O guarda-costas das gerações
E quando um partido apenas convence quem à partida já está convencido, jamais conseguirá descolar nas sondagens ou passar a barreira dos 35% em eleições. A narrativa do PS de Seguro, vista da perspectiva do centro mais moderado e flutuante, é uma história da carochinha. E ninguém quer ver no governo o João Ratão.
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E quando um partido apenas convence quem à partida já está convencido, jamais conseguirá descolar nas sondagens ou passar a barreira dos 35% em eleições. A narrativa do PS de Seguro, vista da perspectiva do centro mais moderado e flutuante, é uma história da carochinha. E ninguém quer ver no governo o João Ratão.
Disse António José Seguro a Pedro Passos Coelho, logo a abrir a sua intervenção no debate sobre o Estado da Nação: “O seu governo tomou posse há três anos e nesses três anos o senhor destruiu três gerações dos portugueses: a geração dos avós, a geração dos pais e a geração dos filhos.” Seguro deixou generosamente de fora os bisavós e os animais domésticos. Mas tudo o resto, segundo ele, ficou destruidíssimo. Um cataclismo em 36 meses.
E atenção que Passos não se limitou a destruir três gerações. “Mais do que isso: o senhor destruiu-lhes a esperança”, acrescentou Seguro, para quem a remoção de esperança é malfeitoria superior à simples destruição. Se uma pessoa for destruída, ela fica um bocado aborrecida. Mas se ela for destruída e ainda por cima lhe removerem a esperança, isso, sim, é uma dilapidação perfeitamente inadmissível. Citando o Barack Obama de Penamacor: “Porque é a esperança que ergue as nações, porque é a esperança que é capaz de fazer renascer os povos e colocar o nosso país numa trilha de crescimento e não de empobrecimento.” Oh, meu Deus, que bonito. Passem-me um kleenex, se faz favor.
Eu juro que comecei a ver o debate sobre o Estado da Nação cheio de vontade de vir para aqui maltratar Pedro Passos Coelho. Afinal, a nação não se encontra em bom estado, e o próprio primeiro-ministro começou a sua intervenção em registo looney, afirmando querer construir “uma sociedade de pleno emprego”, que é daquelas coisas que talvez se pudesse dizer por alturas da revolução francesa, mas que em 2014 parece, no mínimo, deslocado. E como se tal não bastasse, Passos veio ainda com a conversa da aposta no ensino e na qualificação dos portugueses, que é promessa mais velha do que o nevoeiro de D. Sebastião, garantindo de caminho, sem se rir, que “muito já foi feito na reforma do Estado”.
Só que, quando eu já me encontrava a afiar as garras para me atirar ao discurso do primeiro-ministro, apareceu o seguro de vida de Passos Coelho – Seguro himself. E assim que ele abre a boca, não só o PS cai cinco pontos nas sondagens, como Passos Coelho fica imediatamente a parecer o maior estadista do hemisfério norte. Sim, eu sei que não devia estar aqui a bater em mortos, mas para morto António José Seguro continua a falar e a aparecer muitíssimo. E aquilo que ele diz – nomeadamente as suas “cinco propostas concretas” para o “crescimento da economia” – não é desculpável. Enquanto ele for líder da oposição, isto tem de ser dito.
Eis as cinco propostas de Seguro: 1) aumentar o salário mínimo nacional, 2) acabar com a Contribuição Extraordinária de Solidariedade, 3) pagar todas as dívidas do Estado, 4) reduzir o IVA da restauração, 5) dinamizar a economia através de investimento público. Percebem porque é que eu falei nas histórias da carochinha? É que isto não é sério. Isto é política de 2004. Não de 2014. Esta conversa expansionista é a meia branca com raquetes da política contemporânea. Seguro, amigo, isto já não se usa. Muda de conversa, por amor de Deus.