Há “iniquidades” no sistema de saúde e dois mundos: o real e o oficial

Médicos traçam retrato do país real, durante a apresentação do relatório anual do Observatório Português dos Sistemas de Saúde.

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Vinte e dois hospitais já fiscalizados não afixaram a informação sobre os direitos dos utentes Daniel Rocha

Ana Escoval alerta para a existência “ iniquidades no sistema de saúde” e, embora ressalvando que se trata de uma primeira leitura, considera que “a plausibilidade das metas” para 2016 do Plano Nacional de Saúde é “desastrosa em vários indicadores”: “Este documento acentua a ideia que temos defendido sobre a necessidade de operacionalizar a estratégia nacional em planos locais de saúde inteligentes e que considerem as reais necessidades da população”, defendeu, acrescentando que existem relatos diários sobre “dificuldades e sofrimento dos cidadãos”.

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Ana Escoval alerta para a existência “ iniquidades no sistema de saúde” e, embora ressalvando que se trata de uma primeira leitura, considera que “a plausibilidade das metas” para 2016 do Plano Nacional de Saúde é “desastrosa em vários indicadores”: “Este documento acentua a ideia que temos defendido sobre a necessidade de operacionalizar a estratégia nacional em planos locais de saúde inteligentes e que considerem as reais necessidades da população”, defendeu, acrescentando que existem relatos diários sobre “dificuldades e sofrimento dos cidadãos”.

Na apresentação do estudo, Ana Escoval, considerou que prevalece em Portugal e na Europa “o silêncio”, tentando-se demonstrar que “não há impacto negativo da crise de forma significativa para a saúde das pessoas”: “Porque será?”, questionou. E acrescentou que continua a haver dois mundos sobre esta realidade: “O oficial, dos poderes, onde, de acordo com a leitura formal, as coisas vão mais ou menos bem, previsivelmente melhorando a curto prazo, e um outro da experiência real das pessoas, conjugadamente com o facto de qualquer notícia menos boa ser prontamente desvalorizada ou atalhada com respostas tardias e pouco realistas.” A coordenadora defende ainda que “os efeitos económicos da crise sobre a saúde são evitáveis se se investir simultaneamente na protecção social e na saúde pública.”

Também na coordenação deste observatório, Manuel Lopes, alertou para o facto de não haver “discussão sobre o impacto da crise na saúde, havendo diferenças entre o discurso político e a prática. Este coordenador queria que houvesse uma ““relação adulta com quem está na posse dos dados”. Entre alguns dos aspectos negativos evidenciados pelo relatório, salientou o facto de o centralismo poder ser “muito prejudicial à saúde” e o facto de haver “incapacidade de resposta dos recursos humanos”. Esta atitude de “não discussão” tem consequências na vida das “pessoas mais vulneráveis”.

Na cerimónia, a presidente da comissão parlamentar de saúde, Maria Antónia Almeida Santos, considerou que o título do relatório “apropriado” e mostrou-se preocupada com o facto de haver “dificuldade” da parte dos investigadores em obterem dados “ao longo dos anos”: “Não sabemos o verdadeiro impacto da crise económica e financeira na saúde dos portugueses”, disse, acrescentando que lhe chegam, por exemplo, de associações de doente “testemunhos preocupantes”. Questionado pelos jornalistas à margem da cerimónia, o director-geral de Saúde, Francisco George disse apenas que irá analisar o relatório e que estão “em contacto com os autores para ver das eventuais dificuldades de acesso a dados”: “ “Isso tem de ser corrigido.”

País real
O médico Francisco Amaral, que é presidente de Câmara de Castro Marim e já foi em Alcoutim, descreveu a dificuldade que as pessoas da serra algarvia têm para se deslocarem em determinadas áreas do país e que “o verdadeiro Ministério da Solidariedade Social são as autarquias”: “As pessoas batem-nos à porta para financiar óculos, medicamentos…” Criticou o tempo de espera a consultas de neurocirurgia no Algarve, “dois a três anos”, e o facto de haver quem possa fazer exames no privado – como ressonâncias magnéticas que custam 400 euros - e quem não possa. Queixou- se também de como autarca “não ser tido nem achado” sobre as decisões do Ministério da Saúde no que se refere, por exemplo, ao encerramento de extensões de saúde.

A endocrinologista Isabel do Carmo também defendeu que “as decisões têm de ser locais”. A especialista alertou para “desigualdades” e “deficiências” no acesso aos serviços de saúde e sublinhou que em Portugal mais de 30% dos custos com a saúde saem do bolso dos particulares: “Mas há os que têm dinheiro para sair do bolso e os que não têm”, disse, frisando também haver “diferenças” no acesso aos meios de diagnóstico. Sobre a portaria de Abril que classifica os hospitais, salientou que, segundo o documento, “não há abaixo do Tejo nenhum hospital com todas as especialidades”: “Há uma enorme desigualdade no país.” Isabel do Carmo considerou ainda que há “altas precoces” nos hospitais, sobretudo desde 2011, devido à “supressão de camas hospitalares”: “E há diferença entre quem pode ter um doente em convalescença em casa e quem não pode.”

Já o psiquiatra José Fidalgo de Freitas criticou a burocracia necessária para obter, entre outros documentos, por exemplo credenciais: “É um circuito infernal para os doentes.” E defendeu mesmo que muitas baixas consideradas fraudulentas pelas juntas não o são - o que acontece é que as pessoas não levam a documentação necessária devido à burocracia e devido às dificuldades de “acessibilidade” fora dos grandes centros: “O acesso dos doentes é complicadíssimo.” O especialista aproveitou ainda para ironizar: “A maioria não tem um amigo médico, enfermeiro, amigo do administrador para ter acesso ao hospital.”

Sobre as assimetrias regionais, o psiquiatra considerou “afrontoso ver os recursos” que há, por exemplo, em Coimbra: “Deve ser a área concelhia do mundo com mais médicos por habitante”, disse, acrescentando que estas “assimetrias são antidemocráticas e imorais”.

Também presente no debate, o fundador do Observatório e professor de Economia da Universidade de Coimbra, Pedro Lopes Ferreira, aproveitou para lembrar que os portugueses são “dos cidadãos europeus que mais pagam” para se manterem saudáveis e considerou que as “dificuldades em aceder aos dados” devem-se a não querer pôr em causa a imagem da saúde. O docente defendeu ainda que há um “não acompanhamento regular das medidas” tomadas e frisou que o que se espera “ duma boa governação” é que seja transparente e previna os impactos da crise na saúde.