O mais completo compêndio sobre o que importa saber sobre a Grande Guerra

Cambridge History of the First World War perdurará por certo como a obra de referência obrigatória sobre este tema.

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Soldado francês com um crânio na mão num campo de batalha International Contemporary Documentation Library (BDIC)

O exemplo maior deste facto reside nos três volumes da Cambridge History of the First World War (2013), coordenados por um dos principais especialistas do tema, o grande historiador Jay Winter, professor da Universidade de Yale e autor de obras fundamentais da historiografia das últimas décadas – por exemplo, Sites of Memory, Sites of Mourning: The Great War in European Cultural History (1998).

Reunindo a maioria dos principais especialistas internacionais no tema (ainda que com um criticável predomínio anglo-saxónico), a Cambridge History of the First World War oferece-nos o mais completo compêndio sobre o que importa saber sobre a Grande Guerra e os seus contextos históricos (locais e globais), sobre os principais intervenientes e sobre os acontecimentos centrais que a caracterizaram. A qualidade das contribuições nestes volumes – um conjunto de 73 (sem contar com as introduções e os exaustivos ensaios bibliográficos) – é excepcional. A maioria destes textos combina exercícios de síntese histórica e historiográfica com preocupações de inovação na problematização e na interpretação histórica, oferecendo perspectivas críticas actualizadas sobre as três gerações historiográficas existentes, a começar pela geração de académicos que foram soldados ou funcionários públicos directa ou indirectamente envolvidos no conflito.

O primeiro volume, intitulado Global War, centra-se na “guerra no tempo e no espaço”, visando demonstrar que uma “guerra global requer uma história global”. A primeira parte disponibiliza um conjunto de textos que permite montar, não de modo linear e teleológico, uma “história narrativa” da Grande Guerra, das suas origens até ao seu término e seus “legados”, sem deixar de identificar a globalização do conflito ou os seus impasses. A segunda parte permite fazer uma incursão global sobre os “teatros de guerra”, da frente otomana à mais conhecida frente ocidental, explorando as dimensões aéreas e navais do conflito. A terceira possibilita a identificação das causas, conexões e repercussões globais do acontecimento, incluindo reflexões sobre o papel do Império Otomano, sobre o “enquadramento imperial” e sobre o impacto na América Latina, entre outros aspectos. A quarta parte, por fim, permite compreender o grau extremo de violência, incluindo contra civis, envolvido no processo, com textos sobre “Atrocidades e crimes de guerra” e “Genocídio” (o problema das violações talvez merecesse um destaque maior). Tal como sucede com todos os volumes, o primeiro termina com um conciso mas fascinante “Ensaio visual” por parte do próprio Jay Winter.

O segundo volume, intitulado The State, centra-se na análise do impacto que o conflito teve nas instituições estatias e na sua relação com a sociedade civil num contexto de recorrentes estados de excepção. A primeira parte explora as transformações no poder político, desde as relações civis-militares até aos processos revolucionários e à organização dos sistemas políticos. Na segunda parte, o tema central é o das forças armadas, que aborda questões logísticas, tecnológicas e de táctica e estratégia militar, sem deixar de abordar o importante assunto dos motins e das deserções. A terceira parte ilumina o modo como o conflito global afectou as economias e as finanças, as classes sociais, os espaços e as vivências urbanas ou as sociedades agrárias, e mobilizou certos sectores da sociedade como a comunidade científica. A quarta parte coloca o problema da paz no centro da discussão, explorando tanto os esforços diplomáticos como o papel dos movimentos pacifistas, os seus objectivos, métodos, conquistas e malogros.

O terceiro volume, intitulado Civil Society, oferece um fascinante conjunto de textos que iluminam o papel de várias instituições e práticas sociais que condicionaram e foram condicionadas pelo conflito global. O impacto na vida privada, nas relações familiares por exemplo, é o objecto da primeira parte. A segunda parte centra-se num dos mais importantes assuntos, o problema do género, explorando o modo como o conflito foi marcado por relações de género particulares e, simultaneamente, implicou a transformação dessas mesmas relações, tanto no espaço doméstico e laboral como nos próprios espaços de confrontação. A terceira parte centra-se nas “populações em risco”. O problema dos exilados e dos refugiados e dos vários tipos de minorias, entre outros aspectos, são interrogados. A quarta parte tem o problema da “dor” e do “corpo” como objectos centrais, sem deixar de incluir um fascinante texto sobre as “Práticas do luto”. A sexta parte oferece um riquíssimo panorama das dimensões sociais da vida cultural, aprofundando questões relacionadas com “crença e religião”, com produção literária (de soldados) e a actividade artística em geral, e com a memória monumentalizada. Por fim, a quinta parte debruça-se sobre os “custos e as consequências”.

A par dos clássicos de Paul Fussell, The Great War and Modern Memory (1975), ou de John Keegan, The Face of Battle (1976) – autor do livro que alguns consideram o volume de síntese por excelência sobre o conflito: The First World War (1998) –, Cambridge History of the First World War perdurará por certo como a obra de referência obrigatória sobre este tema.