Deus ainda é uma questão e merece uma antologia e um festival de poesia

A antologia de poesia portuguesa organizada por Pedro Mexia e Tolentino Mendonça lança a conversa na primeira edição de Carmina, encontros de poesia, esta sexta-feira e sábado, em Famalicão.

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No ano em que a Fundação Cupertino de Miranda comemora 50 anos, a instituição estreia o festival de poesia que quer repetir de dois em dois anos. “Queremos olhar para trás, fazer o balanço de todos estes anos, mas sobretudo olhar para a frente. A fundação sempre esteve ligada à poesia e esta é uma forma de continuar a estar”, disse Pedro Álvares Ribeiro, presidente da fundação na apresentação do evento aos jornalistas.

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No ano em que a Fundação Cupertino de Miranda comemora 50 anos, a instituição estreia o festival de poesia que quer repetir de dois em dois anos. “Queremos olhar para trás, fazer o balanço de todos estes anos, mas sobretudo olhar para a frente. A fundação sempre esteve ligada à poesia e esta é uma forma de continuar a estar”, disse Pedro Álvares Ribeiro, presidente da fundação na apresentação do evento aos jornalistas.

Para a fundação, a poesia é uma “área diferenciadora de produção”, nas palavras do seu presidente, e têm tentado mostrá-lo nos Encontros Cesariny, que completaram no ano passado sete edições – a fundação detém parte do espólio do surrealista –, ou nas iniciativas com poesia dita em locais públicos que se iniciaram há cinco anos, conta António Gonçalves da Costa, director artístico da fundação.

Com Carmina, a palavra latina que define a poesia como alguma coisa entre o pagão e o religioso, a ideia é “ir além do que são habitualmente os festivais de poesia, em que apenas se ouve dizer poesia”, explica o director artístico da fundação.

Sexta-feira, o festival abre com às 10h com uma conversa entre Pedro Mexia e Tolentino Mendonça sobre “Deus como interrogação na poesia portuguesa", tema desta edição, e a programação continua com questões como "A poesia cabe dentro das antologias? Não. Então porque se fazem?" ou "À poesia o que é da poesia, a Deus o que é de Deus" em que participam autores como Rui Laje, Fernando J.B. Martinho ou Maria João Reynaud. Pelo meio, há a conferência do brasileiro Alex Villas Boas que explica "A interrogação de Deus na poesia brasileira" e sábado estão presentes os poetas Armando Silva Carvalho, Carlos Poças Falcão e Fernando Echevarría para uma mesa-redonda com os antologistas Pedro Mexia e Tolentino Mendonça. Não se esquecem as habituais iniciativas de poesia dita na rua, que acontecem nestes dois dias no jardim da fundação e no parque da cidade.

O ponto de partida para esta programação é a antologia com o mesmo tema e chancela da Assírio & Alvim – a editora criou uma edição em que a capa é o cartaz de Carmina e outra para ser vendida nas livrarias. O objectivo é que em cada uma das futuras edições se organize uma publicação antes do evento para que ela dê origem às conversas. “Uma coisa que devia ser habitual no nosso quotidiano: fazer e depois discutir”, diz Tolentino Mendonça.

Mas afinal tem tudo para correr mal? “Uma antologia deste tipo tem tudo para desagradar aos dois lados da barricada”, explica Pedro Mexia, “quem chega à antologia porque se questiona sobre Deus só encontra poesia e quem chega por causa da poesia pode não estar interessado em Deus.” Na Explicação que abre o livro há espaço para explicar melhor: os dois antologistas reconhecem a resistência tradicional destes dois mundos um face ao outro. Se, por um lado, citam o poeta Gottfried Benn, que diz que “Deus é um mau princípio estilístico” e são tentados a concluir que “as convicções religiosas são incompatíveis com a boa poesia”, por outro, lembram “o divórcio que na prática se veio a instalar entre religião e artes”, porque “a arte é um princípio demasiado frouxo e ambíguo para a fé”, ou melhor, “à poesia opõe-se o único factor decisivo: a verdade”.

Ultrapassando esta aparente oposição entre arte e religião – que no prefácio é resolvida com uma frase de Bento XVI sobre a importância do belo –, esta antologia era uma “lacuna no mercado português”, diz Pedro Mexia. Não existia uma recolha de poesia religiosa, sendo “a relação com Deus essencial na poesia portuguesa do século XX”, diz. Vêm à cabeça os exemplos evidentes, acrescenta o antologista, de Ruy Belo, Sophia de Mello Breyner ou Eugénio de Andrade, e surge a pergunta: o que foi escrito para além das suas obras e do seu tempo? Nesta antologia, apenas Carlos Poças Falcão, Adília Lopes e Daniel Faria nasceram na segunda metade do século XX. Com movimentos como o surrealista, a Poesia 61 ou a poesia experimental houve um desinteresse por esta questão.

“O facto de haver poucos poetas a tratar agora esta questão mostra como ela não é do nosso tempo, parece não ser pertinente para nós”, diz Pedro Mexia, para mostrar como este tema pode ser uma não questão para muita gente, sobretudo nos últimos 40 anos. “São caminhos mais silenciosos, mas não menos relevantes”, diz Tolentino Mendonça, padre e poeta. “As antologias de poesia são documentos sociológicos sobre um país. Antologias anuais de poesia são importantes documentos sociológicos”, completa.

Em Verbo: Deus como Interrogação na Poesia Portuguesa procuraram essa actualidade e definiram desde o início que queriam começar e acabar com “dois grandes poetas”, diz Mexia: Vitorino Nemésio (1901-1978) abre o livro e para fechar Daniel Faria (1971-1999). Pelo meio, outros 11 poetas estão presentes não apenas porque tocam este tema – “Não incluímos ninguém que não incluíssemos numa antologia de poesia”, conta –, mas porque têm qualidade para integrar qualquer antologia.

No processo de selecção, que partiu de uma long list para um grupo de 20 e finalmente para os 13 autores escolhidos, houve surpresas para os próprios autores, como a de Jorge de Sena, “que nem sequer estava na long list”, confessa Pedro Mexia. Mais do que uma pessoa recomendou que lessem a obra dos seus primeiros anos, entre 1930 e 1940. Descobriram um homem “em luta com Deus”, escrevem no prefácio, “um agnóstico à beira da crença e do ateísmo”.

De fora ficaram aqueles em que Deus aparece como uma referência a um determinado imaginário, “um aspecto quase folclórico”, lê-se no livro, em vez de ser uma interrogação, “um assunto íntimo e grave”. “Pode haver quem estranhe a ausência de Miguel Torga ou de José Régio”, lembra Pedro Mexia. Mas aí, concordam os dois responsáveis pela selecção, o gosto dos antologistas “é sempre um bom critério”.