Alemães empurram Caminho de Santiago para junto do mar

Peregrinos alemães começaram a tendência de desviar ainda mais para a costa o Caminho Português de Santiago. Os caminheiros do século XXI preferem a natureza e o mar (e os passadiços junto à praia), às tradicionais rotas mais urbanas, como a que utiliza a EN13. Câmara de Matosinhos aceita “oficializar” essa tendência,

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Peregrinos arriscam-se a perderem-se ou a seguir sinalética que só os leva a espaços de restauração Fernando Veludo/nfactos

Foi no posto de Turismo de Leça da Palmeira, em Matosinhos, que o PÚBLICO os foi encontrar, quando ali entraram para perguntar se por ali vendiam as Conchas de Santiago. Alena já trazia uma, minúscula, pendurada na mochila que trazia às costas, e de onde ainda não tinha saído o bastão para apoiar a caminhada. Georg ainda não tinha a vieira que simboliza os peregrinos que se dirigem ao túmulo do apóstolo (e que durante séculos serviu de sinal para aceitação nos albergues), e pretendia fazer o mesmo. Não compraram a conchinha (não está à venda por ali) nem pediram para estampar o selo oficial da caminhada no Passaporte do Peregrino. Mas identificaram-se como peregrinos, pelo que engrossaram as estatísticas que tanto o Posto de Turismo de Matosinhos como o Posto de Turismo de Leça da Palmeira começaram a recolher em Janeiro de 2012, depois de anos sucessivos a ver peregrinos a entrarem pela porta dentro. 

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Foi no posto de Turismo de Leça da Palmeira, em Matosinhos, que o PÚBLICO os foi encontrar, quando ali entraram para perguntar se por ali vendiam as Conchas de Santiago. Alena já trazia uma, minúscula, pendurada na mochila que trazia às costas, e de onde ainda não tinha saído o bastão para apoiar a caminhada. Georg ainda não tinha a vieira que simboliza os peregrinos que se dirigem ao túmulo do apóstolo (e que durante séculos serviu de sinal para aceitação nos albergues), e pretendia fazer o mesmo. Não compraram a conchinha (não está à venda por ali) nem pediram para estampar o selo oficial da caminhada no Passaporte do Peregrino. Mas identificaram-se como peregrinos, pelo que engrossaram as estatísticas que tanto o Posto de Turismo de Matosinhos como o Posto de Turismo de Leça da Palmeira começaram a recolher em Janeiro de 2012, depois de anos sucessivos a ver peregrinos a entrarem pela porta dentro. 

É uma tendência crescente, como comprovam as estatísticas. Em 2012, o carimbo no passaporte foi solicitado 78 vezes no posto de turismo de Matosinhos e 115 vezes no de Leça da Palmeira. Em 2013, esse número chegou a quadruplicar, com 302 carimbos solicitados em Matosinhos e 458 em Leça da Palmeira. Em 2014, os números continuam expressivos: ainda o mês de Julho não tinha acabado e a contabilidade já registava 314 peregrinos a passar por Matosinhos, e em Leça da Palmeira já eram 359 - e os meses de Agosto, Setembro e Outubro são, a par de Maio, os meses de pico para estes caminheiros. 

O município de Matosinhos está tradicionalmente ligado ao Caminho Português de Santiago, mas este percurso que utiliza a marginal do concelho, e que os peregrinos atravessam depois de ter percorrido a marginal do Douro até à Foz, seguindo sempre pela linha da costa, acabou por ser uma novidade ditada sobretudo pelo mercado alemão. “Começamos a indagar-nos o porquê de tantos alemães começarem a aparecer por ali e percebemos que houve um autor famoso alemão que contou a história de desenvolvimento pessoal que atingiu ao fazer o caminho de Santiago e que chegou ao top de vendas do jornal Der Spiegel”, explicou ao PÚBLICO o vereador da cultura da Câmara de Matosinhos, Fernando Rocha.

O livro, um best-seller de Hape Kerkeling, com o titulo, em inglês I’m off Then - Loosing and Finding Myself on the Camino de Santiago é descrito nas críticas da Amazon como uma mistura de Bruce Chatwin (reconhecido autor da literatura de viagens) com Paulo Coelho (um guru da espiritualidade). O sucesso foi tal que o número de peregrinos alemães disparou. Depois, sugeriu o vereador da cultura, começaram a aparecer guias de viagem a indicar este percurso alternativo pela costa, “como sendo mais agradável do que o percurso tradicional, que usa muitos circuitos urbanos e que está já um pouco desvirtuado”.

