Um objecto nunca vive só

O designer Marco Sousa Santos tenta encontrar cenários para contar histórias. Espera que um dia se faça a história do Design em português.

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Marco Sousa Santos atende o telefone — “Vou precisar de mais umas almofadas brancas para a Shell. Arranjam-se?” A Shell está na montra do show room do designer, no número 40 da Rua da Rosa, em Lisboa, e na sua forma feita de contraplacado de folhas de bétula há qualquer coisa de orgânico a fazer lembrar uma concha.

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Marco Sousa Santos atende o telefone — “Vou precisar de mais umas almofadas brancas para a Shell. Arranjam-se?” A Shell está na montra do show room do designer, no número 40 da Rua da Rosa, em Lisboa, e na sua forma feita de contraplacado de folhas de bétula há qualquer coisa de orgânico a fazer lembrar uma concha.

Os nomes das peças aparecem-lhe por acaso, “andam ali, latentes”. Como tudo o resto, num processo criativo que é sobretudo intuitivo. “Desenho muito, mas às vezes só um basta”, diz, e lembra que foi o que aconteceu com esta Shell que, depois de fazer parte de um conjunto de 23 cadeiras que em 2009 mostrou no projecto Workstation na Experimentadesign, um ano depois o levou a criar a marca de mobiliário Branca-Lisboa. “Tentei encontrar um argumento, um cenário para contar histórias. É isso que faz uma marca: mais do que vender produtos, tem uma narrativa”, diz sentado num sofá que se chama Sofá (madeira, aço e tecido da empresa dinamarquesa Kvadrat).

O tema “sentar” interessa-lhe. Nas paredes há Skin penduradas (madeira maciça de faia com revestimento a borracha), a Paper Chair (em aço lacado e aço inox polido), a Aya (faia ou nogueira), a R&B (a rabo-de-bacalhau). “Estou a fazer produtos novos em madeira maciça e metal, e estou concentrado em cadeiras, sofás e mesas.” Vai mostrá-los já em Setembro na feira Maison & Object, em Paris, e logo a seguir na Super Brands, em Londres. Foi também uma cadeira, a Aldoal, um dos primeiros objectos que criou mal saído da faculdade e quando fundou a ProtoDesign, em 1991 (com José Viana).

Se Marco Sousa Santos tivesse de escolher um verbo, iria percorrer o dicionário e parar em f de fazer. Ou de fundar. Fundou a Experimentadesign em 1998 (saiu ao fim de três edições, “zanguei-me”); fez a In’nova na FIL (a feira que pretendia mostrar a ligação à indústria mas acabou por ter só duas edições, em 2003 e 2004); comissariou exposições como Freeze Frame e levou sete emergentes designers do Reino Unido ao CCB, em 2000; entre 2003 e 2005, fez workshops para alunos de Design em Estrasburgo e Lausanne; fez o design da exposição Walkculture, em Berlim, em 2005.

Bárbara Coutinho, directora do Mude, Museu do Design e da Moda, ajuda a explicar: “Ao Marco cabe este papel fundamental enquanto promotor do design nacional, sempre fazendo a ponte com a indústria, o ensino, a comunicação. A ProtoDesign foi pioneira na afirmação de um novo design em Portugal. E, apesar da nossa tardia e incipiente industrialização, ele mostra-nos que há ainda muitos saberes técnicos que são uma mais-valia de um know-how português.”

A Branca-Lisboa aparece na sequência dessa vontade de fazer num país onde, diz o designer, “não há vontade”. Ganhou o seu nome emprestado da luz da cidade que o inspira, “criativa e inesperada”, e é isso que se vê na loja que dá para a rua, “uma fotogenia mágica” que entra pelas quatro portadas.

Mas neste caminho do fazer há entraves vários e Sousa Santos, que tem obra exposta no Victoria & Albert Museum (em Londres) e no MoMA (em Nova Iorque), mostra um espírito crítico: “O design é uma das primeiras indústrias da cultura. Pode criar riqueza. Dependemos dele para evoluir, pagar a dívida. Era muito importante que se desse atenção à cultura do design, o que obviamente não está enraizado na indústria portuguesa.” O que falta? “Políticas adequadas para ligar o design à indústria, instituições que nos promovam, como acontece em França ou Itália. Nem uma revista especializada temos.”

As linhas depuradas, formais, num regresso à matéria-prima — “já estamos longe da profusão gráfica e visual de produtos e ambientes que vivemos nos anos 80 e 90” — levaram-no nos últimos anos à “artesania” que encontrou no Norte do país, onde “há pessoas que tradicionalmente fazem coisas à mão, mas também com o saber do digital, e estão disponíveis para as fazer em pequenas quantidades”.

No seu mobiliário, há sobretudo a marca da memória alentejana, das longas temporadas de férias que passava em casa da mãe, em Viana do Alentejo, por contraponto a quem afirma que é um trabalho com o seu quê de escandinavo. Dá o exemplo da R&B: “É uma estrutura de cadeira que está na memória colectiva dos portugueses, dos europeus em geral. Esta versão que criei está, por exemplo, num restaurante na Áustria.”

Os seus clientes são hoje, “por um lado, com muita pena minha”, o mercado global. “É um cliché da produção portuguesa, mas é verdade. Portugal já vendeu muito design aos portugueses nos anos 90 e vai provavelmente voltar a fazê-lo daqui a uns 20 anos. O contexto da crise, a situação em que se encontra a classe média trouxeram uma mudança de paradigma: se dantes as lojas eram os nossos principais clientes, hoje quem dinamiza o mercado são os gabinetes de arquitectura, os projectistas, os decoradores.”

Bárbara Coutinho olha para a obra de M.S.S. assim: “É um perfeccionista. No seu processo criativo, que é racional, ponderado e metódico, há uma atenção especial à matéria para encontrar a forma mais perfeita possível.”

A ele, o que lhe falta fazer? “Não sei. Mas quero que o projecto Branca-Lisboa tenha a consistência e a perenidade que merece.”