Moradores dos bairros municipais não pensam mudar-se e reclamam casas para os "filhos do bairro"

Estes são alguns dos resultados de um inquérito que a Gebalis, empresa municipal que gere os bairros da Câmara de Lisboa, aplicou a 1005 residentes.

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Bairro municipal das Amendoeiras Rui Gaudêncio

O Inquérito de Satisfação Residencial e Participação Cívica aos Moradores dos Bairros Municipais de Lisboa foi aplicado no fim de 2011 e deu origem a um relatório, cujas principais conclusões foram divulgadas na última reunião da Câmara de Lisboa. Este trabalho foi desenvolvido pela Gebalis, a empresa que gere os bairros municipais.

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O Inquérito de Satisfação Residencial e Participação Cívica aos Moradores dos Bairros Municipais de Lisboa foi aplicado no fim de 2011 e deu origem a um relatório, cujas principais conclusões foram divulgadas na última reunião da Câmara de Lisboa. Este trabalho foi desenvolvido pela Gebalis, a empresa que gere os bairros municipais.

Segundo aquele relatório, 84,2% dos inquiridos não pensam mudar de casa e 10,7% admitem fazê-lo, mas “para uma casa social noutro bairro”. Essa “ausência de projectos de mobilidade habitacional”, diz-se no relatório, “contraria as expectativas públicas, e o ideário de rotatividade da habitação social que tem sido veiculado”.

Também no que diz respeito à possibilidade de os inquilinos dos bairros municipais se tornarem proprietários há uma contradição entre aquilo que uns e outros querem. Por um lado, a alienação “é considerada como uma solução para aliviar da administração pública o peso de gestão de uma parte do seu património, bem como uma forma de melhoria da apropriação dos espaços habitacionais”. Mas por outro, verifica-se que 52,6% dos inquiridos afirmaram peremptoriamente não tencionarem adquirir as casas em que vivem.

Quanto às rendas pagas, cerca de 55% dos moradores que responderam a este inquérito consideram o seu valor adequado ao orçamento familiar, enquanto 44,4% acreditam que pagam mais do que deviam. Segundo a Gebalis, o valor médio das rendas era, em 2011, de 83,14 euros, sendo certo que “a dívida de rendas no sector público habitacional constitui uma das maiores preocupações das autarquias e das entidades gestoras”.

Dos inquiridos, só 26% reconhecem ter valores em dívida, embora os dados da empresa refiram que 35,4% das famílias residentes nos bairros municipais estão nessa situação. De notar ainda que 56,3% dos que responderam ao inquérito não concordam com o despejo por falta de pagamento de rendas, algo que a lei prevê que ocorra ao fim de mais de três meses de incumprimento.

Os moradores também não estão de acordo com algumas das novas regras que foram introduzidas no anterior mandato, quando o pelouro da Habitação estava nas mãos de Helena Roseta. De facto, 94,3% das pessoas ouvidas acham que têm o direito de ser transferidas para casas maiores se a família crescer, possibilidade que não está contemplada no actual Regulamento de Gestão do Parque Habitacional.

Um outro regulamento, relativo ao Regime de Acesso à Habitação Municipal, veio, ao impor que a atribuição de casas seja feita através de concurso, acabar com uma prática que imperava na câmara: a de os fogos disponíveis serem entregues a famílias já residentes em habitações públicas, “para resolução de situações de sobrelotação, conflitos familiares e crescimento natural”. Mais uma vez, os inquiridos demonstram estar em desacordo com aquilo que está estabelecido, tendo 86,4% deles dito que a autarquia devia providenciar habitação para “filhos do bairro”.  

E quem são afinal os cerca de 90 mil residentes dos 69 bairros da Câmara de Lisboa? Segundo a Gebalis, a dimensão média das famílias é de 2,8 elementos, havendo “um elevado conjunto de agregados constituídos por cinco ou mais pessoas”, mas também “um significativo número de pessoas que residem sós”. Já a estrutura etária “é bastante semelhante à da população lisboeta”, existindo “uma população envelhecida em que os idosos apresentam um peso muito significativo quando comparados com os mais jovens”.

Quanto às qualificações escolares, diz-se no relatório que este é “um desafio ainda por ganhar” nos bairros municipais. “Nesta dimensão, o afastamento face à população da cidade de Lisboa é muito acentuado e discrimina negativamente estes bairros”, constata-se, apontando-se como prova disso mesmo o facto de apenas 2,1% dos inquiridos terem formação superior.

“Permanece ainda bastante elevada a proporção de pessoas sem escolaridade, que constitui um quinto da população residente”, sublinha-se. “Nos bairros continua a persistir um cenário crítico em termos de escolarização que tem impactos a vários níveis, nomeadamente na redução de oportunidades de inserção no mercado de trabalho e nas formas de participação cívica”.

Significativa é também a taxa de desemprego, de 46,3%. Uma realidade que se traduz no facto de os rendimentos provenientes do trabalho (24,5%) terem menos peso do que a dependência de apoios familiares (37,5%) e de apoios e transferências sociais (37,4%).

Em relação à “satisfação residencial”, verifica-se que 80,8% dos inquiridos estão satisfeitos com as suas casas, 73,6% com os prédios e 67,2% com os bairros. Ainda a este respeito, a Gebalis fala numa “percepção de estigma amenizada”. Isto porque se é verdade que 39% dos residentes disseram que não recomendariam o bairro a um amigo para viver, também é verdade que 89,9% dos inquiridos afirmaram que nunca deixaram de indicar a sua morada para não ficarem mal vistos.    

A vereadora Paula Marques, da Habitação e do Desenvolvimento Loca,l não tem dúvidas de que este inquérito é “um instrumento fundamental em termos estratégicos”, acrescentando aliás que ele já deu origem a "algumas medidas de intervenção no terreno”.