Livro sobre Salgado relata influência do "Dono Disto Tudo" na política e nos negócios
O último banqueiro -- ascensão e queda de Ricardo Salgado, das jornalistas Maria João Babo e Maria João Gago, do Jornal de Negócios, lançado esta terça-feira, não é um retrato pessoal, mas permite conhecer o homem que esteve à frente do BES mais de 20 anos.
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O último banqueiro -- ascensão e queda de Ricardo Salgado, das jornalistas Maria João Babo e Maria João Gago, do Jornal de Negócios, lançado esta terça-feira, não é um retrato pessoal, mas permite conhecer o homem que esteve à frente do BES mais de 20 anos.
Sobrinho-neto do fundador do banco, Salgado foi escolhido para liderar a área financeira do Grupo Espírito Santo (GES) em 1991, chegando a essa posição pouco antes da primeira fase de privatização do BES, em que a família queria recuperar o banco depois de ter perdido quase tudo com as nacionalizações de 1975. Em Abril de 1992, já com a família com uma posição de relevo no banco, Ricardo Salgado sobe a presidente executivo do BES.
Ao longo de duas décadas, foi "sob a liderança de Ricardo Salgado que o banco da família Espírito Santo se tornou o terceiro maior de Portugal", com o banqueiro a centrar em si cada vez mais poder, decidindo os negócios da família – apesar dos cinco ramos que constituem o clã –, mas também influenciando decisivamente a vida nacional.
Depois de meses a dizer que não acreditava numa intervenção do FMI em Portugal, em Abril de 2011, a declaração de Ricardo Salgado ao então ministro das Finanças Teixeira dos Santos – "É imperioso pedir ajuda, estamos numa situação limite" – terá levado o governante a "perceber naquele momento que tinha de agir", lê-se no livro.
O presidente de um dos grandes bancos nacionais também disse às autoras que, a propósito da intervenção externa, "com o primeiro-ministro só Ricardo Salgado terá falado", acrescentando que "José Sócrates ouvia-o mais do que aos outros banqueiros".
Episódios que mostram como Ricardo Salgado sempre soube gerir as relações com o poder político. Perante a acusação de que o BES é o banco do regime, o banqueiro responde: "É o banco de todos os regimes".
Apesar da relação exímia com todos os governos, "com nenhum outro primeiro-ministro [Salgado] teve uma relação tão próxima como com José Sócrates", lê-se no livro, que constata as posições próximas em vários temas, como o fomento da economia pelas grandes obras públicas.
Salgado também elogiou por várias vezes o executivo de Passos Coelho, mas a relação teve percalços, caso do recado enviado pelo ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar, em Junho de 2013. "Vítor Gaspar entrou na reunião com a Associação Portuguesa de Bancos a pés juntos: 'Se eu fizesse declarações sobre a dívida do BES tinha muito a dizer', avisou, num tom claro, duro e incisivo, perante os 15 responsáveis convocados para o encontro no Ministério das Finanças", contam as autoras.
O governante tinha ficado incomodado com as declarações de Salgado sobre a sustentabilidade da dívida de Portugal. Apesar de Salgado não estar na reunião, sendo representado pelo seu braço direito, Amílcar Morais Pires, a mensagem de censura chegou-lhe rapidamente e levou-o a ligar ao então ministro a explicar-se.
Quanto ao mundo empresarial, o livro conta como o BES esteve envolvido na internacionalização da Portugal Telecom (PT) para o Brasil, na Oferta Pública de Aquisição (OPA) da Sonaecom sobre a PT (que levou o presidente da Sonae a dizer que o insucesso da operação foi a vitória dos "bloqueadores do progresso, de uma instituição que tem uma longa história de relações especiais com quase todos os governos") e contribuiu para a emergência da Ongoing, o grupo de Nuno Vasconcellos.
Casado, pai de três filhos e avô de seis netos, Salgado é tido como workaholic (dependente do trabalho): "Vive para um banco, quase não pensa em mais nada", confidenciou um ex-administrador.
O livro recorda ainda amigos e aliados de Salgado, como Mário Soares, que se empenhou no regresso de famílias como a Espírito Santo a Portugal, ou Francisco Balsemão, que nos anos 1990 chegou a levar o banqueiro a reuniões do grupo de Bilderberg, que junta a elite política e empresarial mundial, antes de se zangarem e esfriarem a relação.
Questionado em 2012 por um jornalista sobre a continuação da liderança do BES, Salgado respondeu que estava sempre à disposição dos accionistas, mas acrescentou: "Sinto-me óptimo, faço ginástica três vezes por semana e emagreci depois das férias".
Então o banqueiro podia gabar-se de o BES ser o único dos grandes bancos portugueses a não ter recorrido ao dinheiro público, apesar das exigências colocadas à banca pela troika e do prejuízo de 2011.
Mas o poder inabalável estava a chegar ao fim. Os casos judiciais em que a família se via envolvida, como as operações Furacão e Monte Branco e os casos dos submarinos e Portucale, fragilizaram a reputação, assim como as rectificações de IRS feitas por Salgado, que se terá "esquecido" de declarar 8,5 milhões de euros recebidos pelo construtor José Guilherme por consultoria para negócios em Angola, em 2011. O banqueiro desmentiu sempre que viessem de comissões e, segundo relatam as autoras, justificou no Banco de Portugal e na justiça ter recebido, afinal, 14 milhões de euros num acto de carácter espontâneo.
Em paralelo, começaram a vir a público os problemas no BES Angola e as más relações com Álvaro Sobrinho, que em tempos foi seu delfim, o azedar das relações com o aliado Pedro Queiroz Pereira (dono da Semapa), a luta pela liderança do grupo com o primo José Maria Ricciardi e os problemas de endividamento e irregularidades detetados em empresas do GES.
Aos 70 anos, Ricardo Salgado deixa a liderança do BES, para, como dizem as autoras, "salvar a família de si própria". A presidência do banco será assumida pelo economista Vitor Bento.