As “parking apps” e os problemas do primeiro mundo
“Apps” como o Monkey Parking permitem que cada pessoa liberte espaços na sua garagem, ou dentro de um terreno seu, disponibilizando-os em tempo real para quem deles precise
Há décadas que as cidades desenham transportes públicos mais eficazes, práticos e cómodos para reduzir o tráfego da urbe, tornando os espaços mais atractivos e desejáveis. Em paralelo, os parques de estacionamento tornaram-se caros e raros, complicando a vida aos que precisam de se mover de forma autónoma.
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Há décadas que as cidades desenham transportes públicos mais eficazes, práticos e cómodos para reduzir o tráfego da urbe, tornando os espaços mais atractivos e desejáveis. Em paralelo, os parques de estacionamento tornaram-se caros e raros, complicando a vida aos que precisam de se mover de forma autónoma.
Pela influência de Silicon Valley, San Francisco terá sido a primeira cidade a encontrar uma forma de poupar tempo, dinheiro e gasolina aos condutores: através de “apps” que procuram o lugar de estacionamento disponível mais próximo de onde o veículo se encontra ou do seu destino.
Mas a mais recente tendência vai mais longe: “apps” como o Monkey Parking permitem que cada pessoa liberte espaços na sua garagem, ou dentro de um terreno seu, disponibilizando-os em tempo real para quem deles precise.
Estamos perante a total democratização do arrendamento da propriedade privada, agora comercializada ao minuto e ao metro quadrado, por vezes em micro leilões, num ambiente de “crowdsourcing” que começa a pôr em risco o modelo tradicional dos parques de estacionamento. O mesmo já tinha acontecido aos táxis, ameaçados pela Uber e “apps” semelhantes, que revolucionaram o transporte de pessoas em Barcelona e Amsterdão — sempre recorrendo aos “sellsuming” como modelo de negócio. Fará sentido pôr os modelos tradicionais em questão para criar novos modelos menos profissionais, mas mais simplificados, práticos e baratos?
Curiosamente, a utilização em larga escala destas aplicações em algumas cidades começa a criar um inesperado problema: automobilistas a conduzirem as suas viaturas furiosamente até ao lugar disponível, com medo de não serem os primeiros a chegar. Um número crescente de acidentes tem sido reportado em consequência desta tendência.
Discuti este assunto há poucos dias com docentes de vários países, nomeadamente de investigadores que vivem na África Central.
“Curiosos, os vossos problemas de primeiro mundo. Corridas furiosas por cidades à procura da garagem do vizinho da loja onde vão fazer compras. Compra de lugares em leilão através do 'smartphone' enquanto conduzem na auto-estrada! Discussões pelo lugar perdido e frustração por não ter sido o primeiro a chegar, obrigando à procura de um novo leilão dos lugares do bairro. Olho pela janela e continuo a pensar: curiosos, os vossos problemas de primeiro mundo”.
E são assim, os nossos dias. Enquanto uns procuram pão, outros precisam de espaço para enfiar a carrinha que os transporta. Estamos todos de acordo que não é justa esta diferença de classes, de meios, de acessos. Mas uma vez existindo, devemos dar menos relevância aos problemas do mundo mais evoluído porque existem problemas maiores noutras zonas do globo? Duvidamos. Se não o fizemos, equilibraremos mais o mundo, socialmente falando? Provavelmente não. Evoluiremos da mesma forma? Em caso algum.
Reconhecer a importância dos problemas do primeiro mundo não é um desrespeito pelos dos países menos civilizados ou zonas menos evoluídas. O que não implica que estar atento às novas tendências justifique que nos esqueçamos dos grandes problemas da humanidade, cuja solução depende em grande parte de todos nós.