O que anda a fazer a diplomacia portuguesa?
É verdade que os países desenvolvidos não estão a investir em Portugal e que temos de ir buscar capital à China, a Angola e agora, pelos vistos, à Guiné Equatorial. Cabe-nos alterar estas circunstâncias em vez de nos rendermos a elas.
Comecemos pelo mundo. Hoje, uma das questões centrais da caótica “ordem” internacional em que vivemos é a emergência de novos poderes mundiais que, ao contrário do Ocidente (e da ordem que foi construindo), não colocam na sua agenda externa a questão dos direitos humanos. E isso acontece não apenas com as novas potências que são regimes autoritários, mas com as que são grandes democracias. A Europa e os EUA têm de contar com isso. O Brasil é o exemplo paradigmático. Com o PT de Lula e de Dilma (ajudados pelas mudanças radicais a que assistimos hoje na economia global), a questão geopolítica é aproveitar o declínio ocidental para garantir às novas potências emergentes o lugar na cena mundial a que se acham com direito. Como dizia um sociólogo brasileiro, “o Brasil não quer democratizar o mundo, quer democratizar o poder mundial”. A linha que hoje prevalece no Itamaraty traduz-se no fortalecimento das relações Sul-Sul e já não, como no tempo de Fernando Henrique Cardoso, uma relação Sul-Norte com os grandes pólos de poder ocidental (EUA e União Europeia). Nessa altura, a questão da democracia ainda era forte (o Mercosul foi criado tendo por base o compromisso com os valores democráticos por parte dos países-membros). Agora, com a interpretação que o Brasil fez das consequências da crise financeira para o domínio ocidental, esse vector conta pouco. Brasília olha para a África Ocidental como um parceiro privilegiado. Qualquer diplomata nos pode explicar que, depois do Brasil verde (Amazónia), a nova prioridade é o Brasil azul, ou seja, a valorização estratégica do Atlântico Sul. Os direitos humanos e o bom governo não têm nada a ver com isto. O petróleo é um dos seus grandes trunfos internacionais. A última coisa que passaria pela cabeça de Dilma era ver este objectivo estratégico prejudicado por uma qualquer teimosia de Portugal sobre a questão dos direitos humanos. Com uma agravante, como uma vez disse em Lisboa o principal assessor diplomático de Lula (e de Dilma): “a Europa saiu do nosso radar”.
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Comecemos pelo mundo. Hoje, uma das questões centrais da caótica “ordem” internacional em que vivemos é a emergência de novos poderes mundiais que, ao contrário do Ocidente (e da ordem que foi construindo), não colocam na sua agenda externa a questão dos direitos humanos. E isso acontece não apenas com as novas potências que são regimes autoritários, mas com as que são grandes democracias. A Europa e os EUA têm de contar com isso. O Brasil é o exemplo paradigmático. Com o PT de Lula e de Dilma (ajudados pelas mudanças radicais a que assistimos hoje na economia global), a questão geopolítica é aproveitar o declínio ocidental para garantir às novas potências emergentes o lugar na cena mundial a que se acham com direito. Como dizia um sociólogo brasileiro, “o Brasil não quer democratizar o mundo, quer democratizar o poder mundial”. A linha que hoje prevalece no Itamaraty traduz-se no fortalecimento das relações Sul-Sul e já não, como no tempo de Fernando Henrique Cardoso, uma relação Sul-Norte com os grandes pólos de poder ocidental (EUA e União Europeia). Nessa altura, a questão da democracia ainda era forte (o Mercosul foi criado tendo por base o compromisso com os valores democráticos por parte dos países-membros). Agora, com a interpretação que o Brasil fez das consequências da crise financeira para o domínio ocidental, esse vector conta pouco. Brasília olha para a África Ocidental como um parceiro privilegiado. Qualquer diplomata nos pode explicar que, depois do Brasil verde (Amazónia), a nova prioridade é o Brasil azul, ou seja, a valorização estratégica do Atlântico Sul. Os direitos humanos e o bom governo não têm nada a ver com isto. O petróleo é um dos seus grandes trunfos internacionais. A última coisa que passaria pela cabeça de Dilma era ver este objectivo estratégico prejudicado por uma qualquer teimosia de Portugal sobre a questão dos direitos humanos. Com uma agravante, como uma vez disse em Lisboa o principal assessor diplomático de Lula (e de Dilma): “a Europa saiu do nosso radar”.
