Nunca se viu um Verão assim? Não é verdade
Dos dez verões mais quentes desde 1931, nove ocorreram a partir de 1989, com cinco deles a partir de 2000. O PÚBLICO faz um retrato dos verões em Portugal, com base em dados detalhados do Instituto Português do Mar e da Atmosfera.
Na história dos verões em Portugal, porém, já houve de tudo, segundo dados detalhados disponibilizados pelo Instituto Português do Mar e da Atmsofera (IPMA) ao PÚBLICO. Se os portugueses acham que o Verão de agora está a ser fraco, é porque já não se recordam do de 1977 – o mais frio dos últimos 80 anos. E se acreditam que os verões excepcionalmente quentes são um fenómeno exclusivo das últimas duas décadas, é porque desconhecem que em 1949 o país e a Europa suportaram sufocantes ondas de calor no Verão.
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Na história dos verões em Portugal, porém, já houve de tudo, segundo dados detalhados disponibilizados pelo Instituto Português do Mar e da Atmsofera (IPMA) ao PÚBLICO. Se os portugueses acham que o Verão de agora está a ser fraco, é porque já não se recordam do de 1977 – o mais frio dos últimos 80 anos. E se acreditam que os verões excepcionalmente quentes são um fenómeno exclusivo das últimas duas décadas, é porque desconhecem que em 1949 o país e a Europa suportaram sufocantes ondas de calor no Verão.
De acordo com os dados do IPMA, há uma evidência incontornável: as temperaturas médias em Junho, Julho e Agosto subiram acentuadamente desde a década de 1970. Dos dez verões mais quentes desde 1931, nove ocorreram a partir de 1989, com cinco deles a partir de 2000.
No outro extremo da escala estão os anos 1970. Os três verões mais frios foram os de 1977, 1971 e 1972. E 1978 fica em oitavo lugar. Até o “Verão quente” de 1975 teve mais calor na política do que na meterologia: as temperaturas estiveram, em média, abaixo do normal.
Anos mais frios
A década de 1970, na verdade, encerra um período em que o planeta arrefeceu, depois de ter aquecido no princípio do século XX. Uma das teorias para esse período mais frio está no aumento da concentração de aerossóis na atmosfera, devido ao agravamento da poluição industrial no pós-guerra. “Os modelos [de simulação do clima] não conseguem reproduzir a descida após 1940 sem os aerossóis”, afirma Pedro Viterbo, director do Departamento de Meteorologia e Geofísica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).
Em Portugal, o clima seguiu o mesmo padrão. No Verão, entre 1941 e 1975, a média da temperatura máxima desceu 0,26 graus por década. Já entre 1976 e 2006, aumentou 0,74 graus por década, segundo um estudo da climatologista Fátima Espírito Santo, da Divisão de Clima e Alterações Climáticas do IPMA, juntamente com outros investigadores.
Nesta escalada mais recente, Portugal viveu dois momentos extraordinários. O primeiro foi a terrível onda de calor entre o final de Julho e meados de Agosto de 2003. Fala-se de uma onda de calor quando a temperatura permanece mais de cinco graus acima da média, durante mais de seis dias. Em 2003, no interior do país, a onda chegou a durar 17 dias. No dia 1 de Agosto, na Amareleja, Alentejo, os termómetros atingiram a marca histórica de 47,4ºC. E em Portalegre, a madrugada desse mesmo dia foi como se o sol estivesse a pino: 30,7ºC de temperatura mínima.
A floresta ardeu como palha, em incêndios gigantescos que somaram a a inigualável marca de 425.839 hectares de área queimada. Em duas semanas, o calor causou quase dois mil óbitos a mais do que seria de se esperar naquele período.
Apesar das suas consequências, o Verão de 2003 não foi o mais quente em Portugal, mas sim o quinto – a seguir a 2005, 2004, 1949 e 2010. “Pode não ter sido o Verão com maior temperatura média. Mas foi o que teve a maior e mais intensa onda de calor”, explica Fátima Espírito Santo.
