O empreendedorismo também tem causas sociais e o João Vítor é uma delas

São jovens, ainda na casa dos 20. Estudaram empreendedorismo mas, em vez de um negócio, criaram um projecto de solidariedade. Os seus "clientes" são os miúdos. Crianças a quem a saúde trocou as voltas mas que não poupam em alegria de viver.

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“A nossa maior preocupação, por enquanto, é a integração dele na escola, se está adaptada às sua necessidades e se têm capacidades para o ajudar”, diz a mãe de João Vítor, Claudina Baptista. “Não temos medo da interacção dele com outras crianças porque ele é muito sociável, dá-se bem com toda a gente, mas precisamos que ele tenha o mínimo de condições, alguém a acompanhá-lo, porque ele não consegue ser autónomo”.

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“A nossa maior preocupação, por enquanto, é a integração dele na escola, se está adaptada às sua necessidades e se têm capacidades para o ajudar”, diz a mãe de João Vítor, Claudina Baptista. “Não temos medo da interacção dele com outras crianças porque ele é muito sociável, dá-se bem com toda a gente, mas precisamos que ele tenha o mínimo de condições, alguém a acompanhá-lo, porque ele não consegue ser autónomo”.

Pode não conseguir andar, mas isso não impede João Vítor de se deslocar: rebolando, vai a todo o lado e até futebol joga com as mãos. “Eu e o Simão somos os melhores jogadores do mundo”, grita triunfante, depois de marcar mais um golo. Simão é o irmão mais novo, de apenas quatro anos. Olha calmamente para o irmão enquanto vai retirando carrinhos do chão por onde o irmão passa, para que ele não se magoe. “Toma, mais um! Estou a ganhar!”, grita outra vez, ainda mais alto, com alegria na voz. Como ainda tem fôlego para tanto não se sabe.

“Os meus filhos ajudam-me muito, a minha família tem-me apoiado incondicionalmente, se não fossem eles, mal conseguíamos sobreviver”, afirma Claudina. João Vítor e Simão têm ainda outros irmãos mais velhos, de 23 e 15 anos, que não vivem em casa com a família.

João Vítor não tem direito a apoios sociais, apesar dos vários apelos dos pais aos serviços sociais. Durante um breve tempo, teve direito a apoios, que foram depois retirados. Agora a família deve mais de 800 euros à Segurança Social, que são incapazes de pagar.

Por 16 vezes foi-lhes negado apoio financeiro. João Vítor não se qualifica por a família ter “rendimentos ilíquidos mensais superiores a 40% do valor do indexante dos apoios sociais”, cujo valor máximo é de 419,22 Euros.

“Eu sou bate-chapas, pinto carros e faço uns biscates, a mãe dele tem de ficar com o João em casa, não pode ir trabalhar, tem de o acompanhar sempre. Se soubéssemos que a escola tinha condições para o receber ainda ela podia arranjar qualquer coisa durante o horário da escola, e sempre era mais esse dinheiro”, desabafa António Silva, o pai.

A mãe tem de o conduzir à fisioterapia em Leiria pois as unidades de saúde local sofreram cortes que manietaram a sua capacidade de resposta e a família não pode pagar os 200 euros mensais que custa a ambulância dos bombeiros. Devido à incapacidade física do João Vítor (91% segundo o atestado médico), não é possível usar os transportes públicos. Mas não é possível abdicar da fisioterapia. “Se ele falta a uma só sessão fica pior, com mais dificuldade em se mexer”, refere a mãe.

Os pais têm também de pagar as aulas de natação, que eram até há pouco tempo pagas por terceiros. João Vítor adora a água e já andou de barco a motor e praticou vela. É um rapaz cheio de energia e felicidade.

Levem-nos a sério
Guilherme Maia, de 19 anos é o fundador da associação “Portugal: Mais e Melhor”, que está neste momento a angariar fundos para ajudar o João Vítor e outras duas raparigas - Mara Marquitos e Lara Bento.

“Foi um projecto que comecei com um amigo meu italiano”, conta o estudante de Empreendedorismo da Menlo College, nos Estados Unidos. “Foi para uma aula, fiz o site e o Facebook do projecto e quando voltei para Portugal começámos a acção de campanha.”

Com a namorada, Marta Serrano, e os amigos João Baptista, Ângelo Tomás e Inês Bernardes, formam o núcleo fundador da “Portugal: Mais e Melhor”. Contam também com a ajuda de outros amigos em acções de promoção e divulgação.

“O nosso objectivo é ajudar as crianças que não consigam pagar tratamentos médicos ou materiais de recuperação sem a ajuda de terceiros”, diz o fundador da associação que trabalha em conjunto com os pais das crianças para angariar fundos. “Organizamos eventos, torneios desportivos, temos 28 voluntários que nos ajudam a recolher dinheiro para as crianças, colocámos mealheiros para cada um em vários estabelecimentos comerciais e por enquanto estamos satisfeitos com os resultados, mas achamos que podemos sempre fazer mais”, sublinha.

Para além destas acções directas, a organização aceita também doações por PayPal, transferência bancária e faz campanhas na página do Facebook da “Portugal: Mais e Melhor”.

Para João Vítor, a “Portugal: Mais e Melhor” já angariou cerca de 600 euros. A estes juntam-se outros 800 doados por outra associação, um total de 1500 euros distante ainda dos 9600 necessários para a cadeira especial que ele necessita para se deslocar. João Vítor precisa também de um computador especial para conseguir acompanhar os outros alunos na escola e a casa onde vive tem de ser adaptada às suas necessidades à medida que cresce, sem contar com as operações e consultas médicas, algumas das quais não pode ir, como ao pediatra, onde a sua última consulta foi aos três anos de idade.

A organização criada pelos jovens empreendedores só funciona, por enquanto, com estes três casos e na região de Alcobaça, onde está sediada, mas os seus fundadores pretendem expandir o raio de acção, tanto a nível nacional como internacionalmente, a começar pelo amigo italiano de Guilherme, que está para fundar uma organização semelhante na sua terra natal. “Não há limites para a expansão deste projecto”, afirma o seu criador.

“É difícil sermos levados a sério por sermos tão novos”, desabafa Marta Serrano, 24 anos, estudante de Arquitectura. “As pessoas não nos prestam atenção ou pensam que as estamos a enganar, são muito desconfiadas”. Mas referem que têm tido também muito apoio positivo, especialmente da sua faixa etária e de instituições locais.

“No nosso site temos disponível toda a informação sobre as crianças: documentos, atestados, certificados – queremos ter uma transparência total e que as pessoas saibam o que estão a ajudar e quem estão a ajudar, que a ajuda foi recebida” afirma Ângelo Tomás.

Mara Marquitos tem um tumor cerebral inoperável que lhe causou a perda de visão quase total (tem somente 3% de visão no olho esquerdo) e necessita de equipamento especializado para voltar a estudar. Lara Bento sofre de escoliose idiopática infantil e precisa de fazer tratamentos em Barcelona para sobreviver até aos dez anos, altura em que poderá ter cirurgia em Portugal. Em conjunto com João Vítor, são crianças extraordinárias que sempre dependeram da família. A associação pretende ajudá-las a tornarem-se independentes de terceiros para que possam viver como cidadãos autónomos e a crescerem com dignidade num Portugal que dá mais e que também é melhor.

Texto editado por Ana Fernandes