Bailes de aldeia

Quando quero fugir da azáfama da civilização, é para aqui que venho, onde a rede de telemóvel não chega e a internet é ficção científica

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Mellagi/ Flickr

A adolescência é pródiga em delírios. Recordo-me de, nos meus 15 ou 16 anos, partilhar com um primo a fantasia utópica de tornar mundialmente famosa a aldeia dos meus avós. De nome assaz ilustrativo mas enigmático, a Ribeira da Isna está plantada num vale da Serra de Alvelos, no distrito de Castelo Branco, concelho de Oleiros. Quando quero fugir da azáfama da civilização, é para aqui que venho, onde a rede de telemóvel não chega e a internet é ficção científica. Talvez seja por ter passado muitos meses da infância por estas bandas que devo a minha bradicardia a esta paz. Ainda assim, este fim-de-semana houve barulho. Este fim-de-semana houve baile de verão.

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A adolescência é pródiga em delírios. Recordo-me de, nos meus 15 ou 16 anos, partilhar com um primo a fantasia utópica de tornar mundialmente famosa a aldeia dos meus avós. De nome assaz ilustrativo mas enigmático, a Ribeira da Isna está plantada num vale da Serra de Alvelos, no distrito de Castelo Branco, concelho de Oleiros. Quando quero fugir da azáfama da civilização, é para aqui que venho, onde a rede de telemóvel não chega e a internet é ficção científica. Talvez seja por ter passado muitos meses da infância por estas bandas que devo a minha bradicardia a esta paz. Ainda assim, este fim-de-semana houve barulho. Este fim-de-semana houve baile de verão.

Antes de avançar, deixem-me contar-vos que este é um lugar mágico. Aqui a pronúncia entranha-se-nos nas vielas da voz. Deixamos de ser gente da cidade para regressar às origens e somos denunciados pelas palavras gritadas sobre o poder da aparelhagem ranhosa. Este é o sítio em que o avô Acácio nos conta que nunca apanhou uma bebedeira, “a não ser daquela vez que – meu homem, arre poça! – andei aí caído por essas barreiras e o meu pai que Deus tem ainda me gritou das boas”. Este é também o sítio em que a avó Celeste nos incita, com um adágio, a lançar outro livro: “meu menino, quem nunca se aventurou nem perdeu nem ganhou”.

Mas então – dizia eu – estes dias foram marcados pela festa, pelo acontecimento em que as famílias fugidias regressam à terra que os viu crescer, quase como aquela canção do Tony. Durante estes dias, somos forçados a ouvir o som da aparelhagem que, ao contrário do que ocorre no resto do ano, invade a quietude da aldeia. E mesmo quando, ariscos, nos escondemos atrás da montanha para fugir ao ruído pimba, eis que outra encosta nos cospe o barulho aos ouvidos. A música, seja boa ou má, é mesmo ubíqua.

Mas os dias de festa são sempre bons, entregam alegria aos aldeões numa bandeja. É vê-los contentes de tanta gente, e é encontrar os homens duros que combatem herculeamente a gravidade enquanto o peso da cerveja não os atira, finalmente, ao chão. São os bailes de verão os responsáveis por reencontros entre pessoas providas de já curtas memórias, por paixões fugazes que duram dias ou horas e, acima de tudo, por uma boa disposição fora do comum.

Posso nunca vir a cumprir as ânsias da adolescência no que toca à aldeia dos meus avós, por muito que lhe divulgue o nome por estas bandas. Mas sei que a Ribeira da Isna ilustra muito bem, nas festas de verão e no resto, o que se passa por esse interior abaixo, dos cumes de Bragança às planícies algarvias. A função de manter vivos os bailes, essa, é nossa, dos jovens que devem amparar os braços daqueles que já têm pouca força.

Tenho de entregar um sentido obrigado à Bernardete Martins, à Sandra Castanheira e aos demais festeiros, da Ribeira da Isna e de todo o País, por erguerem tamanhas empreitadas. Venham as próximas!