Planalto Central
Estou no Planalto Central, no Huambo, cidade de gente humilde, pacata, culta e de uma religiosidade contagiante. De clima temperado e de designações várias. A mais popular: cidade de Nova Lisboa (apelando aqui ao saudosismo colonial dos que se entusiasmam com memórias dessa ordem); cidade palco de um dos conflitos mais sangrentos da história recente de Angola – a guerra dos 55 dias, para os que se perguntam todos os dias, afinal de contas quem é o angolano.
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Estou no Planalto Central, no Huambo, cidade de gente humilde, pacata, culta e de uma religiosidade contagiante. De clima temperado e de designações várias. A mais popular: cidade de Nova Lisboa (apelando aqui ao saudosismo colonial dos que se entusiasmam com memórias dessa ordem); cidade palco de um dos conflitos mais sangrentos da história recente de Angola – a guerra dos 55 dias, para os que se perguntam todos os dias, afinal de contas quem é o angolano.
Não é um Huambo qualquer este que agora se revela diante de mim, mas sim um Huambo renascido das cinzas e a caminho do progresso. E, como tudo aquilo que nasce de novo, comove. Percorro as ruas em procissão, admirando os feitos, lamentando os sonhos falhados ou adiados e, claro, detendo-me contemplativo diante de todo e qualquer vestígio de balas e obuses ainda visível nas paredes alegremente pintadas de fresco, sinto-me, assim como quem contempla frescos da Capela Sistina, pequeno.
E como os que cá vivem passaram uma experiência traumática, me aproximo com uma cerimónia de sacristão, negando-me a curiosidade vã sobre questões do quotidiano actual, para que as histórias de quem sobreviveu à guerra e os dois anos que se seguiram sob o controlo da UNITA, demorassem a passar, tal como me contavam, com adjectivos quase cinematográficos, cenas da vida real. Fuba da Cruz Vermelha com feijão, e o número de vidas que salvou. Os que se foram, acusados de conspiração por carregarem consigo azeite e sal. Filhos da terra, que sobrevoaram estes céus e os números de mísseis que lançaram sobre outros filhos da terra.
Ainda me lembro quando, em Benguela, chegaram os refugiados do Huambo.
“Pois bem, nem todos saíram”. Não pensem, contudo, que a gravidade nas palavras faz parte de um discurso de vítima. Muito pelo contrário, sacudiram a poeira e o cheiro a pólvora. E com o humor de quem já celebrou mais missas de sétimo dia do que baptizados, caminham… não lhes noto nenhuma pressa, deixam-se ir nesse passo do sul, nessa cadência bailunda que se demora tanto no saudar (ualale) como no despedir (lalipô). Sem desperdiçarem uma única piada.
Ainda é tanta a dor, tanta a miséria, tanto o luto que aqui no Huambo compreendi porque o angolano solta primeiro o riso antes da lágrima, e não são raras as vezes que lhe sai tudo ao mesmo tempo. Tornando difícil decifrar o que o aflige e o estado emocional em que se encontra. Quanto lhe perguntamos como tem passado, nos responde com um lacónico “Vamos fazer mais como então?” Como vêem, bem mais complexo, e mais exacto, que um simples “bem” ou “mal”. E nessa resposta se esconde o verdadeiro rosto do angolano.