Banca apanhada de surpresa com a solução para salvar o BES

Banqueiros consideram “inaceitável” serem responsabilizados pela dívida “de alguém [Ricardo Salgado] que fez o que fez e está de férias”. E criticam supervisores, por não terem actuado atempadamente.

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Ricardo Salgado Nuno Ferreira Santos

Foi no sábado que os banqueiros portugueses, nomeadamente da CGD, do BCP, do BPI e do Santander, foram informados pelo Banco de Portugal do caminho adoptado para salvar o segundo maior banco português, uma solução que envolvia o sistema. E que não era esperada pela banca, apurou o PÚBLICO, ainda que não constituísse uma verdadeira surpresa, dado que é uma das vias previstas na lei da recapitalização.

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Foi no sábado que os banqueiros portugueses, nomeadamente da CGD, do BCP, do BPI e do Santander, foram informados pelo Banco de Portugal do caminho adoptado para salvar o segundo maior banco português, uma solução que envolvia o sistema. E que não era esperada pela banca, apurou o PÚBLICO, ainda que não constituísse uma verdadeira surpresa, dado que é uma das vias previstas na lei da recapitalização.

Havia ainda, segundo as mesmas fontes, outros sinais de alerta: as acções do BES estavam numa trajectória imparável de queda e sexta-feira fecharam a 12 cêntimos; o BCE deu indicações de que teria de ser encontrada uma solução rápida; a agência de notação canadiana reviu o rating do BES para baixo do grau de investimento (o que fecha o acesso ao financiamento interbancário e do BCE).

Alguns responsáveis financeiros consultados pelo PÚBLICO nesta segunda-feira admitiram que apesar de esta ser uma solução “compreensível” do ponto de vista político, pois evita que os contribuintes sejam penalizados, é moralmente “inaceitável”: a banca é chamada a responsabilizar-se pela dívida “de alguém [Ricardo Salgado] que fez o que fez e está de férias”. 

E os supervisores não actuaram atempadamente e permitiram que o “carro descarrilasse”, pois não equacionaram o pior dos cenários: a exposição do BES ao universo empresarial Espírito Santo revelou-se muito maior do que o expectável, pois foi ao banco que os problemas do GES (com as holdings sob gestão de falências) foram desaguar. E o GES ruiu em menos de um mês. Não só a equipa de Salgado desobedeceu às orientações do BdP, já depois de ter sido afastado, aumentando os financiamentos ao grupo, como foram, entretanto, detectadas novas irregularidades. Como resultado o BdP teve de realizar emendas sucessivas às contas o que culminou num prejuízo semestral de 3600 milhões.

Foi neste quadro de pressão que o BES, transformado em Novo Banco, reabriu nesta segunda-feira. Dividido em dois: num banco mau (que mantém a marca BES, os seus accionistas, mas sem licença de actividade e sob a alçada de uma comissão liquidatária) e num banco novo, alvo de uma injecção de fundos de 4900 milhões. Para os clientes com créditos bons ou recuperáveis, os depositantes e os trabalhadores nada mudou, apenas a marca.

É no Novo Banco que o sistema financeiro vai entrar através do Fundo de Resolução, gerido pelo Banco de Portugal, mas fundeado pelo sector, na proporção da quota de mercado de cada instituição. O contributo da banca irá totalizar 500 milhões (incluindo os 187 milhões que já lá estão), pelo que o Estado fará um adiantamento de 4400 milhões ao Fundo de Resolução. Como colateral, o sector recebe o Novo Banco. E assim que este for colocado no mercado, até ao Verão de 2016, obterá ou uma mais-valia, ou ficará a zero ou encaixará um prejuízo.

A ministra das Finanças deu nesta segunda-feira uma entrevista à SIC, em que esclareceu que os 4400 milhões de euros serão emprestados pelo Estado a 2,8% (mais 15 pontos base para custos) à taxa média a que o Tesouro se financia junto da troika. A linha será renovada de três em três meses (até dois anos), com um acréscimo do spread de cinco pontos-base.

O  Novo Banco vai ficar livre de "quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais", assim como de "quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a emissões de acções ou dívida subordinada." Os possíveis pedidos de indemnização e processos interpostos por fraudes vão visar o banco mau, que fica com as posições no BES Angola, no banco na Líbia (Aman Bank) e em Miami (Espirito Santo Bank). Outra imposição do BdP, inédita, é que os depósitos e aplicações de gestores, familiares ou outras pessoas que tenham sido coniventes com actos de gestão irregulares ficam na esfera do banco mau, o que impede o acesso dos detentores a estas verbas.

A comissão liquidatária do BES - banco mau, liderada por Luiz Máximo dos Santos, vai receber 10 milhões de euros para recuperar o valor dos activos tóxicos e suportar os custos com as diligências. Se no final tiver um lucro, tudo indica, será transferido para o Novo Banco.

Esta foi a solução in extremis e que não era a esperada pelas autoridades. Na quarta-feira, o pior cenário continuava sem ser equacionado, o que possibilitou que o BdP e Vítor Bento, o presidente do Novo Banco, surgissem a defender a “solução privada” e a confirmarem que receberam manifestações de interesse de bancos e de fundos. Horas depois seria a vez do ministro da Presidência vir dizer que “a primeira linha” de salvamento do BES “deve passar necessariamente primeiro pelo mercado, pelos accionistas privados”.  A expectativa era, portanto, que o dossier se ia resolver por si. Nada de mais irreal, pelo contexto de dúvidas e incertezas que se gerou à volta do segundo maior banco privado.

E assim este fim-de-semana, depois de o banco derrapar na bolsa e sob pressão dos levantamentos, Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque avançaram com uma decisão política executada pelo BdP: intervieram no BES,  mas colocaram a banca a responsabilizar-se pelo resgate.

As autoridades tinham pela frente várias hipóteses: deixar o banco falir, o que podia gerar uma corrida aos depósitos, pelo menos no BES; os privados assumiam uma posição no BES, o que as sucessivas emendas às contas tornaram inviável, até porque o BdP não tinha uma proposta em cima da mesa; o Estado entrar no capital e depois vender o banco, o que tinha implicações para os contribuintes e a dívida tinha de passar pelo défice; ou o recurso à lei da recapitalização, pelo Fundo de Resolução, o que minimiza os impactos nos cidadãos e o efeito sistémico.  

Nesta segunda-feira, a CMVM veio também informar que o BES vai continuar cotado em bolsa, ainda que com a negociação suspensa, e que "abriu um processo de investigação aprofundada da negociação dos títulos, nomeadamente no dia 1 de Agosto”. O objectivo é “apurar a eventual existência de indícios de violação do dever de defesa do mercado e/ou de crime de utilização de informação privilegiada até ao momento em que a CMVM determinou a suspensão da negociação, o que ocorreu logo após ter tido conhecimento de iminentes desenvolvimentos que vieram a ser conhecidos durante o fim-de-semana"

Menos de 24 horas depois do “desaparecimento” do BES, uma marca com 140 anos, Ricardo Salgado emitiu uma nota onde afirma que se vai remeter ao silêncio à espera da conclusão “do relatório da auditoria forense realizada às contas do BES, que está a ser feita pelo Banco de Portugal e pela PwC”. E que só voltará a falar quando “o tempo e o contexto permitirem uma análise objectiva e serena do que precipitou a queda abrupta do valor do BES e a consequente intervenção do Estado”.