Omissões, cedências e fraquezas da coordenadora dos novos programas de Português
A proposta de textos do Programa rasura a presença de autores como Sophia e Pessoa.
De facto, não se trata de discutir se a obra da grande escritora que é Sophia sai do programa, o que é um problema mal colocado, como vamos mostrar a seguir, mas verificar por que razão a equipa que a professora Helena Buescu coordenou não teve a coragem de introduzir o estudo da autora de "Livro Sexto" de forma explícita no novo programa do Secundário. Mas a falta de coragem desta professora, que deveria exercer a responsabilidade de pensar bem antes de escrever ou de coordenar equipas, tem, infelizmente, antecedentes – ainda em 2012, uma equipa de que fez parte propôs "Um cânone literário para a Europa" (Edições Húmus) e nessa antologia, organizada no âmbito de um projeto europeu, a ausência de Fernando Pessoa é uma omissão incompreensível, absurda e escandalosa. Deste ponto de vista, de que serve o novo Programa de Português defender que se deve "sublinhar o potencial de criação representado na leitura dos clássicos, enquanto corpus seleto de textos que nunca estão lidos" (p. 7), afirmação com a qual não podemos estar mais de acordo, se a proposta de textos do Programa e daquela antologia apaga e rasura a presença de autores absolutamente clássicos como Sophia e Pessoa?
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
De facto, não se trata de discutir se a obra da grande escritora que é Sophia sai do programa, o que é um problema mal colocado, como vamos mostrar a seguir, mas verificar por que razão a equipa que a professora Helena Buescu coordenou não teve a coragem de introduzir o estudo da autora de "Livro Sexto" de forma explícita no novo programa do Secundário. Mas a falta de coragem desta professora, que deveria exercer a responsabilidade de pensar bem antes de escrever ou de coordenar equipas, tem, infelizmente, antecedentes – ainda em 2012, uma equipa de que fez parte propôs "Um cânone literário para a Europa" (Edições Húmus) e nessa antologia, organizada no âmbito de um projeto europeu, a ausência de Fernando Pessoa é uma omissão incompreensível, absurda e escandalosa. Deste ponto de vista, de que serve o novo Programa de Português defender que se deve "sublinhar o potencial de criação representado na leitura dos clássicos, enquanto corpus seleto de textos que nunca estão lidos" (p. 7), afirmação com a qual não podemos estar mais de acordo, se a proposta de textos do Programa e daquela antologia apaga e rasura a presença de autores absolutamente clássicos como Sophia e Pessoa?
Para demonstrar o que dissemos, verifique-se ainda o seguinte:
1) Em relação à indicação que Sophia não era "objeto do ensino explícito nos programas de Português, basta constatar o que no 10.º ano se afirma a nível da leitura literária – "poesia lírica: Poetas do século XX (breve antologia)". Ora isto pressupõe que o professor possa escolher qualquer poeta do século XX.
Recorde-se que no programa que entrará em vigor se afirma o seguinte, a nível da Educação Literária do 12.º ano, "Poetas contemporâneos": "Escolher, de três autores, 4 poemas de cada: Miguel Torga, Jorge de Sena, Eugénio de Andrade, Alexandre Ramos Rosa, Herberto Helder, Ruy Belo, Manuel Alegre, Luiza Neto Jorge, Vasco Graça Moura, Nuno Júdice, Ana Luísa Amaral."
Como se percebe, esta lista, obriga os professores a fazer uma escolha exclusivamente entre esses autores, não nomeia sequer o nome de Sophia, cuja entrada recente no Panteão Nacional foi absolutamente unânime, o que é raro acontecer em Portugal. Assim, mesmo que o professor optasse por escolhê-la (como poderia fazer no programa que deixará de estar em vigor), não o poderá fazer com o novo Programa, que não permite a intransigente atitude ética que Sophia defende, como poeta, na sua "Arte Poética II”: para a autora de "Contos Exemplares", a poesia "pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar. Pede-me uma intransigência sem lacuna."
2) Também se lamenta que a senhora coordenadora não tenha prestado atenção às declarações que foram feitas, já que se referiu que Sophia continuava nos programas do Básico desde o 5.º até ao 9.º anos.
3) Em relação à referência a Sophia e à sua obra "Navegações," lembra-se que ela surge no Projeto de Leitura, que só indiretamente tem a ver com o programa propriamente dito, como se pode constatar:
"O Projeto de Leitura, assumido por cada aluno, deve ser concretizado nos três anos do Ensino Secundário e pressupõe a leitura, por ano, de uma ou duas obras de outras literaturas de língua portuguesa ou traduzidas para português, escolhida(s) da lista apresentada neste Programa.
Este Projeto tem em vista diferentes formas de relacionamento com a Educação Literária, tais como: confronto com autores coetâneos dos estudados; escolha de obras que dialoguem com as analisadas; existência de temas comuns aos indicados no Programa. Podem ainda ser exploradas várias formas de relacionamento com o domínio da Leitura, nomeadamente a proposta de obras que pertençam a alguns dos géneros a estudar nesse domínio (por exemplo, relatos de viagem, diários, memórias). A articulação com a Oralidade e a Escrita far-se-á mediante a concretização de atividades inerentes a estes domínios, consoante o ano de escolaridade e de acordo com o estabelecido entre professor e alunos."
Como se compreende facilmente, este Projeto de Leitura nunca será objeto de avaliação externa, o que não acontece com a rubrica de Leitura Literária, que apresenta um caráter de obrigatoriedade. É lamentável, por isso, que a professora Helena Buescu tenha de referir as leituras complementares previstas no Projeto de Leitura para poder dizer em público que Sophia não "desaparece do programa" do Secundário. É demasiado pouco e revela uma 'fidelidade' aos clássicos realmente pouco corajosa. É a falta dessa "intransigência sem lacuna" que não podemos deixar de lamentar a alguém com a sua responsabilidade.
Presidente da Associação de Professores de Português