatem. Mas o drama está a acontecer em particular com milhões de herdeiros da geração nascida logo a seguir ao fim da II Guerra Mundial e conhecida por baby boomers. Os herdeiros de hoje estão a ser desafiados a abdicar de 30 biliões de dólares nos próximos 30 anos – a maior transferência de riqueza na história dos EUA, de acordo com a consultora Accenture. O que costumava ser no passado um assunto privado de família tornou-se uma discussão pública sobre riqueza, privilégios e responsabilidade pessoal. Quem fica com a fortuna? Devem ser os herdeiros? Ou ficam melhor sem ela?
Bill e Melinda Gates deixam a cada um dos seus três filhos 10 milhões de dólares: uns trocos comparados com a fortuna de 76 mil milhões de dólares acumulada pelos dois.
A cada um dos três filhos, Buffett deu uma fundação com dois mil milhões de dólares. E o resto do dinheiro vai para beneficiência, tal como acontece com Gates e outros tantos bilionários que se comprometeram a empregar as suas fortunas em acções que tornem o mundo melhor.
Segundo Buffett, na sua frase famosa, o montante ideal de riqueza para deixar aos filhos é “o dinheiro suficiente para os fazer sentir que podem fazer qualquer coisa e não o suficiente que dê para sentirem que podem fazer nada”.
O assunto mais discutido
“Provavelmente este é o assunto que mais discutimos”, diz um americano que se tornou multimilionário. O homem de negócios e a sua mulher, que têm hoje centenas de milhões de dólares, cresceram em famílias modestas da classe média e queriam ter um plano financeiro que cuidasse dos filhos – mas não os estragasse –, caso o casal morresse subitamente.
“Sentíamo-nos horrorizados com o que pudesse acontecer se eles passassem a controlar uma grande quantidade de dinheiro, ainda jovens”, diz. “Quanto mais pensávamos nisso, mais nos sentíamos desconfortáveis”.
Inspirados pelo exemplo de Buffett, criaram um fundo testamentário (trust fund) para cada um dos seus filhos, hoje estudantes universitários. Cada um tem 2,5 milhões de dólares controlados por gestores nomeados. Podem usar o dinheiro apenas em educação, em saúde, na compra de uma casa ou para se lançarem num negócio. O dinheiro não gasto continuará a ser investido e a crescer.
As condições manter-se-ão até que cada um dos miúdos atinja os 40 anos; depois disso, o dinheiro é inteiramente deles e poderão fazer com ele o que quiserem. Enquanto andarem pelos 20 e os 30 anos, os fundos ajudam-nos a lançarem-se na vida; aos 40, os pais assumem que estarão suficientemente maduros para usarem a fortuna de forma sensata e que cuidarão dela como rede de segurança.
O resto da fortuna multimilionária vai para uma fundação, a qual acabará por ser administrada pelos filhos – e terá de ser exclusivamente usada para fins filantrópicos. Os filhos estão a par da divisão de fortunas e dos planos.
“Eles estão realmente entusiasmados com isso”, diz o pai. “Querem viver por eles próprios”. Uma grande herança, acredita, pode ser uma armadilha na vida de filhos de pais ricos. “Não quero que um dia olhem ao espelho e perguntem ‘quem sou eu?’”
Jamie Johnson passou a sua vida à volta de gente muito, muito rica. Em 2000, quando fez 21 anos, o herdeiro da Johnson & Johnson recebeu um grande montante de dinheiro – as estimativas apontam para 600 milhões de dólares - de um fundo de herança testamentária. Cada um dos seus cinco irmãos recebeu uma quantia semelhante, sem restrições de uso. O seu documentário de 2003 Nascido Rico era um estudo sobre o dinheiro da sua família e outros amigos super-ricos.
“Quando gente imensamente rica diz ‘não vou deixar nada aos meus filhos’ não é verdade”, afirma. Mesmo quando as crianças não têm acesso imediato ao dinheiro, elas andam nas melhores escolas, vivem nas melhores casas e têm os melhores contactos e oportunidades. “Apenas as famílias ricas podem fazer isto. Estas são todas formas diferentes de transferir riqueza e influência”.
Se ter assim tanto dinheiro é bom ou mau para as crianças herdeiras de grandes fortunas, isso depende da forma como as famílias as preparam, depende das suas personalidades e de como conseguem lidar com a pressão de uma grande riqueza e o medo de serem deserdadas. Por cada ‘estrela’ de festas como Paris Hilton, há uma Ivanka Trump, que se licenciou em Wharton e tem apostado o dinheiro da família numa carreira próspera. Johnson usou a sua herança para se lançar numa carreira de realizador de cinema e para viver, considerando todas as coisas, uma vida relativamente normal em Nova Iorque. “No meu caso, acabou por se tornar num grande benefício”, declara.
Às vezes, os pais ricos impõem condições bem exigentes ao comportamento dos seus filhos e ameaçam-nos com a "des-herança". Tori Spelling – que deve muito ao seu papel de Donna Martin na série televisiva dos anos 1990, Beverly Hills 90210 – terá herdado, por morte do pai, apenas 800 mil dólares de uma fortuna avaliada em 600 milhões de dólares. As tensões sobre dinheiro têm sido constantes entre a actriz e a sua mãe, que controla os bens. Numa entrevista ao New York Times este ano, Candy Spelling explicou que a sua filha “iria fechar uma loja e deitar à rua 50 mil a 60 mil dólares. Nunca fiz nada disso. Está maluca”.
