Trégua revela mais cadáveres e uma escala brutal da destruição em Gaza

Mortos são já mais de mil. Durante a trégua foram retirados mais de cem corpos debaixo dos escombros. Israel pode estender cessar-fogo até ao meio da tarde de domingo.

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Durante o dia de sábado foram recolhidos mais de cem corpos o que, juntando às vítimas anteriores, fez subir a contagem total da operação militar israelita em Gaza para mais de mil vítimas. A maioria eram civis, embora houvesse também combatentes entre as vítimas.

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Durante o dia de sábado foram recolhidos mais de cem corpos o que, juntando às vítimas anteriores, fez subir a contagem total da operação militar israelita em Gaza para mais de mil vítimas. A maioria eram civis, embora houvesse também combatentes entre as vítimas.

Em cima de escombros, palestinianos com a cara coberta com lenços tentavam retirar corpos de amigos ou familiares, levando-os a correr em sacos de plástico ou macas até à morgue. “Já tirámos seis e ainda faltam três”, dizia Mohammed Nasser no meio do um monte de cimento, que ia sendo revolvido por um bulldozer. Alguns cadáveres estavam já em decomposição.

A pequena trégua humanitária era breve. Israel concordou estendê-la até à meia-noite deste sábado mas permanecia a incerteza sobre o evoluir da situação. Duas horas após o fim do cessar-fogo, o movimento palestiniano Hamas, que não concordou com o prolongamento da trégua, disparou rockets contra a região de Telavive.

Durante a trégua, os residentes de Gaza apressaram-se a recolher tudo o que podiam de bairros arrasados – em Beit Hanoun, jornalistas descreviam a passagem de colchões, cobertores, fogões a gás carregados em táxis, burros, riquexós, ou mesmo em cima da cabeça de mulheres. Crianças passavam com pequenos sacos perto de um cavalo morto. Tudo sob o olhar dos soldados israelitas, que se mantinham no local prometendo não disparar – Israel disse que continuaria o trabalho de localizar e destruir os túneis usados pelo Hamas durante a trégua.

Ao chegar pela primeira vez à sua rua, havia quem chorasse e parecesse não acreditar ao ver um manto de escombros onde antes estava uma construção, uma vida, uma casa. Uma amálgama cinzenta era pontuada por um ou outro objecto a lembrar que ali se vivia, como um microondas partido. Cabos de electricidade, sem apoio dos postes, serpenteavam pelo chão.

“Esperava talvez que tivesse sido atingida por uma granada que tivesse provocado alguns danos”, dizia Akram Qassim, 53 anos, em frente à cratera no local onde antes estava a sua casa de três andares que partilhava com dois irmãos e as suas famílias. “Isto foi um terramoto.”

Ruas silenciosas
O Washington Post notava um silêncio que marcava a escala da incredulidade. “Muitas ruas estavam quase calmas. As mulheres não soltavam lamentos. Os homens pareciam apáticos.”

Siham Kafarneh, 37 anos, era uma destas pessoas. Sentada à entrada de uma pequena mercearia, chorava baixinho o desaparecimento da sua casa. Tinha poupado durante dez anos para ela, contou ao Guardian, e mudara-se há dois meses. “Não restou nada. Tudo o que eu tinha foi-se.”

Num hospital perto, seis doentes e 33 médicos e funcionários do hospital saíam, aliviados, do departamento de radiografia, onde tinham passado a noite anterior, conta por seu lado o New York Times. Marcas de granadas e uma fachada danificada por balas mostravam o bom senso da decisão. Perto, duas ambulâncias do Crescente Vermelho foram atingidas, deixando um paramédico morto e outro ferido com gravidade.

O jornalista da BBC Ian Pannell visitou o bairro de Shajaya, em Gaza, um dos mais afectados por fortes bombardeamentos israelitas.

“É simplesmente espantoso – vê-se a destruição mais devastadora: edifícios completamente pulverizados, carros atirados a 50 metros no ar ficaram em cima de prédios, fachadas de edifícios de apartamentos desapareceram completamente”, enumera, no meio de escombros de pó cinzento e ruínas da mesma cor. O que não se vê: “O ar está pesado com o cheiro da morte.” As pessoas tentam recuperar corpos e bens, “e, francamente, sair daqui”, conclui.

Outros pensavam no que poderia ter acontecido. Olhando para a metade que restava da sua casa, Rami Sukar dizia: “Foi um milagre termos saído daqui vivos.”