O mais quente foi o de 2005, em que a média temperatura máxima ao longo dos três meses foi de 30,5ºC. Curiosamente, 2005 teve um Inverno rigoroso, com duas ondas de frio em Janeiro e Fevereiro e com as mínimas a descerem aos 12ºC negativos nas Penhas Douradas no princípio de Março.
O Verão trouxe o oposto, com duas ondas de calor logo em Junho e um Agosto incandescente. Mesmo depois de tudo o que ardera em 2003, os fogos consumiram mais 339 mil hectares de florestas e matos.
Parece que foi ontem, mas já se passou uma década desde aquela razia nas florestas. “Estes sítios já estão disponíveis para o fogo e eu diria em grande vulnerabilidade. Há muito combustível acumulado”, alerta o investigador José Miguel Cardoso Pereira, do Instituto Superior de Agronomia.
No passado, houve verões tão quentes como os de agora – 1943 e 1949, por exemplo. Os efeitos sobre os fogos e a mortalidade eram outros. Havia menos combustível para arder e morria-se mais nos meses quentes de qualquer maneira, devido a infecções causadas por microorganismos. Seja como for, os serviços meteorológicos do país não estavam orientados para lidar com fenómenos extremos. “Só em 1998, após a tempestade de 5 de Novembro de 1997 [que matou 11 pessoas no Alentejo] é que o instituto entrou operacionalmente na protecção civil”, recoda Manuel Costa Alves, ex-director do Instituto de Meteorologia e Geofísica – hoje o IPMA. “Não havia briefings, não havia nada, apenas comunicados de rotina. As ondas de calor era como se não existissem”, acrescenta.
Mas existiam e matavam. Entre 12 e 20 de Junho de 1981 houve 1906 óbitos adicionais em relação ao normal. Em 1991, foram 1002 mortes. Só depois de 2003 é que surgiram os planos de contingência para o calor. Mas ainda assim morreram mais 1123 pessoas em 2006, 637 em 2010 e 1684 no ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.
Choveu como se fosse Inverno
Na história dos verões em Portugal, 1988 surge como o mais húmido. Nunca choveu tanto em Junho como naquele ano. Foram 118 milímetros – um valor típico para um mês de Dezembro, no auge do Inverno. O Verão encerrou com 164 milímetros de precipitação, cerca de um quinto da chuva que cai num ano médio em Portugal.
O mais seco foi o de 1996. Em três meses, caíram apenas 15 milímetros de precipitação – um valor que facilmente se atinge numa hora de chuva muito forte.
O sobe e desce dos verões mostram a grande variabilidade que pode haver no clima entre um ano e outro. Mesmo que haja uma tendência de crescimento desde meados dos anos 1970, “isto não quer dizer que todos os valores subam linearmente”, explica o climatologista Pedro Miranda, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Os últimos anos têm sido um retrato disso. Depois de quatro verões escaldantes, entre 2003 e 2006, os dois seguintes foram ligeiramente mais frios do que média. Seguiram-se 2009 e 2010, quentes, depois dois verões próximos da média e 2013 novamente acima do normal.
O ano de 2014, para já, parece estar a jogar na equipa dos verões frios. Junho foi um mês regular, com uma temperatura média apenas 0,06ºC superior ao normal. Mas em Julho, pelo menos até dia 23, as temperaturas médias têm estado substancialmente abaixo do normal, com desvios de 1,37ºC em Lisboa, 1,79ºC em Castelo Branco e 1,94ºC em Montalegre. Em 1977, no Verão mais frio desde 1931, os termómetros estiveram 2,6ºC abaixo do normal.
Para o futuro, os especialistas não têm dúvidas quanto aos verões em Portugal. “Vão ser claramente mais quentes. Não há nenhum modelo climático que não aponte um aquecimento”, afirma Pedro Miranda. Segundo o último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, a temperatura média no Verão na Península Ibérica pode aumentar entre até 1,5ºC em 2100, no cenário mais favorável, ou até 7ºC no pior cenário.
Ao calor pode juntar-se o espectro das secas. “Nas nossas simulações apanhamos pelo menos um episódio com dez anos de precipitação abaixo da média”, afirma Pedro Viterbo, do IPMA. “Não há mecanismo de resiliência que permita resistir a isso. Seria preciso ter barragens três vezes maiores”, ironiza.