Saber o que não sabemos
As dívidas do Grupo Espírito Santo e a queda do valor do BES não passam das consequências naturais de trinta e tal anos de arbitrariedade escondida.
Os comentaristas dizem tudo, sem dizer nada. Que o Banco Espírito Santo foi o “banco do regime”; que (depois de Sá Carneiro) existia uma “promiscuidade” absoluta entre o poder económico e o poder político; que também existia uma “circulação” permanente entre o pessoal do Governo e o pessoal do BES; que o BES fez “negócios leoninos” com o Estado, ou seja, à nossa custa; que Ricardo Salgado encorajou os “desvarios despesistas” de Sócrates; que Ricardo Salgado chegou a participar em Conselhos de Ministros; que assim e que assado. Infelizmente, com uma ou outra excepção, por mais que se procure nestas revelações, nunca aparece um nome ou a descrição exacta (com data e pormenores) da “corrupção” que tanto se apregoa e retrospectivamente se lamenta.
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Os comentaristas dizem tudo, sem dizer nada. Que o Banco Espírito Santo foi o “banco do regime”; que (depois de Sá Carneiro) existia uma “promiscuidade” absoluta entre o poder económico e o poder político; que também existia uma “circulação” permanente entre o pessoal do Governo e o pessoal do BES; que o BES fez “negócios leoninos” com o Estado, ou seja, à nossa custa; que Ricardo Salgado encorajou os “desvarios despesistas” de Sócrates; que Ricardo Salgado chegou a participar em Conselhos de Ministros; que assim e que assado. Infelizmente, com uma ou outra excepção, por mais que se procure nestas revelações, nunca aparece um nome ou a descrição exacta (com data e pormenores) da “corrupção” que tanto se apregoa e retrospectivamente se lamenta.
Sucede que o público ingénuo, já que vai tarde ou cedo pagar o custo desta lamentável embrulhada, gostava de conhecer, indivíduo a indivíduo, quem andou metido na longa e perversa relação do Banco Espírito Santo e do Grupo Espírito Santo (e dos seus representantes) com o Estado, que o puseram na presente miséria. Não é pedir muito. É só pedir que a longa irresponsabilidade em que se viveu durante mais de 30 anos seja exposta e punidos os seus principais promotores. Os portugueses gostariam com certeza de saber as linhas com que os coseram (e bem) e deitar a mão à gola de quem andou a mandar neles sem sombra de legitimidade ou vergonha. Calculo as dificuldades desse trabalho. Mas, difícil ou não, não devemos continuar sem ele.
Ainda por cima, a famigerada “promiscuidade” do Banco Espírito Santo e do Grupo Espírito Santo não se ficava pelo Estado e, calculo, poucas vezes tinha um carácter formal. Na maior parte dos casos assentava numa intimidade “social” (almocinhos, jantarinhos, férias por aqui e por ali), em que se estabelecia a confiança, necessária aos “favores” que os parceiros se prestavam e às manobras em que colaboravam. O sentimento de impunidade que cobria estes suavíssimos costumes não prometia nada de bom e era uma maneira quase clandestina de governar o país. As dívidas do Grupo Espírito Santo e a queda do valor do BES não passam das consequências naturais de trinta e tal anos de arbitrariedade escondida, em que tudo era literalmente permitido. Esperemos que desta vez se tire o caso a limpo.