Políticas pouco amigas da família
Se Portugal enfrenta um grave problema demográfico, será também decisivo encorajar no âmbito laboral medidas “amigas da família”.
De acordo com esta publicação – estruturada em três partes, uma de análise da fecundidade ao longo das últimas décadas, outra de apresentação e interpretação dos principais resultados do inquérito e uma terceira de reflexão crítica das medidas e das características da fecundidade em Portugal – que recua até meados dos anos 1970 (altura em que em Portugal ainda se assinalava um índice de fecundidade de 2,1 crianças por mulher, o que permitia assegurar a substituição das gerações), em 2012 Portugal registava, no conjunto dos 28 Estados-membros da União Europeia, o mais baixo nível de fecundidade (1,28 crianças por mulher), sendo que em 2013 este índice ainda baixou para 1,21 crianças por mulher. Ainda como refere este estudo, a maioria das pessoas (53,2%) não pensa ter (mais) filhos, o que, adicionando aos que não pensam ter mais filhos aqueles que não pensam ter filhos nos próximos três anos (21,9%), a percentagem sobe para 75,1%. Em síntese, três quartos das pessoas em idade fértil não tencionam ter filhos nos próximos três anos.
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De acordo com esta publicação – estruturada em três partes, uma de análise da fecundidade ao longo das últimas décadas, outra de apresentação e interpretação dos principais resultados do inquérito e uma terceira de reflexão crítica das medidas e das características da fecundidade em Portugal – que recua até meados dos anos 1970 (altura em que em Portugal ainda se assinalava um índice de fecundidade de 2,1 crianças por mulher, o que permitia assegurar a substituição das gerações), em 2012 Portugal registava, no conjunto dos 28 Estados-membros da União Europeia, o mais baixo nível de fecundidade (1,28 crianças por mulher), sendo que em 2013 este índice ainda baixou para 1,21 crianças por mulher. Ainda como refere este estudo, a maioria das pessoas (53,2%) não pensa ter (mais) filhos, o que, adicionando aos que não pensam ter mais filhos aqueles que não pensam ter filhos nos próximos três anos (21,9%), a percentagem sobe para 75,1%. Em síntese, três quartos das pessoas em idade fértil não tencionam ter filhos nos próximos três anos.
Não sendo o problema do envelhecimento da população exclusivamente português – uma vez que é uma tendência transversal aos países da União Europeia até 2050 – este acentuado envelhecimento foi já identificado como o mais marcado na União Europeia das últimas três décadas no Report on the Evolution of the Family in Europe 2009, situação que compromete seriamente o desenvolvimento sustentável do nosso país.
A verdade é que vivemos uma realidade social inquietante: a par de uma persistente tendência de declínio da fecundidade e de um adiamento da maternidade assistiu-se, nas últimas três décadas, em grande medida graças à melhoria verificada nos cuidados de saúde da população, a um envelhecimento evidente da sociedade portuguesa. Esperando-se alterações da estrutura etária da população, que resultam de um contínuo e forte envelhecimento demográfico, a verdade é que, segundo as Projeções de População Residente divulgadas este ano pelo INE, se estima que, entre 2012 e 2060, o índice de sustentabilidade potencial passe de 340 para 149 pessoas em idade ativa por cada 100 idosos, sendo que a população residente em Portugal tenderá a diminuir até 2060, passando de 10,5 milhões de pessoas em 2012 para 8,6 milhões de pessoas em 2060.
Assim urge pensar num conjunto de políticas de apoio à família que devem passar, entre outras, por um reforço de investimento na área da educação, mas também devem incluir um reforço da tutela laboral, apresentando soluções no plano da conciliação entre a vida familiar e profissional. De facto, em Portugal aos problemas de incerteza criados por um nível elevado de precariedade de emprego (contratos a termo e de trabalho temporário) e pela consequente intermitência emprego/desemprego, assim como um nível salarial médio baixo, a crise internacional de 2008 veio acrescentar outros, tais como a destruição de emprego e aumento do desemprego (em especial o desemprego de longa duração), o agravamento das condições laborais, o tendencial aumento do período normal de trabalho, o incremento do subemprego a tempo parcial, a par das severas medidas de austeridade (em particular a pesada carga fiscal sobre as famílias) dos últimos três anos, conduzindo o país a uma dramática situação demográfica.
Por exemplo, segundo os dados do INE, o subemprego de trabalhadores a tempo parcial tem aumentado, a par de uma diminuição de trabalhadores a tempo completo, sendo que também se verificou um aumento do recurso aos contratos de trabalho de duração limitada (contratos de trabalho a termo e de trabalho temporário). Esta situação redobra a precariedade a muitos trabalhadores que, no conjunto, acumulam um contrato de trabalho a termo com trabalho a tempo parcial. Em particular os jovens saem do sistema de ensino caindo numa cadeia de contratações precárias (desde as prestações de serviços, passando pelos estágios e pelos contratos de trabalho de duração limitada e/ou a tempo parcial) que os sujeita a uma forte instabilidade profissional e a baixos salários, ameaçando a possibilidade de equacionar um projeto de família.
Ora entre os direitos fundamentais dos trabalhadores consagrados na Constituição da República Portuguesa (CRP) – que, no seu todo, estabelece uma ordem de valores que têm o seu cerne na dignidade da pessoa humana – conta-se o direito à organização do trabalho de forma a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar (al. b) do n.º 1 do artigo 59.º CRP). Também, nos termos do n.º 1 do artigo 67.º CRP, a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros, incumbindo, designadamente, ao Estado definir e executar uma política de família com carácter global e integrado e, ainda, promover, através da concertação das várias políticas sectoriais, a conciliação da atividade profissional com a vida familiar.
As alterações ao Código do Trabalho introduzidas em 2012 pela Lei n.º 23/2012 de 25 de junho, em matéria de flexibilização da organização de tempo trabalho, propendem a ampliar a duração do período normal de trabalho diário e semanal. É, por exemplo, o caso do banco de horas individual, que permite aumentar o período normal de trabalho diário em duas horas (por exemplo, das oito para as dez horas por dia), atingindo as 50 horas semanais. Assim – e porque um país que não investe no bem-estar das famílias (mormente possibilitando aos pais acompanhar o desenvolvimento dos filhos) não pode, a médio prazo, ambicionar um desenvolvimento sustentável, é, portanto, também necessário que ao nível da Concertação Social não se ignore a importância de adequar a lei do trabalho a uma adequada proteção da família. Até porque, sendo o Código do Trabalho um instrumento de promoção de valores e de interesses reconhecidos como fundamentais para a sociedade portuguesa, é recomendável uma adequada tutela da família, designadamente em matéria de organização de tempo de trabalho.
Se Portugal enfrenta um grave problema demográfico – com repercussões no equilíbrio das contas públicas, no crescimento económico, na competitividade do país ou, ainda, na sustentabilidade do sistema público de Segurança Social – será também decisivo para o futuro social e económico do nosso país encorajar no âmbito laboral medidas “amigas da família” verdadeiramente progressistas, que permitam aos trabalhadores conciliar a vida familiar com o trabalho, designadamente, que promovam progressivamente a redução média dos períodos normais de trabalho diários e semanais.
Professora universitária e investigadora