Arquivo de Álvaro Siza pode ir parar ao Canadá
Arquitecto do Pavilhão de Portugal e do Museu de Serralves confirma negociação com o Centro Canadiano de Arquitectura, em Montreal, mas diz que está tudo ainda por decidir.
O arquitecto confirmou esta quarta-feira ao PÚBLICO estar “em conversações” com esta e outras instituições de diferentes países com o objectivo de “decidir o futuro a dar” aos seus arquivos. Mas recusou nomear as outras, e também não disse se entre elas se encontram entidades portuguesas.
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O arquitecto confirmou esta quarta-feira ao PÚBLICO estar “em conversações” com esta e outras instituições de diferentes países com o objectivo de “decidir o futuro a dar” aos seus arquivos. Mas recusou nomear as outras, e também não disse se entre elas se encontram entidades portuguesas.
“Não posso avançar nada, porque ainda não decidi nada, nem sei quando é que isso vai ser decidido”, adiantou Siza.
A informação de que parte considerável do acervo do mais mediático arquitecto português, de 81 anos, prémio Pritzker em 1992, poderá vir a sair do país já corre, desde há algum tempo, nos meios da arquitectura, provocando o debate e alguma inquietação. Mas a informação continua a ser muito escassa, e o autor do Pavilhão de Portugal estará a tentar assegurar as melhores condições de salvaguarda dos testemunhos da sua obra — desenhos, maquetas, fotografias e outros documentos… —, procurando fora do país uma alternativa à falta de condições internas para o efeito.
“Nunca ninguém se preocupou”
“Nunca ninguém se preocupou com os meus arquivos e com a minha arquitectura; agora é que começam a fazer-me perguntas”, realçou Siza. “Tenho sido contactado por bastante gente. Estou a conversar e a analisar várias hipóteses, que podem dar desde nada a uma qualquer fundação como destino.”
Contactado pelo PÚBLICO, o CCA, através do seu gabinete de imprensa, não confirmou a negociação com o arquitecto português. “Não temos comentários a fazer. Mas conhecemos a imensa contribuição da obra de Álvaro Siza no mundo da arquitectura contemporânea, e teremos muito interesse em colaborar no processo de salvaguarda e de investigação dos seus arquivos, se essa oportunidade surgir. Mas é prematuro estar a falar disso”, disse a assessora Isabelle Huiban.
A chegar a bom termo esta negociação, os arquivos de Siza irão fazer companhia a outros de figuras grandes da arquitectura mundial, como o norte-americano Peter Eisenman, o italiano Aldo Rossi ou o inglês James Stirling.
À decisão de Álvaro Siza de partir para este processo não terá sido estranho o mal-estar que o arquitecto manifestou, já por diversas vezes, relativamente à falta de atenção que sente no seu país relativamente ao estado de alguns dos edifícios que projectou em solo nacional, como o já referido Pavilhão de Portugal, em Lisboa.
Um dos projectos que ficou pelo caminho foi o da Casa da Arquitectura, que Siza desenhou na década passada para a marginal do rio Leça, em Matosinhos — a sua cidade natal e onde uma casa da sua família, e onde também viveu, foi entretanto transformada pela câmara municipal num Centro de Documentação com o nome do arquitecto.
“O projecto da Casa da Arquitectura acabou, foi anulado, nem sequer foi candidatado [a fundos comunitários]. É aquilo a que se pode chamar um arquivo morto”, lamenta Siza.
A associação Casa da Arquitectura, criada em 2007 também em Matosinhos, tem desde o início do mês de Julho um novo director executivo, Nuno Sampaio. Confrontado pelo PÚBLICO com a eventual saída dos arquivos do arquitecto da Casa de Chá da Boa Nova — que esta sexta-feira, curiosamente, vai ser reinaugurada como restaurante, depois de restaurada —, o novo responsável diz que o projecto da Casa da Arquitectura “está congelado, mas não abandonado”.
“Comigo, inicia-se uma nova fase. A Casa da Arquitectura tem de procurar criar condições para acolher o arquivo de Siza”, realça Nuno Sampaio, mesmo se admite que a situação de crise do país não proporcionará, no imediato, as melhores condições para o efeito.
Sobre a negociação que poderá levar à saída dos arquivos do arquitecto matosinhense para o estrangeiro, Nuno Sampaio limita-se a dizer que “devemos respeitar e salvaguardar a liberdade de o arquitecto Siza fazer o que bem entender daquilo que é seu”. E acrescenta compreender, pela relevância da sua obra, que Siza “queira deixar a sua presença em várias partes do mundo, para além de Portugal”.
Serralves pode ser solução
A mesma compreensão é manifestada pelo presidente da Fundação de Serralves, onde Siza projectou o museu de arte contemporânea (MACS) e, mais recentemente, a readaptação da antiga garagem do Conde de Vizela para acolher o acervo de Manoel de Oliveira — um projecto que “só aguarda o aviso para poder concorrer a apoio comunitário”, explica Luís Braga da Cruz.
O presidente da fundação portuense reconhece ter também já ouvido falar da possibilidade de o acervo do arquitecto do MACS ir para o Canadá. “E sei que a preocupação do arquitecto Siza é que o seu arquivo fique numa das maiores instituições do mundo na área da arquitectura, bem tratado e preservado”, acrescenta Luís Braga da Cruz. Mas faz também notar — e já o comunicou ao arquitecto — que “Serralves está disponível para acolher a parte do arquivo dele que ele entender, e a tratá-lo devidamente”. “Mesmo se a situação económica da fundação, e do país, não é a mais propícia, a gente há-de encontrar solução para isso”, diz o administrador de Serralves.
A relação de Álvaro Siza com o centro canadiano não é nova: em 2012, o arquitecto apresentou numa das duas galerias da instituição em Montreal a exposição Alturas de Machu Picchu, que associou desenhos por si realizados numa viagem, em 1995, a este sítio patrimonial do Peru com imagens registadas no mesmo lugar pelo fotógrafo deste país Martín Chambi. A mostra incluiu ainda esquissos que Siza realizou, em 1977, para o projecto da Quinta da Malagueira, em Évora.
A haver acordo nas negociações actualmente em curso com o CCA, a obra de Siza vai passar a ficar representada em instituições relevantes de quatro países estrangeiros, depois do Centro Pompidou, em Paris, do Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova Iorque e da colecção do arquitecto britânico Niall Hobhouse, em Londres.