Amnistia acusa UE de violar os seus princípios ao “fechar os olhos” a abusos sobre imigrantes

Ideia de que a maior parte dos que procuram a Europa o fazem por razões económicas é um “mito”, considera organização.

Foto
Africanos ao largo da ilha italiana de Lampedusa AFP

A acusação é da Amnistia Internacional (AI) que, num relatório divulgado nesta quarta-feira, procura desmontar “mitos” e acusa a UE de “políticas e práticas” que entende estarem na origem de algumas tragédias em que regularmente milhares de pessoas perdem a vida ao tentarem chegar à Europa.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A acusação é da Amnistia Internacional (AI) que, num relatório divulgado nesta quarta-feira, procura desmontar “mitos” e acusa a UE de “políticas e práticas” que entende estarem na origem de algumas tragédias em que regularmente milhares de pessoas perdem a vida ao tentarem chegar à Europa.

A organização de direitos humanos socorre-se de dados do projecto jornalístico The Migrants Files para quantificar a dimensão da tragédia que tem custado inúmeras vidas: pelo menos 23 mil pessoas desde 2000. Só nos primeiros cinco meses de 2014, mais de 170 homens, mulheres e crianças morreram nos mares Mediterrâneo e Egeu e teme-se que centenas de desaparecidos tenham também morrido.

“Muitos dos que morreram estavam claramente a procurar escapar à violência e perseguição, como quase 60% dos que cruzaram o centro do Mediterrâneo irregularmente em 2013, provenientes da Síria, Eritreia e Somália”, denuncia a Amnistia.

Ao contrário dos “mitos” sobre o assunto, a Amnistia sustenta que a maior parte dessas pessoas não são imigrantes económicos mas fogem da violência. Os factos, sublinha, comprovam-no: 48% das entradas “irregulares” e 63% das pessoas que chegaram de forma “irregular” à Europa em 2013 por mar vieram da Síria, Eritreia, Afeganistão e Somália, países com conflitos armados.

No caso da Síria, desde o início da guerra civil, em 2011, até Abril de 2014, só 96 mil dos mais de 2,8 milhões que tiveram de deixar as suas casas tinham recebido protecção na Europa.

Invocando dados do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, a AI destaca que a maior parte dos que têm de abandonar as zonas em que vivem permanecem nas regiões de origem. Os países que, no final do ano passado, acolhiam maior número de refugiados eram, recorda, Paquistão, Irão, Líbano, Jordânia, Turquia, Quénia, Chade, Etiópia, China e Estados Unidos.

Palavras e actos
A AI acusa a UE de ter construído uma “fortaleza cada vez mais impenetrável” para manter à margem imigrantes, “independentemente dos seus motivos” e “sem olhar às soluções desesperadas” a que muitos recorrem para fugir dos lugares onde a sua vida corre perigo. Essas políticas incluem uma dimensão de outsourcing – a procura de acordos com países vizinhos para barrar a entrada de imigrantes e entendimentos sobre repatriamento.

Para além das políticas europeias comuns, a Bulgária, a Espanha e a Grécia adoptaram “medidas drásticas” para travar a chegada de imigrantes, submetendo-os a maus-tratos por guardas-fronteiriços e guardas-costeiros. Ao expulsá-los, colocam-nos em situações de “grave risco”, denuncia a AI.

Apesar de críticas específicas a esses países, a organização considera que a “responsabilidade pela construção da Fortaleza Europa e pelos abusos nas fronteiras” não é apenas, nem principalmente, dos Estados com fronteiras a Sul ou Leste. A responsabilidade é tanto desses Estados como dos do Norte –  as “terras proibidas” aos imigrantes – , que pressionam a UE a fechar fronteiras e levam essa agenda às instituições europeias.

A Amnistia denuncia o contraste entre as palavras de tristeza e solidariedade expressas pelos líderes europeus em momentos como a tragédia que, em Outubro de 2013, causou a morte a mais de 400 pessoas ao largo da ilha de Lampedusa, Itália, e a prática. “O foco dos decisores da Europa permanece na exclusão: construir cercas mais altas, instalar mais equipamentos de vigilância e aumentar o policiamento das fronteiras. Isso força as pessoas a seguirem rotas cada vez mais perigosas”, acusa.

A AI apela aos países europeus para que reavaliem as suas políticas migratórias e de refugiados e tenham em conta as razões pelas quais milhares de pessoas arriscam a vida recorrendo, no caso dos que se deslocam por via marítima, a embarcações sem condições para navegar. Recomenda também a criação de formas seguras e legais de refugiados poderem chegar à Europa e apela ao fim do outsourcing de controlo migratório feito por países vizinhos que não garantem os direitos dos migrantes.