Respostas na área da saúde mental são insuficientes, sobretudo para os jovens
Número de jovens em consultas de psiquiatria nos hospitais do SNS aumentou nos últimos anos. Dificuldades das famílias, em tempo de crise, passaram a ser "um peso psicológico" sobre os mais novos.
Isto num quadro de aumento da procura, como revela um estudo publicado na revista científica internacional The Lancet, segundo o qual, entre 2008 e 2013, o número de jovens a frequentar consultas de psiquiatria nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde aumentou 23% e o número de novas consultas disparou em 30%.
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Isto num quadro de aumento da procura, como revela um estudo publicado na revista científica internacional The Lancet, segundo o qual, entre 2008 e 2013, o número de jovens a frequentar consultas de psiquiatria nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde aumentou 23% e o número de novas consultas disparou em 30%.
No estudo da The Lancet, em que são citados dados não publicados do Ministério da Saúde, o investigador português do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, Gonçalo Figueiredo Augusto, relaciona o aumento do número de consultas e de internamentos com os três anos de austeridade e, concretamente, com as “actuais dificuldades sociais e financeiras que as famílias portuguesas enfrentam e que passaram a ser um peso psicológico sobre as crianças”.
Também a psicóloga clínica Conceição Tavares de Almeida, assessora do Plano Nacional de Saúde Mental para a Infância e Adolescência, reforça ao PÚBLICO que com a crise tem vindo a ganhar peso uma postura de “cultura do sucesso que causa uma pressão enorme nos jovens, sendo preciso recuperar uma certa tolerância em relação ao insucesso e ao erro”. Sobretudo nas alturas a que chama “áreas cinzentas”, como é o caso da passagem do ensino secundário para a universidade.
Camas e enfermeiros em falta
Sobre as lacunas de recursos, elas estão bem identificadas, assegura o director do Programa Nacional para a Saúde Mental. Álvaro de Carvalho explica que só existem 20 camas no país (dez em Lisboa e dez no Porto) para internar crianças e adolescentes com problemas mentais. “Precisaríamos pelo menos de 40 para dar resposta no imediato, até porque tem havido um aumento dos casos que chegam através das urgências”, afirma o psiquiatra, dizendo que falta também uma rede de cuidados continuados. E garante que o problema não está nos espaços, que já existem, mas sim na “carência de enfermeiros que precisariam de ser contratados”, já que é um “trabalho de equipa”. Os últimos dados oficiais indicam que em 2011 se realizaram 295 internamentos por perturbações mentais da infância, sendo a média de quase nove dias de permanência.
O director do Serviço de Pedopsiquiatria do Hospital Psiquiátrico de Coimbra, por seu lado, destaca que as crianças e adolescentes acabam por ser “atendidos por médicos de outras especialidades que não têm experiência ou conhecimentos de Pedopsiquiatra suficientes”. Além disso, José Garrido admite que a falta de capacidade de internamento leva a que os doentes sejam “incorrectamente seguidos em consultas externas”, tendo os médicos que usar, por vezes, “doses de medicação mais elevadas com o objectivo de conter eventuais comportamentos desadequados de forma puramente química”.
A própria Carta da Criança Hospitalizada reforça que “as crianças não devem ser admitidas em serviços de adultos”, sendo que a idade pediátrica foi alargada dos 16 para os 18 anos. Álvaro de Carvalho destaca precisamente a importância de dar respostas adequadas: “A adolescência é por excelência uma fase de crise do desenvolvimento e em que os doentes querem satisfações imediatas, pelo que faz sentido um internamento adaptado também em termos de ambiente.”
Já Conceição Tavares de Almeida adverte que com a perda de valências das autarquias e escolas houve muitas áreas que ficaram de fora, sublinhando que o papel dos médicos de família é agora ainda mais fundamental para evitar fases de internamento, normalmente motivados por crises de ansiedade, tentativas de suicídio e consumo excessivo de substâncias lícitas ou ilícitas.
Mas também aqui há problemas de recursos. O vice-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, Rui Nogueira, lembra que “cerca de um milhão e meio de pessoas estão sem médico de família” e reitera a importância destes profissionais, não apenas pela acessibilidade mas também pela relação de confiança que desenvolvem com o utente e a família.