Apesar dos novos hábitos, da crise e da concorrência, a quase octogenária Pollux insiste em sobreviver
Nos anos 70 e 80, a Pollux era a maior referência no comércio da Baixa lisboeta. Hoje, esquecida na Rua dos Fanqueiros, resiste no mercado actual e continua a marcar a diferença.
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Aqui não há serviço de mesa, o cliente pede no balcão. Rui Portela, funcionário na esplanada da Pollux há cerca de um ano, salienta que “é uma vista excepcional. Isto tem um potencial enorme e nós atendemos aqui muita gente por dia”. E lamenta: “Está muito pouco divulgada e em termos de mercado nacional há muita gente que não conhece. Mas já começa a aparecer em roteiros turísticos.”
Na esplanada, por entre a música ambiente e o burburinho das conversas, revelam-se vozes de espanhóis e ingleses. Rosa Pereira (de 32 anos), espanhola e residente em Portugal conta como conheceu este espaço: “Foi um amigo que me disse que havia uma cafetaria aqui em cima, e achei que era uma vista bonita e foi assim. Vou começar a vir mais, já recomendei e já me recomendaram também.”
Foi desta mesma forma que Cristina Oliveira, de 45 anos, soube da existência da esplanada: “Tomei conhecimento através de uma amiga, que costuma vir aqui à Pollux e viu o anúncio, disse que a vista era muito bonita e realmente é fantástica. É a primeira vez que venho”.
O nono piso da Pollux, que agora oferece, para além da esplanada, um vasto leque de flores e plantas artificiais para venda, foi, em tempos, um simples sótão de arrumação. A Pollux iniciou-se na rua da Palma. Poucos anos depois instalou-se na Rua dos Fanqueiros e aqui ficou até hoje. No começo, os donos da firma — Manuel Duarte Ferreira e o cunhado — reconstruíram todo o edifício por dentro.
Nessa altura, ocuparam apenas os primeiros três pisos, sendo os restantes alugados a outras empresas. O segundo piso era uma galeria: o chão era aberto, sendo possível ver a loja no rés-do-chão, onde se vendiam, sobretudo “quinquilharias” (canetas, canivetes, sacos de plástico, discos, perfumaria, drogaria). À medida que os outros pisos foram sendo desocupados, a Pollux expandiu-se para os pisos superiores, o que obrigou a procurar novos artigos para venda e a uma maior especialização.
Fazia-se muita exportação para as colónias. A Pollux tinha, também, uma oficina e fazia brindes para oferecer aos militares em Angola e Moçambique. “Lembro-me que se faziam cá carteiras para enviar. A Cruz Vermelha mandava fazer para oferecer aos soldados que estavam no Ultramar”, conta Isabel Almeida, funcionária da Pollux há 44 anos.
A Pollux foi sempre uma empresa familiar. Em 1988, foi comprada pelos actuais donos — a família António Robalo. Nessa altura todos os pisos já estavam ocupados pela empresa (apenas o sótão não era usado). Foi na década de 1990 que fizeram obras e aproveitaram o 9º piso — mas a esplanada abriu apenas em Abril de 2005.
Em 1999 iniciou-se a expansão geográfica da Pollux — passou a existir no Porto, e, mais tarde na Amadora, Olivais, Almada, Aveiro e Vila Franca de Xira.
Os nove pisos do edifício sede da Pollux, na Baixa Chiado, concentram uma larga oferta de artigos para o lar e cada piso é especializado numa vertente. Os noivos, quando aqui vêm fazer as listas de casamento, começam no 1º piso e vão até ao 9º, até encontrarem tudo o que precisam. Na Pollux podemos encontrar — para além de têxteis, lençóis, tapetes, pequenos electrodomésticos, faqueiros, porcelanas, espelhos, e artigos de cozinha — um piso dedicado a papelaria e brinquedos; um piso com espumas, esferovite, sacos de plástico e napas, e ainda uma área dedicada à hotelaria, com entrada pela rua da Madalena, que é visivelmente o sector com mais clientes.
Nos restantes pisos da Pollux, a norma é encontrar dois a três funcionários por piso e um número igual de clientes. A clientela de hoje não tem comparação com a que havia no passado. Os pisos são sobretudo tranquilos, espaçosos e bem recheados, com uma variedade imensa de artigos. O restante espaço é preenchido por música ambiente.
No piso 3, encontra-se todo o recheio para uma cozinha. Nuno Abreu, um jovem funcionário da Pollux, conta que “desde que começaram a surgir os programas de cozinha na televisão, nota-se imensa procura por este tipo de artigo, de ménage, vêm à procura de algo em concreto, normalmente e neste tipo de artigo, que tem muita utilização, as pessoas pretendem muitas vezes algo com qualidade, que lhes dê para muito tempo.”
No piso 5, onde há, por exemplo, alcatifas, napas, telas a metro, sacos de plástico e espumas, trabalha Rui Monteiro: “Estes materiais são usados diariamente em várias profissões, nas mais diversas actividades aqui nas redondezas. Aqui na zona são produtos praticamente exclusivos. Não são tão fáceis de encontrar assim e nós mantemo-nos como uma referência no mercado.”
