Bullying: e se o tiro sair pela culatra?

Lembram-se do caso dramático do miúdo de Mirandela que se suicidou? Antes de se atirar ao rio, disse ao irmão que não aguentava mais. O vídeo do VH1 talvez não lhe tivesse servido de muito

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las - initially/Flickr

O canal VH1 lançou uma campanha contra o “bullying” que me deixou a pensar — e não pelas melhores razões. Adaptando a letra da conhecida música “I Will Survive”, o vídeo passa a mensagem de que os “nerds” (as vítimas de hoje) serão os vencedores e os chefes de amanhã. O problema é que contém implícita a ideia de que também poderão vir a ser futuros agressores, ressentidos e ressabiados. Sempre achei o “bullying” um dos principais problemas da actualidade, em qualquer contexto — profissional, familiar ou escolar. Mas se a causa é mais do que pertinente, porque me soou mal o vídeo?

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O canal VH1 lançou uma campanha contra o “bullying” que me deixou a pensar — e não pelas melhores razões. Adaptando a letra da conhecida música “I Will Survive”, o vídeo passa a mensagem de que os “nerds” (as vítimas de hoje) serão os vencedores e os chefes de amanhã. O problema é que contém implícita a ideia de que também poderão vir a ser futuros agressores, ressentidos e ressabiados. Sempre achei o “bullying” um dos principais problemas da actualidade, em qualquer contexto — profissional, familiar ou escolar. Mas se a causa é mais do que pertinente, porque me soou mal o vídeo?

Primeiro, por adiar o agora. Jovens vítimas de violência física e psicológica não precisam de uma música que lhes diga: aguentem porque, no futuro, a situação irá mudar. O que precisam é de medidas que os defendam na hora e que contribuam para que, no dia seguinte, o regresso à escola não seja outra tortura. Os mais novos têm uma percepção do tempo bem mais reduzida do que a nossa e, por isso, o que interessa é o alívio da dor no presente e não promessas de um futuro que pode nem vir a ser um terço da maravilha que o vídeo promete, principalmente quando as perspectivas profissionais das gerações futuras são cada vez mais negativas perante a prolongada crise internacional.

Em segundo lugar, alimenta sentimentos de ressentimento e vingança. Mensagens como “serei o teu chefe e tu o meu escravo”, “abusarei de todo o meu poder” ou “serás o meu animal de estimação” são mensagens tristes. E nem adianta contra-argumentar com o sentido figurado ou simbólico do vídeo. Não há lugar a sentidos figurados ou mensagens distorcidas quando falamos de pressão psicológica. Violência é violência, seja de ténis aos 15 ou de gravata prepotente aos 30 — é importante que a situação mude, mas não que se reverta.

Por último, se é para vingar na vida, que seja por mérito próprio, sem ferir ninguém. As pessoas mais amargas que conheço estão obcecadas com o controlo e a aprovação dos outros, em vez de se focarem nas suas próprias vontades ou interesses. Muitos transformaram-se em chefes arrogantes, esposas controladoras ou amigos vampíricos. Por sua vez, as mais interessantes têm mais que fazer do que focarem-se nos outros. Algumas foram, de facto, vítimas de “bullying” e na sua maioria são hoje pessoas bem resolvidas. Mas não o são pelo simples facto de terem sido vítimas, são-no exactamente porque nunca foram agressores. Porque sempre pautaram a sua vida por princípios de respeito, esforço, coragem e confiança. Porque não se colocam no centro do poder e das atenções de uma forma narcisista. Porque aprenderam.

Lembram-se do caso dramático do miúdo de Mirandela que se suicidou? Antes de se atirar ao rio, disse ao irmão que não aguentava mais. O vídeo do VH1 talvez não lhe tivesse servido de muito. Mas talvez tivesse ajudado uma comunidade mais atenta e interventiva, na escola e fora dela. Talvez uma sociedade que não confunda escolarização com educação. Uma sociedade que assuma que diariamente passa ao lado de casos de violência sem voz denunciante — porque é dentro da escola, porque é entre marido e mulher, porque é com os filhos dos outros ou porque há que conservar a submissão e o emprego. Talvez uma sociedade menos narcisista e de pessoas mais humanas. Se querem passar uma mensagem positiva, procurem exemplos construtivos de intervenção social e não de contra-ataque individual.