A única boa pena de morte é a abolida
A discussão americana sobre a “morte perfeita” em termos penais devia conduzir à abolição total.
Num momento em que o mundo se confronta com milhares de mortes evitáveis, causadas sobretudo por guerras regionais (Gaza, Israel, Síria, Iraque, Líbia, República do Mali, Sudão, República Centro-Africana), e em que se discute, ainda, a aceitação legal da eutanásia por decisão dos próprios em casos terminais, os Estados Unidos da América discutem a pena de morte. Não porque esteja em curso qualquer nova iniciativa no sentido da sua abolição nos 36 dos 50 estados onde ela está instituída por lei, mas sim porque o caso recente de uma execução “mal-sucedida” no Arizona (o condenado demorou uma hora e 57 minutos a morrer por injecção letal, e com reconhecido sofrimento) reacendeu o debate em torno dos métodos de matar, da sua eficácia, rapidez e atenuação ou ausência de dor. Esta ideia de uma “morte perfeita”, associada ao objectivo de castigar alguém pela supressão da sua vida, torna-se um debate quase absurdo. Quando surgiu a moderna guilhotina, inventada (ou recriada, pois o método há havia sido criado há vários séculos) pelo médico francês Joseph-Ignace Guillotin, o argumento para o seu uso era a eficácia e rapidez na morte. E tornou-se uma “indústria”: 40 mil executados, 15 mil dos quais nos anos de terror da Revolução Francesa. Estreou-a um operário, “celebrizou-a” depois um rei (Luís XVI). Mas do imenso lote de métodos de execução sem tortura prévia (na Idade Média eram os com tortura que imperavam, usados com requinte assassino, entre outros, pela Inquisição) os Estados Unidos mantêm a injecção letal como opção “eleita”. É uma forma de fingir que a morte assim induzida é “suavizada” pelo método, quando o que está em causa é, na verdade, punir alguém tirando-lhe a vida. E isso não se decide no momento da execução mas no da condenação, prolongando-se no “corredor da morte” e nos preparativos para que a execução “triunfe”. Portugal, que tem entre as suas glórias ter sido o primeiro país europeu e até do mundo a abolir a pena de morte (em 1852 para crimes políticos e em 1867 para crimes civis, embora tivesse sido retomada como possibilidade em 1916 e só definitivamente banida em 1976, após o 25 de Abril), tem moral suficiente para entrar neste debate dizendo que a única boa pena de morte é a abolida. Discutir, como fazem hoje os americanos, se perante a ineficácia das mistelas químicas letais é hora de retomar a guilhotina, a cadeira eléctrica ou até o velho pelotão de fuzilamento, é uma discussão que deve ser repudiada em nome dos princípios de humanidade por que nos batemos há anos. Como diz Rick Halperin, um professor da Universidade Metodista de Dallas (ver Revista 2 de hoje, páginas 20 a 23) que também pertence à Amnistia Internacional, “a pena de morte deve ser vista como aquilo que de facto é: um processo de terror físico e psicológico que culmina no extermínio humano”. É claro que as famílias das vítimas querem, muitas vezes, ver aplacada a sua dor no sofrimento ou na morte dos culpados. É um instinto que, em nome da humanidade, devemos refrear para não pactuar com a barbárie.
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Num momento em que o mundo se confronta com milhares de mortes evitáveis, causadas sobretudo por guerras regionais (Gaza, Israel, Síria, Iraque, Líbia, República do Mali, Sudão, República Centro-Africana), e em que se discute, ainda, a aceitação legal da eutanásia por decisão dos próprios em casos terminais, os Estados Unidos da América discutem a pena de morte. Não porque esteja em curso qualquer nova iniciativa no sentido da sua abolição nos 36 dos 50 estados onde ela está instituída por lei, mas sim porque o caso recente de uma execução “mal-sucedida” no Arizona (o condenado demorou uma hora e 57 minutos a morrer por injecção letal, e com reconhecido sofrimento) reacendeu o debate em torno dos métodos de matar, da sua eficácia, rapidez e atenuação ou ausência de dor. Esta ideia de uma “morte perfeita”, associada ao objectivo de castigar alguém pela supressão da sua vida, torna-se um debate quase absurdo. Quando surgiu a moderna guilhotina, inventada (ou recriada, pois o método há havia sido criado há vários séculos) pelo médico francês Joseph-Ignace Guillotin, o argumento para o seu uso era a eficácia e rapidez na morte. E tornou-se uma “indústria”: 40 mil executados, 15 mil dos quais nos anos de terror da Revolução Francesa. Estreou-a um operário, “celebrizou-a” depois um rei (Luís XVI). Mas do imenso lote de métodos de execução sem tortura prévia (na Idade Média eram os com tortura que imperavam, usados com requinte assassino, entre outros, pela Inquisição) os Estados Unidos mantêm a injecção letal como opção “eleita”. É uma forma de fingir que a morte assim induzida é “suavizada” pelo método, quando o que está em causa é, na verdade, punir alguém tirando-lhe a vida. E isso não se decide no momento da execução mas no da condenação, prolongando-se no “corredor da morte” e nos preparativos para que a execução “triunfe”. Portugal, que tem entre as suas glórias ter sido o primeiro país europeu e até do mundo a abolir a pena de morte (em 1852 para crimes políticos e em 1867 para crimes civis, embora tivesse sido retomada como possibilidade em 1916 e só definitivamente banida em 1976, após o 25 de Abril), tem moral suficiente para entrar neste debate dizendo que a única boa pena de morte é a abolida. Discutir, como fazem hoje os americanos, se perante a ineficácia das mistelas químicas letais é hora de retomar a guilhotina, a cadeira eléctrica ou até o velho pelotão de fuzilamento, é uma discussão que deve ser repudiada em nome dos princípios de humanidade por que nos batemos há anos. Como diz Rick Halperin, um professor da Universidade Metodista de Dallas (ver Revista 2 de hoje, páginas 20 a 23) que também pertence à Amnistia Internacional, “a pena de morte deve ser vista como aquilo que de facto é: um processo de terror físico e psicológico que culmina no extermínio humano”. É claro que as famílias das vítimas querem, muitas vezes, ver aplacada a sua dor no sofrimento ou na morte dos culpados. É um instinto que, em nome da humanidade, devemos refrear para não pactuar com a barbárie.