Síndrome de Down ou espécie nova? Mulher das Flores ainda dá que falar
Novo estudo associa características de esqueleto encontrado em 2003 na ilha das Flores, Indonésia, a síndrome de Down e reacende debate sobre a existência ou não de uma nova espécie de humanos.
A pequena estatura, o cérebro minúsculo, os pés grandes e outras características ósseas levaram a equipa que encontrou o esqueleto a anunciar em 2004, na revista Nature, a existência de uma nova espécie humana, para se juntar às outras que formam a complexa árvore da evolução humana: o Homo floresiensis.
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A pequena estatura, o cérebro minúsculo, os pés grandes e outras características ósseas levaram a equipa que encontrou o esqueleto a anunciar em 2004, na revista Nature, a existência de uma nova espécie humana, para se juntar às outras que formam a complexa árvore da evolução humana: o Homo floresiensis.
Até então, julgava-se que há 18.000 anos a nossa espécie, o homem moderno ou Homo sapiens, já reinava sozinho na Terra. Por isso, a data dos ossos surpreendeu investigadores e o resto do público: o hobbit das Flores seria o outro sobrevivente de uma família humana maior, que resistiu numa ilha perdida.
Mas, desde o anúncio da descoberta, outros paleoantropólogos argumentaram que a mulher das Flores (e não um homem, como se pensou inicialmente) pertencia à nossa própria espécie, só que sofria uma doença congénita que tinha atrofiado o seu desenvolvimento. Outras equipas, à medida que analisaram as características do esqueleto, rejeitaram esta hipótese.
Agora, dois artigos da mesma equipa publicados na revista Proceedings of the National Academy of Sciences dos Estados Unidos reavivam a polémica, defendendo que não se está perante uma espécie nova, apenas se encontrou o esqueleto de uma pessoa com trissomia 21.
“O tamanho do cérebro do LB1 está dentro da variação prevista para um indivíduo com síndrome de Down numa população [já de si] pequena daquela região geográfica, que inclui as Flores”, defende no resumo de um dos artigos a equipa liderada por Robert Eckhardt, da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos.
A síndrome de Down é uma anomalia cromossómica, em que os portadores têm três cromossomas 21, em vez dos dois normais. Esta variação causa alterações no desenvolvimento, provocando problemas cognitivos, o início precoce da doença de Alzheimer, entre outros. Além disso, são geralmente pessoas mais baixas. Há casos de trissomia 21 noutros primatas. Segundo o artigo, já se encontraram esqueletos de homens modernos com características semelhantes à da mulher das Flores.
“Não fiquei convencida de que é síndrome de Down, mas há uma data de características do esqueleto que são de patologia”, defende Eugénia Cunha, paleoantropóloga da Universidade de Coimbra, apontando por exemplo para a grande assimetria facial que o fóssil apresenta. “Essas características começam agora a ser valorizadas”, diz a investigadora portuguesa, que não fez parte do estudo.
O esqueleto LB1, que não está fossilizado, foi encontrado em 2003 na Liang Bua juntamente com ossos de outros humanos, que estavam muito mais incompletos do que a mulher das Flores. O único crânio encontrado foi o do indivíduo LB1, que apresenta um volume de 430 centímetros cúbicos. O crânio do homem moderno tem três vezes este volume. Mas, naquela região, os homens modernos de há 18.000 anos encontrados em escavações na ilha de Palau, na Micronésia, tinham cérebros um pouco mais pequenos.
Do lado dos cientistas que defendem que estamos perante uma nova espécie, o conjunto estranho de características morfológicas dos ossos da mulher das Flores já levaram a hipóteses cada vez mais extremas sobre a origem do Homo floresiensis. Uma delas defende que este humano provém das primeiras espécies de Homo, como o Homo rudolfensis ou o Homo habilis, que nunca saíram de África. Para isso, terá de ter havido uma migração para Ásia anterior à da do Homo erectus. Só que os vestígios fósseis dessa migração nunca foram descobertos até agora.
Todos os proponentes desta nova espécie argumentam que esses humanos, quando chegaram às Flores, encolheram de tamanho, tal como acontece com outras espécies que se adaptam a territórios mais pequenos e com recursos limitados como as ilhas. Dessa forma, cada indivíduo passa a necessitar de menos recursos.
“Nunca mais se descobriu outro esqueleto naquela ilha”, aponta Eugénia Cunha, o que levanta dúvidas sobre se um fóssil isolado pode representar uma nova espécie. “Estes artigos vão reacender a polémica — e ainda bem.” Como o esqueleto não está fossilizado, a cientista defende que uma análise genética poderia ajudar a tirar as teimas. Algumas equipas estão a tentar extrair ADN dos ossos desde a década passada, algo que ainda não deu frutos.