Estado da nação sem compromissos à vista
Governo falou de uma "nova fase da vida do país" que permitia entendimento sobre o desemprego, impostos e salário mínimo. Oposição nem se deu ao trabalho de responder aos apelos.
Foi logo no arranque dos cerca de quatro horas de embate parlamentar que o primeiro-ministro avançou com o primeiro apelo de “compromisso” a propósito do combate ao desemprego. Horas depois, foi o ministro da Economia a defender um acordo relacionado com a descida dos impostos. O debate terminou com a referência do vice-primeiro-ministro ao salário mínimo.
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Foi logo no arranque dos cerca de quatro horas de embate parlamentar que o primeiro-ministro avançou com o primeiro apelo de “compromisso” a propósito do combate ao desemprego. Horas depois, foi o ministro da Economia a defender um acordo relacionado com a descida dos impostos. O debate terminou com a referência do vice-primeiro-ministro ao salário mínimo.
O assinalar da recuperação da “autonomia nacional” com o fim do programa de assistência financeira serviu a Passos Coelho para anunciar uma “nova fase da vida do país” a caminho de um “desenvolvimento sustentável”. Que teria de ter como “prioridade” a “luta contra o desemprego”: "A sociedade que queremos construir em Portugal é uma sociedade de pleno emprego, de participação económica e cívica, e de multiplicação de oportunidades para todos", declarou o chefe do Governo.
Mas para que tal fosse possível, acrescentou a necessidade de "fazer deste objectivo um verdadeiro compromisso nacional - um projecto de concertação nacional, que envolva os parceiros sociais, a sociedade civil e os agentes privados".
O debate haveria de demonstrar as reticências da oposição em embarcar nesse desígnio, embora tal não tenha impedido o Governo de insistir. O vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, recorreu a um ditado para tentar convencer o hemiciclo mais à esquerda. Mais valia “um pássaro na mão do que dois a voar", disse no encerramento, depois de assumir a intenção de "melhorar o salário mínimo nacional numa negociação equilibrada que não deixe de atender também às questões da produtividade". "É razoável, e o razoável, depois de tanta excepção, é verdadeiramente um ganho. Temos esperança que estas medidas não gerem controvérsia. Fazem bem a muita gente", acrescentou.
Para evitar repetições, o ministro da Economia falou em “pontes” para um “entendimento” em torno da baixa de impostos: "É fundamental que os agentes políticos e institucionais saibam, com maturidade, responsabilidade financeira e democrática, criar pontes de compromisso e de entendimento que garantam aos cidadãos, aos trabalhadores e às empresas condições para uma moderação fiscal e para um desenvolvimento mais pleno da nossa sociedade que contagie positivamente a nossa economia.”
Mas a defesa do ambiente de consenso não se reflectiu numa linguagem mais conciliadora. Ao mesmo tempo que falava em compromisso, Passos não deixou de lamentar não ter podido "contar com o apoio responsável da oposição" nos seus anteriores anos de Governo. O líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, também não ajudou ao clima de apaziguamento quando aproveitou a sua interpelação ao primeiro-ministro para visar o PS.
Contrapôs à actual imagem dos partidos da coligação PSD/CDS-PP, apresentados como "coesos” e como um “referencial de estabilidade", um cenário diferente à esquerda. “Muito frágil nas ideias, nas alternativas e também na estabilidade", com o PCP e o BE "desfasados no tempo" e o PS em "ziguezague quer no discurso quer em termos de liderança política interna".
A oposição nem se deu ao trabalho de responder aos apelos para o compromisso. Os partidos mais à esquerda optaram por retratar uma economia em dificuldades, as violações constitucionais e as notícias à volta do sector bancário.
"O seu Governo tomou posse há três anos e nestes três anos o senhor destruiu três gerações de portugueses: A dos avós, a dos pais e a dos filhos." Foi assim que o secretário-geral do PS, António José Seguro, entrou no debate. Para o socialista, Passos arrasara a geração dos avós com o corte nas pensões e nas reformas, atacara a geração dos pais com o aumento de impostos e desemprego, e vitimara a geração dos filhos com a emigração.
Tudo isto, acrescentou, sem que o Governo tivesse conseguido “qualquer mudança no perfil da economia portuguesa". "O Governo falhou, porque não aproveitou estes três anos para criar condições de sustentabilidade no combate à crise e para a consolidação das contas públicas", acusou antes de recordar um conjunto de propostas do PS para apoiar a economia, como a criação de um banco de fomento de que, "passados quase dois anos", ainda não existia.
Por seu turno, o líder do PCP, Jerónimo de Sousa, não deixou escapar a oportunidade para falar nos chumbos constitucionais, falando de um “país governado por uma coligação que se rege por uma Constituição Sombra e em confronto com a única Constituição legítima". "O estado da Nação é hoje um país que está mais dependente e sujeito ao arbítrio do estrangeiro, condenado a viver hoje e por muitos anos em regime de liberdade condicional", rematou.
E a contrapôr ao cenário de recuperação económica apresentado pela direita, o bloquista Pedro Filipe Soares criticou o silêncio do Governo sobre o BES. "Em nenhum momento o Governo falou sobre aquilo que aflige as pessoas: há ou não há um novo BPN a configurar-se no nosso sistema financeiro, agora maior, com um buraco possivelmente três vezes maior, e que dá pelo nome de BES? Há ou não há essa bomba relógio?", perguntou.