O desencontro
Esta é uma fotografia só, mas parecem duas. De um lado dos anjos, está Jerónimo de Sousa, líder do Partido Comunista. Do outro, Cavaco Silva, Presidente da República. O fotógrafo Daniel Rocha, que já fotografou centenas — senão milhares — de momentos como este, apanhou nesta fracção de segundo o instante indisfarçável do desconforto.
Não foi o fotógrafo que procurou o melhor momento. Isso não é possível nestas situações. As pessoas sentam-se — o Presidente e o seu convidado —, o fotógrafo oficial de Belém entra, dispara e sai; e a seguir as portas são abertas para os jornalistas: fotógrafos e câmaras das televisões entram de uma só vez e têm um minuto, por vezes menos, para fotografar.
“Supostamente, é sempre igual, mas acaba por não ser. Queremos apanhar o ambiente, a síntese daquele minuto”, diz Daniel Rocha. “Não há tempo para pensar”, diz Rui Gaudêncio, também fotógrafo. “Quando mandamos um fotógrafo novo para Belém, dizemos-lhe: ‘Pensa rápido, quando entrares, já estás a sair.’” Aos primeiros disparos, ouve-se um assessor da presidência dizer delicadamente: “Então muito obrigada...”
Tudo isto para dizer que nestas fotografias não há escolha. Não há intenção. Não há ideologia. Não há simplesmente tempo para nada disso. Esta foi a expressão que Jerónimo de Sousa quis ter ou a melhor que conseguiu ter quando se sentou ao lado do Presidente. E foi a melhor pose que Cavaco Silva conseguiu. Um parece que não queria estar ali. O outro parece que não está ali.
A síntese, neste caso, pode ser esta: estes dois homens nada têm a dizer um ao outro. Estão na mesma sala mas a imagem parece uma montagem em Photoshop, uma brincadeira de alguém.
Dos encontros entre estes dois homens diz-se nos bastidores que costumam ser distendidos e afáveis. São de tal modo antagónicas as visões que têm sobre o mundo, que nenhum dos dois se dá ao trabalho de tentar convencer o outro e por isso ambos expõem cordialmente os seus pontos de vista e partilham preocupações comuns. Têm apenas sete anos de diferença, já viram o mundo dar muitas voltas.
A imagem previsível da semana política portuguesa seria a de António Costa à janela do Teatro Tivoli, em Lisboa. Um Costa confiante que acena para os apoiantes que não conseguiram entrar na sala e ficaram à espera na rua. Nessa imagem, Costa está na fotografia, não há ambivalência alguma. Vamos se calhar vê-la mais vezes no futuro.
Mas a escolha foi para a estranheza do desencontro de Jerónimo e Cavaco. Daqui a uns anos, é da imagem de Costa à janela que nos vamos lembrar. Mas nesta semana é esta que fica.