“Não há literalmente nenhum lugar seguro para os civis” na Faixa de Gaza
Segundo a ONU, os civis são pelo menos 75% das 620 vítimas palestinianas da ofensiva lançada por Israel no dia 8 de Julho. A UNICEF conta 121 crianças com menos de 18 anos mortas.
As palavras de Mansour em Nova Iorque ecoam muitas ditas no mesmo dia, em diferentes pontos do mundo. “Não há literalmente nenhum lugar seguro para os civis” na Faixa de Gaza, disse em Genebra o porta-voz do Gabinete para a Coordenação dos Assuntos Humanitários das Nações Unidas, Jens Laerke.
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As palavras de Mansour em Nova Iorque ecoam muitas ditas no mesmo dia, em diferentes pontos do mundo. “Não há literalmente nenhum lugar seguro para os civis” na Faixa de Gaza, disse em Genebra o porta-voz do Gabinete para a Coordenação dos Assuntos Humanitários das Nações Unidas, Jens Laerke.
No enclave situado entre o Egipto, Israel e o mar Mediterrâneo, vivem 4500 pessoas por km2, 1,8 milhões ao todo. As reportagens dos enviados à Faixa dão conta de famílias que só desde sexta-feira já mudaram de abrigo três ou quatro vezes. “Não há literalmente nenhum lugar seguro.”
Bairros onde o Exército de Israel disse aos palestinianos para procurarem refúgio, como a Cidade Velha da Cidade de Gaza, não escapam aos ataques. Na segunda-feira à noite, um edifício de oito andares foi atingido, acabando por desabar quando as equipas de resgate estavam lá dentro, matando mais pessoas, descreve o jornal The New York Times. Com 13 mortos confirmados, a enviada Anne Barnard escreve que ainda estava a ser retirada gente dos escombros.
Segundo a ONU, os civis são pelo menos 75% das 620 vítimas palestinianas da ofensiva lançada por Israel no dia 8 de Julho (e que passou a envolver uma invasão terrestre a partir de dia 18). A UNICEF contava na terça-feira à tarde 121 crianças com menos de 18 anos mortas, para além de 900 crianças feridas.
Quando Barnard foi à casa da família Abu Jameh, onde 25 pessoas morreram enquanto jantavam – durante o Ramadão, os muçulmanos praticantes quebram o jejum em conjunto, logo depois do pôr-do-sol –, percebeu que dos que lá viviam só sobreviveram quatro pessoas. Três homens tinham saído para rezar e o pequeno filho de um dos sobreviventes, Tawfiq Abu Jameh, salvou-se debaixo do corpo da mãe. “As crianças mortas iam dos quatro meses aos 14 anos e incluíam um órfão adoptado cujo pai tinha sido morto num ataque israelita”, escreve Barnard.
Outro sobrevivente, Bassam Abu Jameh, perdeu a mulher, Yasmin; dois irmãos; e três filhos, com cinco, três e um ano. “Não sobra nada”, disse à jornalistas, olhos vermelhos e uma perna partida. “Para nós, é o fim.”
O bairro de Shajaya, o subúrbio leste da Cidade de Gaza onde perto de 100 palestinianos foram mortos no domingo, começou por ser considerado seguro. Depois, os israelitas descobriram que era “uma fábrica de bombas”. Alguns dos que para lá tinham fugido e sobreviveram voltaram, naturalmente, a fugir. Para a capital do território, para uma das 77 instalações que a ONU abriu para receber civis e onde já estavam na última contagem 118 300 pessoas (aqui só se oferece chão, cobertores e comida mas começam a faltar “rações de alimentos prontos a comer”), para descampados. Ou para a igreja ortodoxa grega de São Porfírio.
Campas destruídas
O arcebispo Alexios de Gaza contou ao jornal britânico The Guardian que abriu as portas a quem precisava e colabora com uma mesquita vizinha. “Entre nós, estamos a tomar conta de umas mil pessoas”, todas muçulmanas. Primeiro eram dezenas, depois centenas. “As pessoas começaram a chegar no domingo, mais e mais, claro que nem pensámos na missa. Agora, isto é de doidos”, explica Alexios, que deu a quem pôde água, cobertores e dinheiro para comida.
Na noite de segunda para terça-feira, Alexios não dormiu porque “os bombardeamentos eram muito fortes e as crianças estavam a chorar”. A zona da igreja, que incluiu um pequeno cemitério, foi alvo de ataques das forças israelitas: “as paredes de uma escola protestante aqui ao lado estão cheias de buraquinhos provocados por munições que explodiram, as campas estão abertas ou completamente destruídas”, lê-se no jornal.
Alexios não acredita que Israel “tencionasse atacar a igreja”, explicando que esta fica a apenas um quilómetro de Shajaya. Um padre mais novo, Amfirohios, discorda. “O Exército israelita sabe onde nós estamos”, disse ao jornalista Peter Beaumont.
O que muitos – palestinianos e não só – têm notado é que Israel já matou tantos membros do Hamas (incluindo os seus sucessivos líderes) com ataques precisos e nesta ofensiva parece estar a correr mais riscos, mesmo se cada ataque for motivado pela suspeita de que por perto estará algum líder do movimento palestiniano ou do seu braço armado, as Brigadas Ezzedin al-Qassam. Certo é que Israel já perdeu 27 soldados (e dois civis), o maior número de baixas que sofre desde a guerra com o Hezbolah libanês, há oito anos.
Morre-se e nasce-se
A Organização Mundial da Saúde (OMS) avisa que a falta de água, electricidade e tratamento de esgotos está a provocar uma emergência de saúde. Recorda que dos 18 centros de cuidados hospitalares atingidos por Israel, incluindo três dos maiores hospitais da Faixa, muitos não puderam voltar a funcionar.
Sobre o último hospital onde caíram bombas, o Al-Aqsa, na segunda-feira, a Cruz Vermelha descreve que foi “atingido pelo menos quatro vezes” e deixou de funcionar completamente. Morreram no ataque quatro pessoas, 50 ficaram feridas.
A UNICEF também alerta que pelo menos 107 mil crianças estão a “precisar de apoio psico-social urgente por causa dos traumas que têm experimentado, como a morte, ferimentos ou a destruição da suas casas”. No mosteiro do arcebispo de São Porfírio também já se nasce. Na segunda-feira, “uma mulher teve um bebé, uma nova vida”, contou Alexios à Reuters. “Há morte mas também há vida.”