Ser artista é ser precário, intermitente e até “fora da lei”
Sindicato e associação pintam quadro negro do mercado laboral da cultura em Portugal. Há cada vez menos oportunidades e mais precariedade
Ser profissional da cultura em Portugal é, hoje em dia, trabalhar de forma precária, intermitente e até fora da lei. Os recibos verdes tornaram-se regra e os contratos são uma raridade. Há menos trabalho e este é mal remunerado. Os custos sociais são uma obrigação, por vezes insustentável, no orçamento dos que escolheram profissões ligadas às artes. Esta é, pelo menos, a perspectiva daqueles que representam os trabalhadores das artes e do espectáculo.
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Ser profissional da cultura em Portugal é, hoje em dia, trabalhar de forma precária, intermitente e até fora da lei. Os recibos verdes tornaram-se regra e os contratos são uma raridade. Há menos trabalho e este é mal remunerado. Os custos sociais são uma obrigação, por vezes insustentável, no orçamento dos que escolheram profissões ligadas às artes. Esta é, pelo menos, a perspectiva daqueles que representam os trabalhadores das artes e do espectáculo.
Receber menos de 500 euros por mês, mesmo participando em vários projectos, é uma realidade com a qual convivem muitos actores, bailarinos ou músicos em Portugal. A redução do valor dos ordenados é sentida no sector que, nos últimos anos, viu diminuir de forma drástica o investimento público. “Os artistas contam hoje com remunerações muito mais baixas, desde há quatro anos os 'cachets' diminuíram 50%”, afirma Carlos Costa, um dos directores da Plateia – Associação de Profissionais das Artes Cénicas.
Os cortes no financiamento público, menos 17, 39 e 50 por cento nos últimos três anos, representam “uma peça num baralho de cartas que está a desmoronar”, compara Carlos Costa. “Produz-se menos, há menos emprego, menos acesso à cultura, há pessoas que deixam a área e outras que continuam com remunerações muito baixas”, refere. A cultura recebeu, em 2014, 0,2 por cento do Orçamento do Estado. “Um corte brutal”, sublinha Carlos Costa.
À falta de trabalho e baixos salários, juntam-se os custos sociais, uma obrigação que pode se transformar num pesadelo para muitos profissionais. Que o diga Margarida Barata, uma das directoras do Sindicato dos Músicos, dos Profissionais do Espectáculo e do Audiovisual – CENA. “A maior parte das pessoas que procura o CENA tem problemas com a Segurança Social. O mínimo que se pode pagar é 124 euros, o que já é um valor elevado”, explica Margarida Barata, que presta apoio jurídico no CENA. As dívidas acumulam-se, recebem-se cartas com avisos de penhoras e uma das soluções é fazer um plano de pagamento em prestações para tentar regularizar a situação.
Para driblar este problema, muitos profissionais “vivem num jogo de abre e fecha actividade para tentar declarar o mínimo possível”, realça Carlos Costa. Muitas pessoas acumulam pagamentos e só recebem quando abrem actividade nas Finanças, “algumas entidades patronais facilitam e pagam sem recibo, outras só pagam depois de receber o recibo”, diz Margarida Barata, lembrando que estas práticas “destroem a carreira contributiva”, mas “os artistas não vão estar a pensar numa reforma que nem sequer sabem se vão ter”. Apesar de estarem a abdicar da “única regalia” de quem trabalha a recibo verde de forma intermitente.
Carlos Costa afirma que o sector está “fora da lei” e “desregulado”. A lei 4/2008, que estabelece vínculos contratuais em grande parte do trabalho na área, não está a ser cumprida. Os recibos verdes são uma constante e as entidades patronais não pagam os custos sociais aos trabalhadores. “Se fossem cumprir a lei e pagar, fechavam”, lembra Carlos Costa. “Toda a gente sabe que isso acontece, mas fazem de conta que não acontece. Há um pacto de silêncio em torno destas questões e todos vão avançando, à espera de que algo mude, mas com pouca esperança”, conclui.