Comissão para a reforma do IRS recomenda supressão progressiva da sobretaxa
Governo deixa decisão final para Outubro e lembra que capacidade de reduzir despesa condiciona o nível dos impostos. Comissão recomenda que escalões do IRS sejam revistos logo que possível.
O grupo de trabalho, liderado pelo fiscalista Rui Duarte Morais, remete a decisão para as mãos do Governo, que por sua vez não assumiu compromissos quanto a um desagravamento em 2015. Na apresentação da proposta nesta sexta-feira, tanto a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, como o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, insistiram que este é o tempo de se iniciar a consulta pública das recomendações, não o momento de serem tomadas decisões.
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O grupo de trabalho, liderado pelo fiscalista Rui Duarte Morais, remete a decisão para as mãos do Governo, que por sua vez não assumiu compromissos quanto a um desagravamento em 2015. Na apresentação da proposta nesta sexta-feira, tanto a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, como o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, insistiram que este é o tempo de se iniciar a consulta pública das recomendações, não o momento de serem tomadas decisões.
Rui Duarte Morais começou por salientar que o nível da carga fiscal depende do nível da despesa pública e que a decisão de reduzir estes dois indicadores “pertence, em última análise, aos eleitores”. O fiscalista assinalou ainda que a decisão sobre o peso que deve ser dado a cada um dos impostos é de carácter político. De qualquer forma, disse, a comissão decidiu apresentar “uma recomendação de natureza técnica” sobre a forma de reduzir a carga fiscal sobre as famílias: “Que se inicie pela progressiva supressão da sobretaxa”.
A actual sobretaxa de IRS foi introduzida em 2013 e mantém-se este ano como uma das medidas de austeridade destinadas a controlar o défice público português. É neste momento de 3,5% sobre o rendimento colectável.
Para além da sobretaxa, a comissão recomenda também que a taxa adicional de solidariedade de 2,5% seja reduzida de forma progressiva.
E que os escalões de taxas do IRS – cinco actualmente – sejam revistos “tão cedo quanto possível”. Isto para que haja um “aprofundamento da progressividade do imposto” e uma melhor “repartição da carga fiscal entre contribuintes”.
Rui Duarte Morais explicou que levou em conta, nesta recomendação, as propostas de redução da carga fiscal sobre o trabalho feitas recentemente pela OCDE e pelo Eurogrupo. Rui Morais disse que as propostas têm como objectivo assegurar uma neutralidade fiscal, “não um aumento da despesa fiscal”. A proposta da comissão vai no sentido de – “se houver margem” – a diminuição do IRS começar “pelo lado da sobretaxa”, disse Rui Morais, considerando que esta solução é do ponto de vista fiscal “uma aberração”. “A sobretaxa é incoerente”, disse.
Antes de Rui Morais apresentar as suas propostas, que incluem outras medidas de simplificação do imposto e a introdução de vantagens aos contribuintes com filhos, a ministra das Finanças e o secretário dos Assuntos Fiscais mostraram muita cautela em relação a futuras decisões de redução de impostos no curto prazo.
Maria Luís Albuquerque disse que a “avaliação da estrutura do IRS” não poderá deixar de ter presente “o actual contexto de consolidação orçamental” e as obrigações assumidas com os parceiros europeus. “A reforma do IRS avança em 2015 e não deve ser vista apenas do ponto de vista de redução do imposto”, disse. Questionada sobre as condições para reduzir a carga fiscal já no próximo ano, a ministra das Finanças respondeu: “Eu gostaria muito de reduzi-la hoje (…), ficaria particularmente satisfeita”, mas “o momento – estamos todos conscientes – depende das condições que ocorram”.
Paulo Núncio afirmou que a reforma do IRS pode “representar o início do processo de desagravamento fiscal nas famílias”, mas não referiu datas. O secretário de Estado assinalou, ainda, que “estas propostas são um ponto de partida e não necessariamente um ponto de chegada”, lembrando que a decisão do Governo apenas começará a ser tomada a 1 de Outubro, depois de recebida a proposta final da comissão. O Governo irá colocar em prática a reforma do IRS através de legislação autónoma em relação ao Orçamento do Estado, para que as medidas entrem em vigor a 1 de Janeiro de 2015.
Quando se iniciavam os trabalhos da comissão de reforma, enquanto a ministra das Finanças procurava refrear as expectativas quanto a um desagravamento dos impostos, ao dizer que o grupo de trabalho não tinha como missão estudar uma descida do IRS, o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, falava na necessidade de se iniciar uma moderação dos impostos. Mas a posição do Governo, garante Maria Luís Albuquerque, é a mesma.
Questionada pelos jornalistas, a ministra rejeitou que no interior do Governo haja dois discursos sobre a redução dos impostos. “Temos todos a mesma visão”, afirmou, admitindo no entanto que pode haver é formas diferentes de os membros do Governo se expressarem.
Acabar com as declarações
Entre as medidas propostas pela comissão de reforma do IRS, Rui Morais deu um grande destaque às que contribuem para a simplificação do imposto. De acordo com o fiscalista, o objectivo é que a grande maioria dos contribuintes (nomeadamente os trabalhadores por conta de outrem) possam ficar dispensados de realizar qualquer declaração, já que esta passa a ser automaticamente preenchida pela Autoridade Tributária.
Rui Duarte Morais assinalou, contudo, que “tal simplificação apenas será possível num sistema que preveja deduções fixas” e “em que não haja a tributação conjunta”. Isto significa que, em vez do sistema actual em que cada contribuinte ou casal vai juntando as facturas com as diversas despesas que podem ser deduzidas no valor do imposto, fica definido um valor fixo de dedução para todos os contribuintes.
O presidente da comissão explicou que com esta medida “se tenderá a beneficiar os contribuintes com menos rendimentos que têm menos capacidade para fazer este tipo de despesas e se tenderá a prejudicar os contribuintes com maiores rendimentos”.
Rui Duarte Morais lembrou que, em 2012, a média de deduções obtida por contribuinte (no que toca a “despesas socialmente relevantes”) foi de cerca de 90 euros, um valor baixo que não justifica o esforço declarativo dos contribuintes e a existência de custos burocráticos significativos relacionados com as deduções à colecta para bancos, seguradoras e outras instituições, que têm de passar informações à Administração Tributária. “O actual sistema é complexo”, disse.
Este especialista confirmou ainda que o número de dependentes passará a ser um factor mais importante na definição do imposto a pagar através da introdução de “deduções fixas por cabeça” e do quociente familiar. Ou seja, o número de dependentes irá passar a contribuir para definir qual o valor do rendimento colectável de cada família.
Outra alteração proposta é que os filhos até aos 25 anos que ainda residam com os pais e que não tenham rendimentos sejam considerados dependentes para efeitos do IRS
Tributação separada dos casais
Outra das recomendações da comissão é a possibilidade de os casais optarem por um regime de tributação separada, algo que actualmente não é permitido, sendo Portugal um dos poucos países da UE em que tal acontece.
Hoje, as pessoas unidas de facto podem entregar a declaração de IRS em separado, o que não acontece com os casados, que estão obrigados à tributação conjunta. Rui Duarte Morais defendeu ser preciso eliminar esta diferença de tratamento e considerou ainda que a medida tem a vantagem de simplificar o próprio imposto.
No anteprojecto, a comissão propõe que a tributação separada seja a regra, tendo os contribuintes casados ou em união de facto a possibilidade de optar pela tributação conjunta. Combinada com a proposta que altera o regime de deduções à colecta, esta mudança facilitaria e simplificaria o cumprimento das “obrigações declarativas”, defende a comissão.