O som ao redor do cinema brasileiro: Ventos de Agosto , de Gabriel Mascaro
Evoca Apichatpong e Glauber numa ficção com actores não profissionais
Que o cinema brasileiro “não alinhado” atravessa um bom momento de forma já não é surpresa para os cinéfilos mais atentos. Aliás, temos tido a possibilidade de o acompanhar, mesmo que de forma irregular. E Locarno vem confirmar o lugar cimeiro do “cinema regional” vindo do Brasil com a exibição da primeira ficção assumida de Gabriel Mascaro, video-artista documentarista cujo Domésticas foi mostrado no Indie em 2013.
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Que o cinema brasileiro “não alinhado” atravessa um bom momento de forma já não é surpresa para os cinéfilos mais atentos. Aliás, temos tido a possibilidade de o acompanhar, mesmo que de forma irregular. E Locarno vem confirmar o lugar cimeiro do “cinema regional” vindo do Brasil com a exibição da primeira ficção assumida de Gabriel Mascaro, video-artista documentarista cujo Domésticas foi mostrado no Indie em 2013.
Ventos de Agosto partlha um mesmo cenário – remoto, “deslocalizado”, quase primitivo, onde o “mundo moderno” é quase inalcançável – com o monumento do filipino Lav Diaz que é From What Is Before, já que o seu filme é também um olhar para uma comunidade que sobrevive como pode. Mas este cantinho ermo do Pernambuco que vive de recolher coco e pescar pela subsistência, definido um par de vezes como “o quarto caminho depois da curva do rio virando à esquerda”, dá origem a um filme muito diferente em tom. Em Ventos de Agosto, Mascaro gere actores não profissionais e uma história inteiramente ficcional, levantando questões de progresso e comunidade de um modo que remete ao mesmo tempo para Apichatpong Weerasethakul e Glauber Rocha.
Do cinema do tailandês identificamos a “divisão” em duas partes, uma mais do ponto de vista de Shirley, uma miúda da cidade enviada para o campo para tomar conta da avó, outra de Jeison, um rapaz local que vive como pode. A visita de um investigador (interpretado pelo próprio realizador) para estudar a zona de convergência intertropical dos ventos funciona como “fractura” que separa ambos os momentos, anunciada pela descoberta de um crânio no fundo do mar e confirmada pelo cadáver que dá à praia e Jeison recolhe.
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A Glauber, e sobretudo ao tropicalismo em embrião de Barravento, Mascaro vai buscar a atenção e a sensualidade com que filma os corpos e a selva, o mar e a terra, e a ideia de um “paraíso” que só não é perdido porque nunca foi encontrado – mas que desaparece assim que é identificado enquanto tal. Mas talvez Ventos de Agosto esteja mais próximo do que parece do “ponta-de-lança” desta geração brasileira que é O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho: tal como ele, é a história de um mundo indeciso entre fechar-se sobre si mesmo e abrir-se ao outro, onde o som ao redor é não o da cidade mas sim o do vento que define a paisagem. O que apenas confirma a própria indecisão do filme, incapaz de escolher se se quer abrir ao acaso por inteiro ou estruturar com precisão a sua narrativa - mas ao mesmo tempo lhe dá uma dimensão intrigante que não é de deitar fora.