Noutra parte do bairro, havia pessoas desesperadas por notícias de familiares desaparecidos. Rami Hatem Wahdan regressou depois de ter sido detido, há uma semana, por militares israelitas, junto com os homens adultos da família – as mulheres, um avô e três sobrinhos adolescentes ficaram para trás. Depois de dois dias detido, os combates impediram-no de voltar a casa. Conseguiu falar com a família por telefone uma vez. Agora está em frente à sua casa, arrasada, e não sabe o que pensar. “Onde está a Cruz Vermelha? O Crescente Vermelho?”, pergunta num frenesim.

Pouco antes da entrada em vigor da trégua humanitária, os dois lados extremaram os combates. Grande parte da destruição descrita no Sul de Gaza foi provocada por bombardeamentos nas últimas horas, entre a noite de sexta-feira e a madrugada de sábado, muitos deles já depois de acordada a trégua, mas antes da sua entrada em vigor. Foi o caso do bombardeamento da cidade de Khan Younis, já no sábado, em que morreram pelo menos 18 membros da mesma família – que se tinham deslocado para aquele local para fugir aos combates. Do lado de Israel, morreram mais dois soldados, levando o total de baixas militares na operação de Gaza a 40. Nas últimas semanas morreram ainda dois civis israelitas e um trabalhador agrícola tailandês, vítimas de rockets do Hamas.

Os esforços de Kerry
Os esforços diplomáticos continuavam para tentar um acordo duradouro, desta vez desde Paris,  onde decorreu um encontro internacional com o secretário de Estado norte-americano John Kerry e os seus homólogos de França, Reino Unido, Alemanha, Itália, Turquia e Qatar. Kerry tem liderado, junto com o secretário-geral da ONU, esforços de uma mediação tornada mais difícil não só pelos dois lados, no seu terceiro combate em cinco anos, como pela mudança no panorama local, especialmente no Egipto, que agora considera o Hamas um risco de segurança, e que é essencial na exigência dos palestinianos em aceitar um cessar-fogo apenas se terminar o bloqueio à Faixa de Gaza.

John Kerry falou em “passos” na direcção de um acordo, mas tanto Israel como o Hamas continuavam a mostrar posições muito diferentes.

Para já, os responsáveis apelaram, de Paris, a mais uma extensão da trégua por um período adicional de 12h, prolongando o cessar-fogo até à tarde de domingo. Israel estaria a tender para aceitar, embora comentadores sublinhassem que o Hamas iria usar o tempo de trégua para se reagrupar e preparar novos ataques.

Por outro lado, media israelitas davam também conta de mensagens aos soldados estacionados perto de Gaza para estarem preparados para o combate. O ministro da Defesa de Israel, Moshe Yaalon, declarou: “no final da operação, o Hamas terá de pensar muito bem se vale a pena provocar-nos no futuro.” Jornalistas lembram que a última trégua humanitária de três horas foi seguida de uma grande intensificação da ofensiva por parte de Israel.

Passava um minuto das 20h no território, a hora em que segundo o acordo original expiraria a trégua, quando foram disparados três projécteis contra Israel. Pouco antes, o Governo israelita tinha dito que a trégua humanitária seria prolongada mais quatro horas. O diário hebraico Yedioth Ahronoth dizia que não era claro se o disparo era uma violação do cessar-fogo já que a extensão da trégua não tinha sido formalmente anunciada. De qualquer modo, acrescentou, Israel não respondeu.

O exército do Estado judaico tem dito que precisa de mais uma a duas semanas para descobrir e destruir os túneis do Hamas – até agora foram descobertos 31 túneis e metade foram destruídos.

Em Israel, aproveitando também a curta trégua, e contra os avisos da polícia que pediu aos habitantes para se manterem nos abrigos, muitos residentes do Sul de Israel aventuraram-se fora de paredes seguras, visitando soldados no hospital e ajudando na apanha de legumes de campos não protegidos, descreve o New York Times.

Os danos para Israel, para além do número de baixas militares, mais alto do que era antecipado, foram sobretudo económicos, com muitas viagens de turismo canceladas.

Na Cisjordânia, a violência continuava em lume brando, mas a provocar mortes. O maior território palestiniano tinha-se mantido calmo, mas manifestações na quinta-feira com motins marcaram uma viragem. Desde então, morreram nove palestinianos, a maioria em violência ligada a protestos em solidariedade com Gaza.