A maioria dos pais quer proteger os seus filhos dos excessos sombrios do dinheiro – drogas, tribunais, parasitas, inseguranças – e preservar a fortuna da família para as gerações futuras. Isso normalmente não funciona: a primeira geração faz o dinheiro, a segunda gasta a maior parte dele e a terceira estoira com o resto. Um velho ditado americano diz em tradução literal que é “de mangas de camisa a mangas de camisa em três gerações” (Shirt sleeves to shirt sleeves in three generations). Em português, seria próximo do “quem não tem arranja, quem tem esbanja”.
Veja-se, por exemplo, os Vanderbilts. Quando morreu em 1925, Reginald Vanderbilt tinha estoirado mais de sete milhões de dólares (94 milhões aos preços actuais) da riqueza que o avô tinha conquistado nos caminhos-de-ferro e no transporte marítimo. Mas restava ainda um fundo testamentário de cinco milhões de dólares para as suas duas filhas pequenas. Uma delas era Galoria Vanderbilt que fez a sua própria fortuna de 200 milhões de dólares em design e decoração.
Gloria tinha dito ao seu filho, Anderson Cooper, que não receberia dela nem um cêntimo. “A minha mãe deixou muito claro que não haveria herança”, declarou na Primavera passada a Howard Stern, estrela da rádio e televisão nos EUA. Anderson está bem assim: dinheiro não ganho, diz, é uma maldição. “Quem é o herdeiro que depois de ter recebido um monte de dinheiro fez alguma coisa da sua própria vida?”, perguntava a Stern, que ganha 11 milhões de dólares por ano. “Se desde miúdo tivesse sentido que tinha um pote de dinheiro à minha espera, não sei se teria sido uma pessoa tão motivada”.
O que fazer?
Tradicionalmente, os ricos davam todo o seu dinheiro aos filhos e netos, esperando o melhor para eles. Mas a geração de baby boomers, sublinha o director da Accenture Bob Gach, tem mais anos de vida e esforça-se por equilibrar as suas necessidades pessoais de reforma com os seus interesses de beneficiência e com o bem-estar dos seus herdeiros.
“Há uma confluência interessante de demografia, longevidade e acumulação de activos”, explica Gach. Com uma carreira de sucesso, o próprio Gach pretende deixar uma parte da sua fortuna ao filho de 20 anos, outra parte à alma mater e outra parte às suas causas favoritas. “Quero que o meu filho tenha o benefício disso, mas não sinto que tenha de lhe deixar todo o dinheiro”.
Em 2012, a Accenture divulgou um relatório sobre os 12 biliões de dólares que os baby boomers estão a receber actualmente dos seus pais e os cerca de 30 biliões de dólares que deixarão aos seus herdeiros e a instituições. Este grupo, claro, é o dos sortudos – saíram incólumes da recessão, continuam a trabalhar ou aposentaram-se com economias substanciais.
Os boomers são diferentes das outras gerações: mais propensos a dar dinheiro enquanto estão vivos, mais preocupados em que os seus filhos adultos consigam e mantenham os seus empregos. Os activos em excesso vão geralmente para fundos com benefícios fiscais, e podem ser liberais ou restritivos.
“Algumas pessoas dizem ‘trabalhei muito para ganhar este dinheiro e não quero que o meu filho o use para viver numa ilha das Caraíbas – quero que seja uma rede de segurança’”, diz Nancy Fax, uma especialista em fundos e imobiliário, de Behesda, no estado de Maryland. “E algumas pessoas dizem ‘não quero estar a controlar depois de morto’. Mas há realmente boas razões para deixar um legado de forma consciente – formas que promovam a produtividade e estilos de vida saudáveis”.
Muitos fundos testamentários estão estruturados para distribuir as heranças em determinadas idades. Uma prática comum é dar um terço da fortuna aos 25, outro terço aos 30 e o resto aos 35. Algumas heranças são configuradas como “fundos de incentivo”, com condições que requerem que o herdeiro tire um curso universitário, se case ou tenha um emprego durante um determinado número de anos antes de o dinheiro ser desbloqueado. Fax não gosta de nenhuma das soluções: o futuro é difícil de prever e os fundos de incentivo estão cheios de brechas. “Isso é controlo e muito, muito difícil de definir”.
Outra questão: muitas pessoas não gostam de falar de dinheiro porque não querem que os seus filhos saibam quanto é que eles na verdade valem ou quanto podem herdar. Apesar de os filhos adultos nos Estados Unidos não terem direitos legais sobre o dinheiro dos pais, é raro que fiquem sem nada. Mas também não significa que fiquem com tudo.
Fax tem um cliente que “ama muito os seus filhos e está activamente à procura de maneiras para deixar o seu dinheiro para beneficiência”, diz. O empresário, que enriqueceu com o seu trabalho, deu aos filhos uma grande educação, dinheiro e uma parte do negócio. “Ele sente-se abençoado e sente que os seus filhos são abençoados. E acredita que o dinheiro a mais devia ir para boas obras”.
É do género de Bill Gates. O homem mais rico do mundo não divulgará a quantia exacta que cada um dos seus três filhos vai receber, mas disse ao jornal Daily Mail em 2011 que será “uma minúscula porção da [sua] riqueza”. Eles terão uma educação “incrível”, cuidados de saúde e estima-se que 10 milhões de dólares de património, o que os coloca seguramente nos um por cento mais ricos – mas não chega nem de perto nem de longe aos biliões que os pais conseguiram.
Para isso, vão ter de encontrar o seu próprio império global, disse Gates: “Vão ter de escolher um emprego que gostem e ir trabalhar”.
Exclusivo The Washington Post