Sim, a “geração curtas” está mesmo em crise
Em fim de festa do Curtas Vila do Conde, a competição nacional confirmou uma crise que não é só do formato mas que se sente nele de modo mais agudo
E os próprios realizadores, nas suas breves apresentações antes da projecção, sublinharam como a produção actual é “arrancada a ferros”, esticando o pouco dinheiro que ainda se vai conseguindo (em vários casos através de apoios ou residências artísticas internacionais), e reflectindo-se mesmo dentro da própria dimensão narrativa dos filmes. Ele é a mala cheia de dinheiro do disparate pseudo-Godardiano de Levantamento de Jacinto Lucas Pires; o desespero existencialista sem futuro do cerebral e gélido O Pesadelo de João de Francisco Botelho; a penhora iminente da sátira falhada Fortunato de João Rodrigues (parte do programa de produção de Guimarães que só agora chega ao écrã); ou a autofagia de uma fábrica que se alimenta de si própria no vazio exercício de género de Patrick Mendes, Os Sonâmbulos.
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E os próprios realizadores, nas suas breves apresentações antes da projecção, sublinharam como a produção actual é “arrancada a ferros”, esticando o pouco dinheiro que ainda se vai conseguindo (em vários casos através de apoios ou residências artísticas internacionais), e reflectindo-se mesmo dentro da própria dimensão narrativa dos filmes. Ele é a mala cheia de dinheiro do disparate pseudo-Godardiano de Levantamento de Jacinto Lucas Pires; o desespero existencialista sem futuro do cerebral e gélido O Pesadelo de João de Francisco Botelho; a penhora iminente da sátira falhada Fortunato de João Rodrigues (parte do programa de produção de Guimarães que só agora chega ao écrã); ou a autofagia de uma fábrica que se alimenta de si própria no vazio exercício de género de Patrick Mendes, Os Sonâmbulos.
Mas a entrada competitiva que melhor soube articular estas questões de modo elegante e simples foi Cinema, de Rodrigo Areias, que cristaliza em dez minutos a crise da cultura portuguesa, a nostalgia de tempos melhores e a raiva contra o estado das coisas. Um homem prepara uma sessão numa sala de cinema em ruínas: a sala é o abandonado Jordão em Guimarães, o filme (sabê-lo-emos no genérico final) é o Silvestre de João César Monteiro, o projeccionista é Acácio de Almeida, lendário director de fotografia do cinema português. E Cinema – dos raros filmes a ser projectado em película - é um requiem pungente pelo que já não existe, tanto mais perturbante quanto a sua dimensão nostálgica transporta algo de perigosamente fatalista, paredes-meias com o saudosismo.
Houve, claro, motivos de satisfação nesta selecção competitiva do Curtas - mas vieram maioritariamente de cineastas com mais experiência, como Areias, Miguel Clara Vasconcelos (cujo filme-poema visual Triângulo Dourado dilui a sua sedução numa duração claramente excessiva), Sandro Aguilar (de regresso à sua melhor forma com False Twins) ou Teresa Villaverde. O caso desta última é um pouco diferente: Sara e a Sua Mãe foi feito como parte do filme colectivo Pontes de Sarajevo, e a intensidade emocional de Villaverde não se consegue soltar em apenas dez minutos; mas reconhece-se ainda assim neste instantâneo breve e solto a personalidade da realizadora.
Dos “jovens” a darem os primeiros passos, retenham-se dois nomes: Simão Cayatte, cujo Miami, eficaz e desenvolta adaptação de Teolinda Gersão que aborda os perigos da cultura dos famosos, é um bom exemplo de uma “segunda linha” de cinema narrativo que tanta falta faz à produção portuguesa; e Marco Amaral, cujo Outono é uma curta atmosférica de extraordinário e cuidado trabalho formal que faz pensar num Sandro Aguilar mais bucólico e emocionalmente tranquilo. Ambos são filmes em busca de uma personalidade, mas que têm a noção precisa do tempo certo de que necessitam para contar a sua história.
Tal, aliás, como os mais significativos “passos em frente” de jovens realizadores: a bonita e melancólica animação de David Doutel e Vasco Sá Fuligem, e o observacional instantâneo matinal de Mariana Gaivão First Light. A modéstia comum aos quatro não é um problema, mas pareceu-nos um limite (talvez temporário?) a voos mais altos; valerá a pena continuar a segui-los, mas haverá sequer, pelo meio da crise, a possibilidade de eles continuarem a filmar?
Crítico de cinema