Maquinaria eléctrica e sector químico serão os mais penalizados com acordo comercial UE/EUA
Exportações portuguesas vão subir cerca de 1,3% com entrada em vigor do acordo, mas caem nos sectores da maquinaria eléctrica e químico, onde haverá quebras de produção e maiores riscos de deslocalização.
O estudo prevê um impacto positivo de pelo menos 1164 milhões de euros (0,66% do PIB) para a economia portuguesa e destaca três sectores "onde os efeitos serão mais expressivos”. Nos têxteis e vestuário haverá uma “expansão relativamente grande”, enquanto na maquinaria eléctrica e na química espera-se “uma contracção relativamente grande”.
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O estudo prevê um impacto positivo de pelo menos 1164 milhões de euros (0,66% do PIB) para a economia portuguesa e destaca três sectores "onde os efeitos serão mais expressivos”. Nos têxteis e vestuário haverá uma “expansão relativamente grande”, enquanto na maquinaria eléctrica e na química espera-se “uma contracção relativamente grande”.
Com base num cenário conservador (de quase total eliminação de tarifas alfandegárias e de10% das barreiras relacionadas com legislação e regulação) e, é expectável que a produção de têxteis e vestuário venha a crescer no longo prazo cerca de 18% com o TTIP (que só deverá estar fechado em 2015). Mas no equipamento eléctrico e nos químicos, o cenário inverte-se, com contracções de 10% e 4%, respectivamente. Algo que o CEPR explica com a “transferência de recursos” (capital e mão-de-obra) para os sectores de "maior valor acrescentado", como é o caso dos têxteis e vestuário.
Estes representam cerca de 15% das exportações de bens para os EUA e deverão beneficiar da eliminação de tarifas de 9%, pelo que crescerão atraindo recursos de outros sectores, explica o estudo. Já na maquinaria eléctrica e nos químicos o CEPR fala num “impacto desproporcionado” desta realocação de recursos.
Estas são áreas onde uma grande fatia dos custos de produção “depende mais de condições globais, do que de condições locais”, pelo que as empresas terão “maior facilidade em deslocalizarem-se para outros mercados”, como os EUA, com menores custos de energia. No caso do equipamento eléctrico, trata-se mesmo de uma indústria que está a "ajustar pela negativa" a nível europeu e em que há “um declínio generalizado”. Relativamente a Portugal, o CEPR refere ainda que cerca de 70% das exportações têm como destino a Europa. Como o TTIP reforça a possibilidade de os mercados europeus se abastecerem junto de empresas mais competitivas, parece difícil evitar o declínio da procura europeia.
De acordo com o estudo, do qual o PÚBLICO tinha já adiantado as conclusões mais macroeconómicas, com a aplicação do TTIP as exportações de maquinaria eléctrica vão cair 15%, embora se antecipe uma subida de 10% nas vendas para os EUA. No sector químico, as exportações cairão 6%, embora se espere uma subida de 18% para o mercado norte-americano. Mas as grandes subidas virão mesmo de sectores onde os direitos aduaneiros são hoje elevados, como têxteis e vestuário, com as exportações a subirem 30% (para os EUA chegam a 230% e, no caso de alguns produtos de calçado, 222%, tendo em conta que hoje têm pouca expressão).
No geral, o estudo prevê o efeito positivo do acordo para o equilíbrio da balança comercial portuguesa, com subidas de 1,30% das exportações e 1,02% das importações. No caso das exportações, o estudo refere que as vendas totais anuais poderiam crescer cerca de 930 milhões até 2030 (650 milhões referentes aos EUA). "Tudo indica" que no caso dos sectores mais vulneráveis ao TTIP, "Portugal ocupa um segmento menor da cadeia de valor e é por isso mais fácil deslocar a produção”, refere o secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Bruno Maçães. Embora “seja claro” que o acordo "fará a economia crescer muito significativamente”, o Governo quer “um crescimento equilibrado, que não seja parcialmente feito à custa de algumas partes da economia”, explicou, em declarações enviadas ao PÚBLICO.
É por isso necessário “influenciar a negociação” para que estes sectores "ganhem tanto como os mais beneficiados" e também é preciso garantir que passam a "ocupar um espaço maior da cadeia de valor para ancorá-la em Portugal". Isto tem de ser feito "com investimento inteligente", defendeu.
Sector químico com “grande preocupação”
No sector químico reina “grande preocupação”, garantiu ao PÚBLICO o assessor da direcção da Associação Portuguesa das Empresas Químicas (APEQ), José Ribeiro. Com a redução das tarifas, a Europa “será invadida” por produtos norte-americanos, que “beneficiam de factores de produção [energia e matéria-prima] muito mais baratos” disse. O problema não é só a perda de competitividade das empresas. Trata-se de um “sector muito específico”, onde as “regras de registo das características dos produtos químicos e da sua perigosidade” são muito diferentes entre os dois blocos. “Pensamos que será difícil evitar alterações de procedimentos de controlo”, afirmou José Ribeiro.
Isto poderá vir a trazer para o espaço europeu produtos e componentes para os quais temos regras mais apertadas que os EUA. O responsável notou ainda que "os investimentos na área química já deixaram a Europa”, porque os grandes grupos europeus “estão a desviar os seus investimentos para os EUA e Ásia", com custos de produção mais baratos e menores exigências ambientais. E lembra que no ano passado fecharam em Portugal as fábricas da Solvay na Póvoa de Santa Iria e da Orion Carbons, em Sines.
O PÚBLICO contactou também a ANIMEE, que representa as empresas do sector eléctrico e electrónico, mas não foi possível obter um comentário. O documento do CEPR nada especifica relativamente ao impacto do TTIP no sector agro-industrial, mas em entrevista ao PÚBLICO, em Junho, Bruno Maçães referiu que os “produtos transformados, como tomate e laranja” estavam entre os mais vulneráveis. Os industriais do tomate dizem que a entrada em vigor da parceria põe em risco a sua sobrevivência pela "desproporção de forças entre o mercado industrial de tomate da Califórnia e o português".