A propósito de Francisco Canais Rocha

Assumi então a defesa de Francisco Canais Rocha nesse tribunal político presidido por Morgado Florindo. E ligo ao julgamento - que teve outros réus, defendidos por Lopes de Almeida e Jorge Sampaio - uma memória inesquecível, por ter sido o primeiro que aí fiz. Inscrito na Ordem dos Advogados em 13 de Agosto de 1968 – fez anteontem 46 anos –, a missão de defender, tão jovem, logo em Maio de 1969, um preso político de tal importância conspirativa marcou de forma definitiva a minha vida de advogado, defensor em momentos posteriores de muitos outros, como João Pulido Valente, Maria José Morgado, Luís Saldanha Sanches, Diana Andringa, Amadeu Lopes Sabino, Fernando Rosas, Vitor Ramalho, José Mário Costa e tantos mais.

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Assumi então a defesa de Francisco Canais Rocha nesse tribunal político presidido por Morgado Florindo. E ligo ao julgamento - que teve outros réus, defendidos por Lopes de Almeida e Jorge Sampaio - uma memória inesquecível, por ter sido o primeiro que aí fiz. Inscrito na Ordem dos Advogados em 13 de Agosto de 1968 – fez anteontem 46 anos –, a missão de defender, tão jovem, logo em Maio de 1969, um preso político de tal importância conspirativa marcou de forma definitiva a minha vida de advogado, defensor em momentos posteriores de muitos outros, como João Pulido Valente, Maria José Morgado, Luís Saldanha Sanches, Diana Andringa, Amadeu Lopes Sabino, Fernando Rosas, Vitor Ramalho, José Mário Costa e tantos mais.

Fortemente vergastado na minha juventude pela repressão da ditadura do Estado Novo, era natural que o tribunal plenário viesse a ser para mim um destino. Mas foi também uma escolha cívica activa em defesa dos direitos humanos, pelos quais vim a ser, mais tarde, presidente da Comissão dos Direitos Humanos na Ordem dos Advogados.

O julgamento de Francisco Canais Rocha, como tantos outros, foi uma farsa e mobilizou para a cidade de Lisboa imensos cidadão da Torres Vedras, de onde ele era natural, tendo constituído uma luta cerrada entre a defesa e o tribunal, no qual, pela primeira vez, foi colocado o problema da lei injusta que mais tarde viria a desenvolver em recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, na arguição da inconstitucionalidade das chamadas leis por crimes contra a segurança do Estado, no julgamento de João Pulido Valente, Francisco Martins e Rui D’Éspinay.

A memória que hoje aqui deixo expressa é uma homenagem a um preso político de origem operária que, tendo iniciado a sua a actividade como marceneiro, fez mais tarde o curso do liceu, a licenciatura em História e o mestrado em História Contemporânea. Mas é também um acto de evocação que não procura fazer recuar os ponteiros do tempo e o tempo da história, antes lembrar todos os presos políticos antifascistas torturados nas prisões do fascismo e sublinhar que a memória do tribunal plenário é também a memória da dor e da humilhação indescritíveis dos homens e das mulheres cambaleantes nas salas dos interrogatórios, sonâmbulos pela tortura do sono e pelas alucinações; a memória da impotência das famílias dos presos, com as casa assaltadas pelas buscas policiais pela calada da noite; enfim, a memória, como um dia disse Fernando Rosas, da perplexidade dos filhos, então meninos, que tiveram como primeiras festas de aniversário uma visita aos parlatórios de Caxias ou Peniche. E desses parlatórios guardo para mim a memória, hoje tão distante, de um ambiente cheio de sofrimento e angústia, dos presos, com olhos vermelhos mas que não choravam, que me fizeram compreender que há dores que secam as próprias lágrimas.

Uma palavra final para lembrar que a presença dos advogados no tribunal plenário foi assumida por uma geração com orgulho de ter lutado por ideais nobres, de ter vencido a tentação de desistir, aguentando o sofrimento e a incomodidade, tudo o que gerava a vida dolorosa, militante e exaltada de cidadãos activos nesses tempos de tempestuosas incertezas.

A honra de ser advogado alimenta-se desta fonte e enriquece-se com um tempo glorioso da hegemonia do Bem. Permita-se-me terminar com Berthold Brecht, bem actual nos tempos que correm: “De quem depende que a opressão prossiga? De nós./ De quem depende que ela acabe? Também de nós./ O que é esmagado, que se levante/ O que está perdido, lute!

A

dvogado.