Tiro ao lado
Depois de Autobiography, o anticlímax: um disco desnecessário do ex-Smiths
, aquela gloriosa colisão da miséria Morrissey com guitarras punk, parece de uma galáxia longínqua (saudades de 2009). Mas Morrissey não esteve parado nestes longos anos, lançando, em 2013, aquele que é o seu objecto mais importante em nome próprio, o livro com a história da sua vida: a fundamental
Autobiography.
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, aquela gloriosa colisão da miséria Morrissey com guitarras punk, parece de uma galáxia longínqua (saudades de 2009). Mas Morrissey não esteve parado nestes longos anos, lançando, em 2013, aquele que é o seu objecto mais importante em nome próprio, o livro com a história da sua vida: a fundamental
Autobiography.
É tentador dizer que World Peace Is None of Your Business, porventura o menos autobiográfico disco do ex-Smiths, só podia ter sido feito depois de Morrissey, hoje com 55 anos, ter expurgado os seus demónios naquelas quase 500 páginas. Ouvimo-lo em Kiss me a lot a repetir “Kiss me all over and then/ When you’ve kissed me,kiss me all over again” e pensamos se este será o mesmo letrista que pedinchava, feito rei da autocomiseração, “So, close your eyes/ And think of someone you physically admire/ And let me kiss you” (no álbum de 2004 You Are The Quarry).
Posto assim, poderíamos acreditar que este novo álbum acrescenta mistério e dimensões à persona Morrissey. Mas World Peace Is None of Your Business falha: boa parte das letras aponta o dedo acusatório, outrora virado para o próprio Moz, para o outro, a sociedade, os políticos (“Each time you vote you support the process”, canta na canção-título), com menos subtilezas, menos libelos irónicos velados, menos provocação.
A música acompanha o (relativo) falhanço. Ao lado de Morrissey está um cúmplice, Gustavo Manzur, que vai a todas: sintetizadores, trompete, acordeão, didgeridoo (!), guitarra flamenca… Será sobretudo da última de que se falará quando se falar deste disco. Ela pontua Kiss me a lot de romance latino; ela mistura-se com guitarrawah-wah na mixórdia de Earth is the loneliest planet (e só conseguimos ter saudades de Johnny Marr); ela surge num solo em Neal Cassady drops dead, contrastando com demolidores riffs de guitarra (o rock mais macho, que já andava em Years of Refusal com resultados felizes, é aqui distracção, maneirismo inconsequente); ela está um pouco por todo o lado.
Não é que não haja momentos em que reconhecemos o génio de Morrissey (Staircase at the university lembra a felicidade gingona de alguns temas dos Smiths, mesmo com aqueles trompetes e aquela guitarra flamenca à solta no final; The bullfighter dies põe o Morrissey deprimido e vegetariano hardcore numa curiosa jornada em Espanha: “Mad in Madrid/ Ill in Seville/ Lonely in Barcelona/ Then someone tells you/ and you cheer/ Hooray, hooray/ The bullfighter dies”), mas facilmente os esquecemos quando somos obrigados a atravessar uma canção como Smiler with knife — baladona despida (guitarra e voz), Morrissey unidimensional, sem graça, nem veneno.
Depois de Autobiography, talvez tivesse de haver um anticlímax: World Peace Is None of Your Business é, definitivamente, um disco desnecessário.