“A ANMP não se devia pôr de cócoras perante o Governo”
Autarcas do PS rejeitam acordo da ANMP com o Governo sobre o Fundo de Apoio Municipal, e o de Viana do Castelo é o mais contundente. ANA-PS mantém “confiança” no líder da ANMP, mas também critica o acordo.
“A ANMP não se devia pôr de cócoras perante o Governo. O acordo não dignifica a ANMP nem os municípios”, protesta o autarca, para quem o facto de todas as câmaras, mesmo as que têm as contas equilibradas, serem chamadas, por via do FAM, a financiar a recuperação daquelas que não controlaram a dívida configura um “novo imposto” que vai fazer com que, daqui a um ano, não sejam 30, mas 60 ou 70 os municípios em dificuldades.
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“A ANMP não se devia pôr de cócoras perante o Governo. O acordo não dignifica a ANMP nem os municípios”, protesta o autarca, para quem o facto de todas as câmaras, mesmo as que têm as contas equilibradas, serem chamadas, por via do FAM, a financiar a recuperação daquelas que não controlaram a dívida configura um “novo imposto” que vai fazer com que, daqui a um ano, não sejam 30, mas 60 ou 70 os municípios em dificuldades.
Nos termos do acordo, o FAM será constituído por 650 milhões de euros, a disponibilizar equitativamente pela administração central e pelo poder local, com os municípios a contribuírem na proporção das suas receitas.
José Maria Costa avisa que não se resigna e garante não estar sozinho. Diz que tem sido contactado por autarcas de vários quadrantes que lhe dão conta de uma indignação semelhante à sua. “Em muitos municípios, há moções aprovadas pela câmara ou assembleia municipal contra esta solução. Também António Costa me comunicou que o Conselho Metropolitano de Lisboa tinha aprovado uma moção nesse sentido”, afirma.
O autarca de Viana do Castelo lembra que os 75 mil milhões emprestados pela troika a Portugal foram-no também para apoiar os municípios em dificuldades. “Verificou-se que a dívida dos municípios era muito menor e o PAEL [Programa de Apoio à Economia Local, lançado para ajudar as câmaras a saldar as dívidas] não abrangeu a totalidade das câmaras”, diz. E acrescenta: “Não podemos entender que não haja dinheiro para uma linha de apoio aos municípios em ruptura e que nunca falte dinheiro para ajudar a banca a ultrapassar os seus desvarios.” É por isso, insiste, que considera que a ANMP não devia ter cedido à “chantagem inaceitável”, do Governo, cuja proposta inicial previa que administração central e municípios contribuíssem para o FAM na proporção 30%-70%.
Ontem, a proposta já alterada pelo acordo foi aprovada na especialidade no Parlamento pela maioria PSD/CDS, com a abstenção do PS e com o voto contra, em quase todos os artigos, de PCP e BE.
O princípio da solidariedade intermunicipal, evocado pelo Governo para justificar o FAM, também não convence José Maria Costa: “O Governo não pôs os outros bancos a irem em socorro do BPN ou do BPP.”
O próprio líder da Associação Nacional de Autarcas do Partido Socialista (ANA-PS), José Luís Carneiro, também contesta o acordo, embora ressalve que mantém “toda a confiança” no presidente da ANMP, o autarca socialista de Coimbra Manuel Machado. Carneiro diz reconhecer “o esforço complexo e difícil” de Machado – que o PÚBLICO tentou ouvir – na negociação do FAM, para logo afirmar que o acordo não respeita sequer “a vontade expressa” do conselho geral da ANMP (onde o líder da ANA-PS tem assento como presidente da Câmara de Baião), que definira “condições mínimas” para um entendimento com o Governo.
A primeira, de entre aquelas que Carneiro considera “fundamentais”, diz respeito à redução, de 23% para 6%, da taxa de IVA aplicável às despesas dos municípios com a iluminação pública e as refeições e transportes escolares. Estes dois últimos serviços ficaram de fora do acordo e, para a ANA-PS, a sua inclusão “constituía uma condição prévia a qualquer entendimento minimamente razoável”.
Também líder da distrital do Porto do PS, José Luís Carneiro afirma que essa redução do IVA permitiria uma poupança aos municípios equivalente à despesa que vão ter com o FAM.
Cedências do Governo que não convencem
Mesmo nos pontos em que o Governo aparentemente cedeu às reivindicações dos municípios, o acordo, na leitura de José Luís Carneiro, “não pode deixar os autarcas satisfeitos”. O Governo comprometeu-se a fazer aprovar, dentro de um mês, uma portaria que alargue aos municípios o programa de apoio às rescisões por mútuo acordo, mas Carneiro teme que o executivo aproveite esta oportunidade para fixar rácios de funcionários por população do município, à semelhança do que fez no caso da delegação de competências relativas às escolas, considerando aí o número de alunos.
A própria promessa de não privatizar a Águas de Portugal, inscrita no acordo, é, para José Luís Carneiro, insuficiente, porque aquilo que os autarcas contestam é a privatização da EGF, a empresa mais rentável e que assegura a estabilidade financeira do grupo da primeira.
Mediante o acordo, o Governo também promete libertar as câmaras da redução anual de pessoal em 2%, desde que isso não aumente a despesa global, e lançar um programa de 1500 estágios nos municípios. Quanto à Lei dos Compromissos, cuja revogação é há muito exigida pelas autarquias que a consideram contraproducente na contenção da despesa, o Governo compromete-se apenas “a rever os termos em que estas podem assumir compromissos plurianuais e a reapreciar os prazos e montantes relativos a despesas urgentes”. “Nada em concreto”, critica a ANA-PS.
PCP critica, PSD saúda e Machado justifica
O acordo sobre o FAM também foi criticado pelo PCP, que viu nele um “acto de capitulação”, decidido “à revelia e em confronto com as conclusões aprovadas no último congresso” da ANMP. O PCP considera ainda que o acordo culmina um processo “encenado entre círculos da direcção da ANMP e membros do Governo, para, a pretexto de acertos marginais (...) e umas quantas generalidades sobre a Lei dos Compromissos e a política de pessoal, assegurar os objectivos essenciais predefinidos” pelo poder central.
Em sentido oposto, o presidente dos Autarcas Social Democratas e presidente da Câmara da Guarda, Álvaro Amaro, considerou o acordo um “passo histórico” na relação entre municípios e Governo. Salienta como vitórias a repartição equitativa do financiamento do FAM e as promessas do executivo em matéria de IVA para a iluminação pública, Lei dos Compromissos, gestão do pessoal municipal e manutenção das águas no sector público.
Citado pela Lusa, Manuel Machado afirmou na terça-feira que este foi o “menos penoso dos acordos possíveis” e sublinhou que, ao contrário do Governo, que avança já com a verba, as câmaras terão sete anos para realizar a sua parte do capital do FAM. O líder da ANMP observou que os municípios vão entrar com menos 130 milhões de euros do que entrariam, se prevalecesse a repartição 30%-70% da proposta inicial do Governo, e que o capital entregue pelas autarquias ao FAM lhes há-de ser devolvido com juros.
Manuel Machado deixou uma indirecta aos autarcas que deixaram os respectivos municípios em ruptura: “A autonomia do poder local só pode reforçar-se através da consolidação e do rigor das contas municipais.”