"É um daqueles acontecimentos que podem ter consequências imprevisíveis"
Se se confirmar que avião foi atingido por separatistas armados pela Rússia, pressão sobre Putin vai aumentar. Tragédia também pode ter efeito de abanão positivo no conflito ucraniano.
O que aconteceu é, como disse, ao New York Times, James Collins, antigo embaixador norte-americano na Rússia, “um daqueles acontecimentos… que podem ter consequências imprevisíveis negativas ou positivas”.
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O que aconteceu é, como disse, ao New York Times, James Collins, antigo embaixador norte-americano na Rússia, “um daqueles acontecimentos… que podem ter consequências imprevisíveis negativas ou positivas”.
As trocas de acusações entre os governos de Moscovo e Kiev, que se responsabilizam pela tragédia, parecem dar corpo ao cenário mau, de um agravamento do conflito. Mas não podem deixar de ser vistas no contexto da guerra de propaganda que o conflito no Leste da Ucrânia também é.
“Esta tragédia não teria acontecido se houvesse paz ou se as operações militares no sudeste da Ucrânia não tivessem recomeçado”, disse, numa primeira reacção, o Presidente russo, Vladimir Putin. É “um crime contra a humanidade” cometido por "terroristas apoiados pela Rússia", contrapôs o primeiro-ministro ucraniano, Arseni Iatseniuk.
O Presidente dos EUA, Barack Obama, foi, esta sexta-feira, mais prudente na atribuição de responsabilidades, dizendo apenas que o aparelho foi atingido a partir de território controlado pelos separatistas. Não menos revelante – excluiu uma intervenção militar no terreno. Mas não deixou de afirmar que o sucedido é um apelo ao "despertar" da Europa. Putin, que é acusado pelo Ocidente de instigar o levantamento no Leste da Ucrânia, apelou, numa segunda intervenção, a "conversações directas" para um cessar-fogo. "Todos os lados do conflito devem parar rapidamente os combates e iniciar negociações de paz", disse.
Palavras à parte, se ficar provado que o avião que transportava 298 pessoas foi derrubado pelos separatistas, com armamento russo, um confronto que nunca foi apenas local – o levantamento armado no Leste da Ucrânia é também, por interpostos protagonistas, um conflito entre a Rússia e o Ocidente, principalmente os EUA – a pressão sobre Putin vai aumentar.
“Se a hipótese mais provável se confirmar, quer dizer um disparo dos separatistas, isso vai endurecer as relações entre ocidentais e russos. Como os separatistas não se armaram sozinhos os governos não podem ficar de braços cruzados face a um acontecimento desta dimensão”, considera Camille Grand, director da Fondation pour la Recherche Stratégique, citada pela AFP.
Nesse cenário, o mais provável no imediato seria um aumento das pressões para que a Rússia se demarcasse dos separatistas, o que poderia levar a uma evolução positiva no conflito. Poderia passar por aí o cenário optimista, admitido pelo antigo embaixador Collins, que agora faz parte centro de reflexão Carnegie Endowment for International Peace: a tragédia poderia acabar por ter um efeito positivo, de abanão, na crise ucraniana. “Pode levar a que se decida que é necessária uma abordagem diferente porque as coisas estão a ficar fora de controlo.”
Porém, na falta de sinais claros de uma demarcação dos separatistas, os países ocidentais poderiam optar por um agravamento das sanções económicas contra a Rússia. A chanceler alemã, Angela Merkel, acha que é “demasiado cedo” para isso, até porque ainda não há certezas sobre a autoria do derrube do avião, que poderão apenas vir de uma investigação internacional independente – foi isso que o Conselho de Segurança das Nações Unidas pediu esta sexta-feira, juntando a sua a outras vozes.
O eventual endurecimento da relação ocidental com a Rússia poderia passar pela adopção das chamadas sanções de nível 3, que têm sido invocadas mas provocam reticências a vários países europeus por tocarem nas relações económicas que têm com a Rússia. A AFP recordou alguns exemplos de interesses que os europeus quereriam preservar: as actividades financeiras dos oligarcas russos na City de Londres, contratos de venda de navios franceses Mistral às autoridades de Moscovo, negócios das empresas alemãs na Rússia.