Peixes sobem o Guadiana de elevador para desovar no rio Ardila
Um dispositivo de transporte de espécies migratórias instalado no açude de Pedrógão está a revelar-se decisivo na recuperação das populações de barbos e bogas que estão em declínio.
Desde 2006 que funciona no Açude de Pedrógão um elevador que transfere o barbo-do-sul, barbo-de-cabeça-pequena, barbo-trombeteiro, boga e até a enguia, de jusante para montante do rio Guadiana.
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Desde 2006 que funciona no Açude de Pedrógão um elevador que transfere o barbo-do-sul, barbo-de-cabeça-pequena, barbo-trombeteiro, boga e até a enguia, de jusante para montante do rio Guadiana.
David Catita, técnico da Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas de Alqueva (EDIA) para o Ambiente, conduz o PÚBLICO para um ponto na margem esquerda do Guadiana junto ao açude para observar o movimento de peixes que se debatem no meio da espuma provocada pela forte pressão de um fluxo de água vindo de montante para jusante e artificialmente produzido.
Não está assegurada a transferência de todos os peixes, mas alguns exemplares acabam por entrar num corredor submerso que os encaminha para a caixa metálica que, de duas em duas horas, sobe até ao ponto mais alto do açude, onde são filmados para monitorização, seguindo-se depois a descida do tanque até ao nível da albufeira que é formada pelas descargas de Alqueva, onde são largados para subirem a corrente.
Todo este movimento de sobe e desce é seguido com grande curiosidade por um grupo de crianças, alunos da escola do 1.º ciclo de Pedrógão do Alentejo que a EDIA convidou no âmbito da comemoração do Dia Mundial dos Peixes Migradores e do lançamento de uma plataforma de interpretação do Dispositivo de Passagem de Peixes existente no açude.
Grandes painéis didácticos, colocados junto ao elevador dos peixes, explicam as características que definem as espécies migratórias que sobem o curso do rio Guadiana para desovar.
“O barbo tem barba, mas a boga não tem”, exemplifica uma das crianças respondendo à pergunta formulada por David Catita sobre como se identificam os peixes. O técnico da EDIA acrescenta que as espécies migratórias “têm este nome porque fazem como as andorinhas: vêm de longe para procriar e depois voltam a partir”.
Os miúdos sobem uma extensa escada da base do açude até ao topo, onde se faz a filmagem e monitorização dos peixes. O técnico não perde a oportunidade para uma comparação: “Como os peixes não podem subir as escadas como vocês, temos de os transportar de elevador”.
Chegados ao local, ficam a aguardar pelo sinal que anuncia a subida do elevador. “Sobe devagarinho para tirar a caixa da água e depois acelera”, explica David Catita. Houve-se um silvo agudo e a miudagem cola-se ao gradeamento de ferro que dá acesso ao elevador. Manuel, que filma e monitoriza os peixes, abeira-se da caixa do elevador e grita: “Vem, peixe!”. Azar: desta vez, nem um para amostra. “Nem uma enguia pequena?", pergunta uma menina. Nada! Só água.
“Quando há muita gente, os peixes têm vergonha e não aparecem”, foi a justificação que o técnico da EDIA congeminou para tentar atenuar a desolação da miudagem. “Ganda nóia”, reage um, mais insatisfeito.
David Catita descreveu ao PÚBLICO todos os passos do processo de monitorização, que inclui a colocação de 60 marcadores com um bip em outros tantos peixes para acompanhar o seu percurso até ao local da desova. “Quando chegam à bifurcação do Ardila com o Guadiana, um pouco abaixo da Barragem de Alqueva, é o momento da grande decisão e, intuitivamente, optam pelo Ardila porque a água que é largada de Alqueva é mais fria e tem menos oxigénio”, descreve o técnico da EDIA.
Os exemplares monitorizados transportam um minúsculo emissor acústico cujo sinal é captado pelas bóias que estão colocadas ao longo do Ardila, que registam as passagens efectuadas. Até final de Maio, foram recebidas 115 mil indicações. Também levam uma etiqueta amarela com um número de telemóvel e o pedido para que seja feita uma chamada para avisar que o peixe foi pescado.
David Catita diz ter já recebido telefonemas de pescadores a perguntar o que fazer com o peixe. “'Devolvam-no ao rio' – é o apelo que lhes faço”.
Os exemplares de espécies migratórias que procriaram no leito de cascalho a montante do rio Ardila descem o Guadiana durante o mês de Julho e ficam a aguardar na albufeira de Pedrógão que o açude descarregue no próximo Inverno, completando-se assim o ciclo da migração das espécies autóctones.
O técnico da EDIA espera que a instalação do dispositivo de passagem de peixes ajude a travar o declínio que se observa nos barbos e bogas do Guadiana. Corre-se o risco de ter a fauna piscícola do rio ibérico povoada apenas de peixes exóticos, como o achigã, o lúcio e a perca e, mais recentemente, o alburno, que foi introduzido para ser comido pelos peixes predadores.