Um jardim que é uma praia, um lago que é uma piscina

Entre areia, água, chapéus-de-sol, bolas-de-berlim e bandeira verde, só mesmo o sol chegou tarde ao dia de abertura da praia urbana do Jardim do Torel, no coração de Lisboa. Durante o mês de Agosto, há banhos com vista para a cidade.

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Conceição tira as medidas ao aparato: “Está mais bem arranjado. Já conheço isto há 60 anos, é diferente!” Já o presidente da junta olha para o telemóvel e avalia a meteorologia: o sol promete aparecer nos próximos dias. “O primeiro de Agosto é o primeiro dia de Inverno, é o que se diz”, atira Conceição.

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Conceição tira as medidas ao aparato: “Está mais bem arranjado. Já conheço isto há 60 anos, é diferente!” Já o presidente da junta olha para o telemóvel e avalia a meteorologia: o sol promete aparecer nos próximos dias. “O primeiro de Agosto é o primeiro dia de Inverno, é o que se diz”, atira Conceição.

A abertura da praia urbana do Jardim do Torel, em Lisboa, estava marcada para as 10h, mas o sol só a inauguraria verdadeiramente uma hora mais tarde. E estava tudo a postos. O lago artificial setecentista, de onde salta à vista a estátua-sereia de Viana da Mota, deu lugar a uma piscina, e parte do pavimento de cimento que a rodeia encheu-se de areia fluvial e chapéus-de- sol.

Os dois nadadores-salvadores que alternadamente vão vigiar a praia durante o mês de Agosto também compareceram à hora marcada para hastear a bandeira. Aqui, vai ser sempre verde: não há ondas nem marés. Quando muito, mudam para a bandeira axadrezada que avisa os banhistas de que foram almoçar.

Lá no alto do jardim, Carlos Bertão, 53 anos, ainda não foi à cama. É agente da PSP, fez o turno da noite, chegou a casa às 8h00. A mulher e a filha queriam espreitar a novidade e lá vieram, de Santa Apolónia, em busca do Jardim do Torel.

Muitos dos que rumaram na manhã de sexta-feira ao jardim nunca tinham lá estado. Não trouxeram fato de banho? “Não, o tempo não estava muito para isso. Mas hei-de voltar”, promete Fátima Bertão, 48 anos. “O meu marido está a trabalhar e eu não estou para ficar em casa, apanho o autocarro e venho para a praia.” Para Fátima é mais fácil chegar a este areal. É deficiente motora há 21 anos, não tem carta de condução. “Venho para aqui com a miúda, trago um lanchinho e pronto”, diz.

Já Marta Sirgado, 29 anos, está indecisa se voltará com fato de banho ou não. Foi criada no Campo Santana, logo ali ao lado, e ao jardim vem todos os dias: “Venho passear os meus cães, duas a três vezes por dia.” Gosta do que vê, embora estranhe ver uma praia num jardim onde, diz, já viu muitas transformações. Reconhece que nos últimos quatro, cinco anos houve um esforço de requalificação do espaço e vê nesta praia urbana uma possibilidade de levar o Verão a quem não tem possibilidade de se deslocar à praia.

Não será o caso de Domingos Conceição, que, aos 64 anos, já reformado, vem todos os dias com o seu “melhor amigo” de quatro patas ao jardim. A praia, essa, só no Algarve, até porque esta o fez recordar outras intervenções que considera urgentes por aqui. “A casota dos vigilantes não tem luz. Para ler o jornal à noite tem de ser com pilha, no Inverno não podem ligar um aquecedor”, explica. “Casas de banho também não temos, agora há por causa desse aparato”, comenta, referindo-se à praia urbana. Durante o ano, conta, as casas de banho “são atrás dos arbustos”.

Uma estância balnear em Lisboa

A ideia começou com um ou dois chuveiros. No departamento cultural da Junta de Freguesia de Santo António o objectivo era dinamizar aquele espaço, refrescá-lo. Depois, lembraram-se do lago. “Eu próprio quando era miúdo tomava banho neste lago a partir de Maio”, conta Vasco Morgado, presidente da junta. “E não havia tratamento da água. Este mês há um cuidado diferente, depois o lago volta ao normal e quando o segurança vir as pessoas ali dentro vai pedir para saírem. Este mês é a excepção”, explica.

Uma excepção que pode voltar para o ano e até durante um período mais longo, se a experiência correr bem. E para além da praia há parede de escalada e cinema ao ar livre. Até agora, a junta tem razões para celebrar. Logo quando saiu a primeira notícia sobre a intenção de abrir a praia no jardim choveram telefonemas de patrocinadores interessados. No total foram investidos 7400 euros, suportados na totalidade por publicidade, sem custos para o erário público. O dinheiro que tinham para este investimento acabou por ficar nos cofres da junta: “Por baixo de nós está uma escola que precisava de trocar algumas portas. Vamos trocá-las já com a poupança deste dinheiro. Poupamos de um lado, avançamos para o outro.”

Na hora de pensar a parte do negócio, lembraram-se dos agentes locais. “São eles que estão connosco todo o ano”, diz Vasco Morgado. Um restaurante da freguesia montou ali um pequeno bar e uma nova empresa de limonadas vai lançar-se este mês no Jardim do Torel. Nuno Rosário, 31 anos, passou de engenheiro civil a “limoneiro” e espera ganhar os primeiros e fiéis clientes nesta praia urbana. “E sou menino para dar um mergulho”, diz.

Concorrida esteve a banca das Bolas da Praia, que numa manhã vendeu 70 bolas-de-berlim. A entrada na praia, que funciona das 10h às 20h, é grátis, mas limitada a 50 pessoas. A água, assegura a junta de freguesia, vai ser tratada “como em qualquer outra piscina” e com medições diárias do ph. Saltar e mergulhar é que não, diz Nélson Lázaro, nadador-salvador de serviço: “É baixinho, mas dá para dar umas braçadas, refrescar. É esse o objectivo.”

Mariana Rodrigues, 23 anos, veio com um amigo e gostou da experiência, mas queixa-se do desnível de pavimento no centro do lago que, apesar de assinalado, apanhou muitos desprevenidos: “Aquele degrau é perigoso, devia ter uma inclinação maior.”

Ao fundo, recostado numa cadeira de praia novilha em folha, Manuel Correia, 65 anos, observa as crianças que brincam no lago que agora é piscina. “Mas eu já fui à água três vezes”, diz. Mora perto e gostava de ver uma praia assim em cada autarquia do país, sobretudo para os reformados como ele. “Se não estivesse aqui, estava em casa, no quarto. Assim venho, daqui a pouco vou a casa, almoço, e volto à tarde”, explica.” Então, boa praia, Sr. Manuel”. “Boa praia… na cidade!”, responde.