Georg e Alena confirmam esta versão e mostram-nos o guia onde é revelado o originário Caminho Português Central, e que usava as antigas vias romanas, passando por Braga até Valença, e aquele que lhe surgiu em alternativa na idade moderna e a partir do século XVIII: o Caminho Português da Costa, que, tal como o primeiro, passa por Matosinhos e Maia, mas que deriva, depois, para Vila do Conde, Póvoa de Varzim, Esposende, Viana do Castelo, Caminha, Vila Nova de Cerveira e Valença. Entretanto, e num outro pontilhado, surge uma variante a unir os concelhos de Matosinhos e de Vila do Conde: um percurso de cerca de 15 quilómetros, que troca a EN13 pelos passadiços junto ao mar. “De um lado, temos o caminho antigo, do outro temos o novo. Escolhemos o novo, porque lemos que é mais agradável”, justifica Georg Riese, antes de se aventurar pelos passadiços de madeira. 

Fernando Rocha explica que a Câmara se adaptou a esta nova realidade, acabando por estar a disponibilizar carimbos nos postos marítimos porque eles ali começaram a ser solicitados, e que todas estas mudanças estão a ser concertadas com um Grupo de Trabalho Intermunicipal que junta todas as autarquias envolvidas no caminho da Costa. Um dos objectivos desse grupo de trabalho é uniformizar toda a sinalética e a estratégia comunicativa ao longo do Caminho da Costa.

Enquanto essa estratégia não surge, os peregrinos já vão sendo saudados com um “Bom caminho” escrito em seis línguas e registado nos passadiços  de madeira que estão a ser utilizados pelos peregrinos. 

O historiador Joel Cleto não se mostra chocado com estas alterações, antes defende-as. “Os caminhos de Santiago estão a ficar cada vez mais concorridos, às vezes, até, muito comerciais. É natural que comecem a surgir alternativas. E assim como no século XVIII se adaptou um novo caminho, e surgiu o percurso da Costa, é natural que no século XXI surjam estas variantes, e revelem a aproximação e o regresso dos peregrinos à natureza”.

Georg e Alena parecem concordar. Ainda não sabem onde vão dormir a primeira noite, mas não estão preocupados. O caminho faz-se caminhando e, mesmo quando são obrigados a contornar alguns passadiços levantados pelo rigoroso inverno, o tempo corre-lhes de feição. Têm 14 dias pela frente. E aquele era só o primeiro.

Leça do Balio vai ter Albergue para Peregrino
Atenta ao aumento de procura que os Caminhos de Santiago têm vindo a merecer - e na qual nem sempre é a religiosidade quem mais ordena - a Câmara de Matosinhos prepara-se para oferecer um Albergue do Peregrino junto ao mosteiro de Leça do Balio. O primeiro albergue que surge aos caminhantes que fazem o percurso desde o início está actualmente no Mosteiro de Vairão a 25 km do Porto. E porque é recomendável que a distância de caminhada diária não ultrapasse os 20 quilómetros, a Câmara de Matosinhos vai adaptar um edifício que existe no Parque das Varas, na envolvente do icónico mosteiro, para receber essa função. O vereador da cultura, Fernando Rocha, disse ao PÚBLICO esperar que as obras arranquem ainda este ano.
 
Recriação histórica entre 11 e 14 de Setembro

Hospitalários no Caminho de Santiago regressam ao Mosteiro
Vai ter saltimbancos e passeios de burro, liças de armas e acampamento militar, concertos e artesãos com trabalho ao vivo, ceias e tabernas medievais, mas o evento “Hospitalários no Caminho de Santiago” pretende ser muito mais do que uma recriação do ambiente medieval. Pretende, pelo nono ano consecutivo, promover os Caminhos de Santiago em Matosinhos, bem como divulgar o Mosteiro de Leça do Balio, que desde sempre desempenhou um importante papel na assistência aos peregrinos a caminho do túmulo do apóstolo Santiago em Compostela.

A Recriação da Lenda do Ferro Caldo e do casamento de D. Fernando com D. Leonor Teles são alguns dos pontos altos de uma programação que vai preencher o calendário entre os dias 11 e 14 de Setembro. A autarquia anunciou um espaço físico mais alargado para os visitantes e garantiu uma oferta qualificada ao nível dos artesãos, que serão mais de 200 e com produtos “criteriosamente seleccionados”. A entrada no recinto implica o pagamento simbólico de um euro.