No Piso 7, entre artigos de papelaria, malas de viagem e materiais de artesanato, estão também os brinquedos. E entre estes, encontra-se um cantinho exclusivo de brinquedos antigos: Action Man, Tartarugas Ninja, Teletubbies, datados das décadas de 1980 e 1990. Nesta viagem ao passado, Esmeralda Louro (que trabalha na Pollux há 40 anos) recorda que vendia muitos brinquedos na altura do Natal e da Páscoa: “Às vezes nem se dava a atenção que se devia dar às pessoas, era uma confusão.” Lembra que a afluência aos artigos de papelaria era na altura do começo de aulas: “As pessoas em geral compravam aquelas colecções todas: era a mochila, era o caderno, era o dossiê... tinham de levar tudo. Agora não fazem isso.”
De modo geral, os funcionários mais antigos da Pollux referem as décadas de 1960, 1970 e 1980 como as de maior afluência de clientes. “Ainda me lembro desta casa estar cheia de gente. Na altura do Natal, queríamos passar nas escadas e não tínhamos possibilidade. No sábado e nas férias havia sempre montes de pessoas, vinham de fora para comprar", conta Florinda Moreira, funcionária da Pollux desde 1965. “Na Rua de Santa Justa, às vezes a gente nem via o chão, era só gente.” Isabel Almeida acrescenta que “antigamente, antes da hora de abertura, havia filas enormes, lá fora, à porta e quando esta se abria, os corredores enchiam". Mas isto não era só na Pollux. "A Rua dos Fanqueiros era como se fosse um centro comercial”, acrescenta.
A partir dos anos 90, com o aparecimento de novas e grandes superfícies comerciais, houve um decréscimo na procura da Pollux e, de forma generalizada, do comércio tradicional de rua. “Começámos a ter lojas fechadas aqui na Baixa. A rua dos Fanqueiros tem mais lojas fechadas que abertas”, conta Florinda Moreira que culpa a mudança de hábitos. “As pessoas habituaram-se a ir fazer compras a grandes superfícies onde têm parque de estacionamento. Na altura, as famílias vinham inteiras, até porque não havia tanta gente com carro.”
Outro dos factores apontados para o decréscimo das vendas é a crise e a mudança de mentalidades. Os funcionários recordam que antigamente as pessoas compravam de forma mais impulsiva, mas nos dias que correm, o cliente é mais meticuloso. “Houve o tempo das 'vacas gordas'. Hoje um piso é capaz de ter dois ou três funcionários, antes tinha de ter uns dez ou quinze”, conta Rogério Silva, vitrinista da Pollux, onde trabalha há 35 anos. “Hoje, as pessoas só compram um prato ou um copo quando faz mesmo falta.”
O contexto actual — grandes superfícies comerciais, enorme variedade de produtos no mercado, menor poder de compra e acesso a mais informação por parte do cliente — levaram a que a Pollux necessitasse de vendedores profissionais, explica Isabel Almeida: “Hoje o cliente está super bem informado, coisa que antigamente não estava e vinha obter a informação toda a nós. Está muito informado mas muitas vezes mal informado”. E reforça: “O cliente de hoje é um cliente muito difícil. Antigamente não era preciso saber vender e não era preciso profissionais, era preciso pessoas que embrulhassem. Hoje é preciso um vendedor para vender.”
Teresa Cardoso, funcionária da Pollux há 32 anos, nota que “antigamente as pessoas eram mais práticas, não eram tão exigentes e muita variedade só ajudou a atrapalhar a escolha do cliente pois, muitas vezes, o cliente vem com procuras de internet a que não temos como responder.” Rosa Fernandes, que trabalha na Pollux há 21 anos, contrapõe que como o "cliente tira da internet informações sobre as características e a qualidade do que quer, os empregados têm de saber acompanhar esse conhecimento.”
Se é verdade que a Pollux acompanha a mudança dos tempos, também é verdade que preserva certas características que a tornam uma referência no mercado português. A empresa, apesar de ter aumentado as importações, continua a dar primazia ao produto nacional. Isabel Almeida explica que “tudo abriu após o 25 de Abril”: “Também abriu para nós. Contudo, só aquilo que não se consegue mesmo cá é que se vai buscar ao estrangeiro. Acredito que nós tenhamos cerca de 80 por cento de artigos portugueses.”
O atendimento personalizado e os trabalhos por encomenda são outras qualidades que motivam os clientes a deslocarem-se à Pollux. “Nós continuamos a ter esses trabalhos que não existem, ou quase não existem, em nenhum lugar. Por exemplo, se tem uma cadeira de jardim que está a ficar estragada e quer manter a espuma, traz-me a espuma e eu mando fazer a confecção nova para essa espuma”, explica Isabel Almeida. “Imagine que tem uma cama com dois metros, eu arranjo-lhe roupas para essa cama. Marcamos a diferença com aquilo que não há no mercado e com um atendimento mais personalizado. Aqui há sempre alguém que o vai ajudar naquilo que pretende.”
Texto editado por Ana Fernandes