Uma fraude
Começou tudo mal. António José Seguro não percebeu que, depois da condenação e da “candidatura” de António Costa, nunca mais voltaria a readquirir qualquer espécie de autoridade sobre o partido. António Costa não percebeu que tão perto das legislativas nunca teria força e espaço para tornar o PS num partido maioritário, capaz de se impor à direita por muito que ela se dividisse ou diminuísse. Como as coisas correram, os dois estão condenados, quer venham a perder ou a ganhar a sórdida zaragata interna em que se meteram. E deram os dois prova da sua radical indiferença pela fragilidade da República. Pensaram só, e mal, que o CDS e o PSD lhes davam a oportunidade para tomar conta da política portuguesa.
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Começou tudo mal. António José Seguro não percebeu que, depois da condenação e da “candidatura” de António Costa, nunca mais voltaria a readquirir qualquer espécie de autoridade sobre o partido. António Costa não percebeu que tão perto das legislativas nunca teria força e espaço para tornar o PS num partido maioritário, capaz de se impor à direita por muito que ela se dividisse ou diminuísse. Como as coisas correram, os dois estão condenados, quer venham a perder ou a ganhar a sórdida zaragata interna em que se meteram. E deram os dois prova da sua radical indiferença pela fragilidade da República. Pensaram só, e mal, que o CDS e o PSD lhes davam a oportunidade para tomar conta da política portuguesa.
Seguro, é verdade, podia resolver o caso, saindo imediatamente de secretário-geral e convocando um congresso. Preferiu resistir palmo a palmo ao que ele considerava uma imerecida ofensa pessoal e inventou a absurda manobra das “primárias”, com a desculpa de que se fazia em França (a designação de Hollande para presidente foi o meritório resultado). Costa, sem maneira de se opor a este delírio, acabou por aceitar e hoje, entrincheirado em disputas processuais, vê a intervenção, que ele supunha salvífica, perder o seu peso e o seu sentido original. O cidadão comum, mesmo o cidadão interessado, não compreende esta história esotérica, que se passa ao lado da sua miséria e que tanto interessa os facciosos das duas partes, agora engolfados numa querela ociosa.
Pior ainda: as “primárias” são inconciliáveis com a política portuguesa, em que a “classe operária”, apesar do esforço do PC, não produziu uma cultura autónoma e as diferenças das três seitas do “arco governativo” mal se distinguem. Interrompendo as tradições políticas do século XIX, a Ditadura impediu que se formassem e consolidassem as grandes correntes que dominaram a sociedade moderna: o obreirismo, o sindicalismo, o socialismo, o anticlericalismo, o conservadorismo. Em 2014, há talvez um pequeno número de “famílias católicas”. Mas não há famílias socialistas, ou CDS ou PSD. O eleitorado, como geralmente se reconhece, flutua em grosso com os chefes de partido e o rendimento disponível. Costa e Seguro insistem que os participantes declarem a sua “concordância com a Declaração de Princípios” do PS. De que serve isto e que raio de confiança inspira, quando o próprio PS (como, de resto, o CDS e o PSD) é o primeiro a não os respeitar? Que nova fraude nos querem impingir?