2. Podemos também olhar para o que se está a passar na Ucrânia, na nossa velha e boa Europa para compreender o mundo em que vivemos. A União Europeia, que é ainda um colosso económico, verga-se às ameaças de Putin com um à-vontade inexplicável. É verdade que, até agora, tem disfarçado essa tentação, procurando seguir os Estados Unidos na sua estratégia de sanções cada vez mais duras e no crescente isolamento internacional da Rússia. Como é óbvio para qualquer observador, a tragédia do voo da companhia aérea da Malásia deixou Putin ainda mais isolado. E, no entanto, como referem as análises da imprensa europeia, nem esta tragédia conseguiu unir a Europa de forma inequívoca. Aliás, viu-se na última cimeira europeia até que ponto a Rússia divide os europeus e até que ponto alguns governos não conseguem ver para além dos negócios. É verdade que os chefes da diplomacia europeia já decidiram elevar as sanções para o “nível três”. Se passarem à prática, o efeito na economia russa começa mesmo a doer. Terá custos também para a economia europeia que será preciso suportar para que Putin consiga perceber que há coisas que não lhe são permitidas.
E isto conduz-nos de novo à triste cimeira da CPLP. A diplomacia portuguesa pode justificar a sua rendição aos seus parceiros como um imperativo de realpolitik. O que não consegue explicar é o que o país beneficia com ele. Preservar a língua? Essa parte é de gargalhada. Ter acesso a energia mais barata? Isso depende muito mais de uma estratégia europeia que não seja a da pura fragmentação dos mercados energéticos. Finalmente, aquela que o Governo nunca invoca e que é a razão mais forte: Brasília e Luanda queriam assim. Portugal não tinha alternativa? Claro que tinha. Mas a insistência na chamada “diplomacia económica” que Paulo Portas instituiu e que o Governo interiorizou matou a diplomacia política que deve fazer a leitura dos nossos interesses no longo prazo.
A forma como decorreu a cimeira foi, em primeiro lugar, um tremendo fracasso da diplomacia portuguesa. Sabemos como estas visitas de Estado são preparadas ao milímetro com uma antecedência razoável. Lisboa já sabia que não conseguiria travar a entrada de Obiang. Deveria ter uma forma de manifestar a sua reserva, distanciando-se da cerimónia que, entretanto, os seus “amigos” timorenses resolveram alterar. Cavaco opôs-se à entrada de Obiang durante anos. Agora parece que não conseguiu impedir o facto consumado. O facto de Dilma e José Eduardo dos Santos terem faltado podia ter dado ao Presidente a desculpa necessária para não ir. Terá sido a intransigência do Palácio das Necessidades que o deixou sem saída. Como é que a diplomacia portuguesa expôs o chefe de Estado e o primeiro-ministro ao teatro lamentável que se viveu em Díli? Alguém vai ter ainda de explicar tudo isto.
3. Foi a diplomacia portuguesa que, nos anos finais do século passado conseguiu restituir a liberdade aos timorenses. Não foram as tiradas de Paulo Portas a dizer que os timorenses “rezam em português”, o que é duvidoso porque muitos nem sequer falam a nossa língua. O factor decisivo foi a luta do governo português para conseguir colocar Timor na agenda europeia, em nome dos direitos humanos e confrontando a Europa com as suas responsabilidades. Hoje, como se viu, estamos nos antípodas. É verdade que a União Europeia atravessa um dos piores momentos da sua história que ainda não sabemos como vai terminar. Mas há uma coisa que é certa: se Portugal não percebe que a CPLP só será relevante para nós se não deixar cair os princípios e os valores inscritos na sua fundação e se souber dar-lhe um conteúdo que vá para além dos negócios, estaremos sempre do lado dos perdedores. Nos anos 90 era mais simples contar com a Europa. Hoje, é mais difícil. Mas Portugal só pode ter influência na CPLP com o seu estatuto europeu, incluindo aquilo que é específico em matéria de democracia e de direitos humanos. Se não, não vale nada.
Não somos os únicos a abdicar em nome da realpolitik. François Hollande, mesmo depois da tragédia do avião, insiste na venda de um navio Mistral a Moscovo. Merkel está pressionada por uma opinião pública e uma elite empresarial que começa a valorizar mais as relações com a Rússia do que as relações com a América. Em Lisboa, tratam-se os países de Leste, da Polónia aos Bálticos, como uns chatos que já ninguém pode aturar, por darem tanta importância à ameaça que Putin efectivamente constitui. Estamos bem acompanhados, é verdade, mas como não somos nem a França nem a Alemanha (respectivamente, a quarta e a quinta economia mundial), temos de insistir ainda mais numa política externa que sirva os nossos interesse mas também integre os nossos valores de país europeu. Sem isso, Luanda tratar-nos-á como não se atreve a tratar a França. Como “mendigos” à procura de investimentos e de mercados a qualquer custo. É verdade que os países desenvolvidos não estão a investir em Portugal e que temos de ir buscar capital à China, a Angola e agora, pelos vistos, à Guiné Equatorial. Cabe-nos alterar estas circunstâncias em vez de nos rendermos a elas.